A rede pública de saúde da Região Metropolitana de Porto Alegre enfrenta um cenário de sobrecarga e escassez de recursos. Em meio ao aumento da demanda, impulsionado pela pandemia, enchentes e crise no sistema suplementar, representantes da gestão municipal e hospitalar têm cobrado maior responsabilidade da União e do Estado no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Durante o Menu Poa, promovido nesta terça-feira (10) pela Associação Comercial de Porto Alegre, o secretário da Saúde da Capital, Fernando Ritter, e a diretora técnica da Santa Casa de Porto Alegre, Gisele Nader Bastos, destacaram que os municípios estão arcando sozinhos com uma conta que deveria ser compartilhada por toda a federação. Ambos defenderam a necessidade de reequilibrar o financiamento do sistema, alertando para a defasagem na tabela do SUS, a pressão crescente sobre os hospitais de referência e os riscos de desassistência.
"O SUS foi idealizado para ser universal e integral. Mas tudo tem um limite, e esse limite é o orçamento. Hoje, quem banca essa conta são os municípios", afirmou Ritter. Segundo ele, Porto Alegre já investe mais de 22% de seu orçamento próprio em saúde, podendo chegar a 25% até o fim do ano. Há cidades da Região Metropolitana que ultrapassam os 30%. O índice mínimo exigido por lei é 15%.
Esse esforço, diz o secretário, não tem sido acompanhado por quem arrecada mais. "Os impostos seguem concentrados na União, que deveria investir mais. O Estado aplica apenas 9,3% da receita em saúde, quando muitos municípios investem mais do que o dobro", afirmou. O orçamento da saúde na Capital é de R$ 3 bilhões, sendo R$ 1,3 bilhão da União, R$ 186 milhões do Estado e o restante custeado pelo município que, após a enchente, acumula um déficit de R$ 250 milhões.
A crise se reflete diretamente nos hospitais de referência. A Santa Casa de Porto Alegre, que reúne oito instituições na Capital e uma em Gravataí, atende mais de 1,5 milhão de pessoas por ano, sendo 63% delas pelo SUS. Segundo a diretora Gisele Bastos, o déficit da instituição em 2024 é de R$ 163 milhões.
"Se dependêssemos só da tabela do SUS vigente atualmente, a Santa Casa já teria fechado. O que nos mantém são doações, emendas e receitas de convênios e particulares. Isso cobre o rombo e garante o mínimo de investimento", disse a dirigente.
O impacto da crise se estende para além das fronteiras da Capital. Mais de 60% dos pacientes que buscam a Santa Casa vêm do interior do Estado. Apenas quatro dos 497 municípios gaúchos não encaminharam pacientes ao complexo hospitalar no último ano. "A rede está sobrecarregada. Recebemos pacientes graves e crônicos, muitos ainda descompensados após a pandemia e as enchentes", explicou Gisele.
O fechamento de serviços em cidades vizinhas, como o Hospital de Pronto-Socorro de Canoas, também agrava o problema. "Porto Alegre se tornou um porto seguro, mas isso tem um preço. Perdemos leitos, aumentamos as filas. Uma cirurgia ortopédica que antes levava até dez dias, agora pode demorar 20. Isso é inadmissível, mas não temos mais onde colocar os pacientes", disse Ritter.
Segundo ele, a defasagem da tabela do SUS cria distorções que tornam inviável manter procedimentos essenciais. "Uma diária para paciente queimado pode custar R$ 8 mil. A União paga R$ 800,00. A conta não fecha. Precisamos de uma tabela mais realista, como já fizeram os estados do Paraná, São Paulo e Santa Catarina", cobrou.
Em meio à crise, o governo estadual anunciou nesta segunda-feira um aporte emergencial de R$ 112,6 milhões para a rede pública e lançou o programa "SUS Gaúcho", que pretende complementar a tabela nacional do Sistema único de Saúde (SUS) com recursos próprios. A medida vem em um momento de alta nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG): apenas em Porto Alegre, já foram registrados 857 casos em 2025, com 52 mortes.