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Publicada em 12 de Junho de 2025 às 17:12

Defensoria analisa explicações da prefeitura após morte de pessoas em situação de rua em Porto Alegre

O ofício foi emitido pelo Núcleo de Defesa em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (DPE/RS)

O ofício foi emitido pelo Núcleo de Defesa em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (DPE/RS)

JOYCE ROCHA/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
Atualizada no dia 12/06/2025, às 19h52
Atualizada no dia 12/06/2025, às 19h52
Duas semanas após o falecimento de duas pessoas em situação de rua por conta do frio extremo em Porto Alegre, os esclarecimentos da Secretaria Municipal de Assistência Social de Porto Alegre ainda estão sendo analisados pelo Núcleo de Defesa em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (DPE/RS). A prefeitura foi oficiada no dia 30 de maio, e, desde então, já foram registradas duas novas mortes
As primeiras vítimas foram encontradas no dia 29 de maio, após uma madrugada de frio intenso. Ambas apresentavam sinais claros de hipotermia. No dia 5 de junho, foi contabilizado o terceiro caso. A vítima foi encontrada sem vida, mas sem sinais de violência. Já a quarta morte ocorreu na última segunda-feira (9). Ainda não há um laudo conclusivo quanto à causa dos dois óbitos mais recentes
No ofício, a defensora dirigente do Núcleo, Gizane Mendina, destaca que recebeu denúncias sobre a retirada de pertences pessoais, incluindo cobertores, de moradores de rua durante ações de "zeladoria urbana". Segundo Gizane, "isso acende um alerta para a Defensoria Pública".
"Remoções de bens e pertences pessoais é uma conduta violadora de diversos direitos. É uma conduta que é vedada no ordenamento jurídico", afirmou. Desde agosto de 2023, esse tipo de ação é proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além de vetar o recolhimento forçado de pertences da população em situação de rua, a resolução proíbe a remoção forçada dessas pessoas, assim como o transporte delas para abrigos sem autorização. 
Gizane destaca que, "se houver a necessidade de remoção de itens pessoais, elas (as pessoas em situação de rua) precisam ser notificadas de onde esses bens serão guardados, de onde elas podem recuperá-los em momento posterior". 
"A partir dessas denúncias, entendemos por oficiar a Secretaria Municipal de Assistência Social para entender qual é o tipo de política pública que ela direciona à população em situação de rua, especialmente no contexto de frio extremo que aconteceu nas últimas semanas", destacou. Para isso, foi requisitado o detalhamento das estratégias previstas no plano da Operação Inverno 2025, que contempla medidas emergenciais de proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O ofício também solicitou informações referentes ao funcionamento dos abrigos no município de Porto Alegre, incluindo atualizações sobre a quantidade de vagas por perfil. Segundo a defensora, o objetivo é "verificar se essa quantidade de vagas é suficiente para a atual população de pessoas em situação de rua no município".
Entre as demandas, ainda estava o detalhamento do fluxo de encaminhamento para o ginásio do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), um espaço de acolhimento emergencial que foi aberto no dia 29 de maio deste ano. Os dados de identificação das pessoas que vieram à óbito por frio extremo no final do mês de maio também foram requeridos.
Após duas semanas, ainda não há certezas
Após a emissão do ofício, no dia 30 de maio, a prefeitura teve um prazo de cinco dias úteis para prestar os esclarecimentos solicitados. "Em linhas gerais, responderam dentro do prazo e enviaram os documentos técnicos solicitados", apontou Gizane. A defensora, contudo, disse que as informações ainda estão sendo analisadas, e é muito cedo para extrair uma avaliação precisa. 
Nesta leva de envios, constava uma cópia do plano da Operação Inverno 2025, assim como a relação atualizada sobre o funcionamento dos abrigos. Entretanto, quanto à identificação das vítimas, faltaram informações. Apenas uma das duas pessoas em situação de rua, que faleceram na madrugada do dia 29 de maio, foi identificada
A prefeitura também não emitiu relatórios específicos referentes ao recolhimento de bens e pertences pessoais. "A gente pediu um relatório circunstanciado das ações de abordagem entre os dias 27 e 29 de maio, incluindo documentos administrativos, como ordens de serviço", relembrou a defensora.
"Mas, a princípio não foram encaminhados", apontou. De acordo com a defensora, há apenas um relato sobre as abordagens que foram realizadas nos viadutos Conceição e Leopoldina durante o período. Diante disso, Gizane destaca que, se for constada insuficiência dos esclarecimentos após o término da análise, serão solicitadas novas informações por meio de um ofício complementar.
O Jornal do Comércio entrou em contato com a Secretaria Municipal de Assistência Social de Porto Alegre, mas, até o fechamento desta reportagem não obteve retorno
Novas mortes acendem novas preocupações
O ofício foi emitido no dia 30 de abril. Até então, havia duas mortes de pessoas em situação de rua. Nas semanas seguintes, contudo, mais duas mortes foram registradas. Uma no dia 5 de junho e outra quatro dias depois, em 9 de junho. Até a tarde desta quinta-feira (12), a Defensoria Pública ainda não havia emitido um novo ofício, mas Gizane não descarta essa possibilidade.
"Essas novas mortes nos trazem mais preocupação em relação à política que tem sido realizada no município. Provavelmente, vamos pedir mais esclarecimentos quanto a essas também. Mas isso não impede que a gente também pense em alguma outra medida jurídica imediata", explica. Entre os próximos passos, deve estar a solicitação de uma investigação mais rigorosa sobre as causas das mortes, junto ao Instituto Geral de Perícias. 
"É importante destacar que no pós-enchente houve um aumento significativo do número de pessoas em situação de rua na nossa cidade e que esse aumento precisa vir acompanhado do aumento de preocupação do município, da construção de políticas públicas para acompanhar essa demanda", completa a defensora.
Por meio de nota, a Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretara Municipal de Assistência Social, informou que respondeu ao ofício da Defensoria Pública do Estado com as informações disponíveis sobre a Operação Inverno e demais ações do município para atender a população em situação de rua.
No texto, a administração municipal afirma que "ações de abordagem social realizadas pelas equipes do município podem ser acompanhadas pelos órgãos competentes". Diz, ainda, que foi reforçada a busca ativa de pessoas em situação de rua para encaminhá-las a abrigos e albergues nos dias mais frios.

"Sobre os óbitos recentes na região central, a prefeitura está à disposição das autoridades e a causa da morte será determinada após os devidos procedimentos legais. As equipes de abordagem da Secretaria de Assistência Social são compostas por 120 agentes. Em muitos casos, há dificuldade de aceitação por parte das pessoas em situação de rua devido ao uso de substâncias, apesar da insistência dos agentes sociais", diz o comunicado.

Na área Central, garante que os grupos de abordagem atuam até as 21h. "Nas noites com temperatura abaixo de 7ºC, as equipes realizam rondas extras entre 19h e 22h, oferecendo acolhimento e proteção contra o frio. Atualmente, a Operação Inverno disponibiliza 370 vagas, incluindo o abrigo emergencial do Ginásio do Demhab (120) e três albergues (250)", finaliza.

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