Há um ano, a Rodoviária de Porto Alegre voltava a funcionar após viver um dos capítulos mais dramáticos de sua história. Em 7 de junho de 2024, pouco mais de um mês após ser tomado pelas águas, o Terminal reabria parcialmente, com cerca de 90 horários diários. Passados 12 meses, o cenário é completamente diferente, mas a Estação ainda luta, passo a passo, para retomar à normalidade plena.
Hoje, segundo o gerente operacional Jorge Rosa, a Rodoviária opera com cerca de 320 horários por dia, número próximo ao período anterior à tragédia climática de maio do ano passado. "No primeiro momento, tínhamos só três horários naquela estação improvisada na avenida Antônio de Carvalho. Foi muito triste ver a Rodoviária parada. Sempre dizia que ela nunca ia parar. Mas parou. Agora, devagarinho, estamos voltando", conta, sorrindo, o mais antigo funcionário do Terminal.
Na época da cheia, o rio Jacuí chegou a cobrir o teto das lojas. "Ficou tudo debaixo d'água por quase 40 dias", lembra Helena Tigre, dona da lancheria Só Bom. "Não sobrou nada. Só o piso. Foi um recomeço do zero". Reabrir levou seis meses, sem faturamento e com despesas mantidas: "não demitimos ninguém, mas foi uma batalha."
Para Girlei Agnes, proprietário da Ki Lanches, o pior já passou, mas as incertezas persistem. "Recuperar o prejuízo ainda vai levar tempo. Investimos R$ 400 mil. Mas temos apego ao lugar, estamos aqui há 30 anos. Não dava para abandonar algo tão importante para mim e para a minha família."
Ele estima que o movimento segue cerca de 10% abaixo do registrado antes da enchente. "Mas isso não é só por causa da tragédia. Tem os aplicativos, os carros próprios, a crise econômica, até o transporte aéreo regional. Tudo isso afeta. A Rodoviária já não é mais o que foi um dia".
Girlei Agnes, proprietário da Ki Lanches, estima movimento 10% abaixo do registrado antes da enchente
BRENO BAUER/JC
A operação está plenamente ativa, mas parte da estrutura ainda funciona em caráter provisório — como o setor de passagens interestaduais, que segue instalado em uma sala no segundo andar. A diretora de Transportes Rodoviários do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Luciana do Val Azevedo, explica que o espaço original passará por reforma, com a criação de uma nova sala de espera coberta.
"O guichê interestadual será remodelado, e também faremos melhorias nos banheiros e na cobertura, que sofreu danos estruturais. Perdemos totens, computadores, máquinas de cartão. Estamos retomando aos poucos. A tragédia mostrou que não dá para subestimar a força da natureza", afirma.
Algumas lojas, no entanto, nunca voltarão. Durante visita ao Terminal, a reportagem identificou seis pontos atualmente fora de operação. De acordo com o Daer, um novo edital deverá ser lançado em breve para permitir a reocupação. Já o número de passageiros ainda não retornou aos níveis de antes da pandemia. Segundo Luciana, a enchente apenas interrompeu uma tendência de queda que já vinha se consolidando há anos.
"A Rodoviária está viva, mas o modelo de transporte mudou", observa Girlei. "Se nada for feito para ao menos tornar mais agradável esse espaço, o movimento vai continuar caindo. A reforma traz esperança, mas é preciso mais do que isso. É preciso planejamento para o futuro", conclui.
Helena concorda. "A gente vive com medo de outra enchente. Quando começa a chover, já bate a insegurança. É um medo que nunca vai embora. Se acontecer de novo, será que a gente aguenta?", questiona, apontando para a marca na parede que mostra até onde a água chegou.
Helena Tigre, dona da lancheria Só Bom, diz sentir medo em qualquer novo episódio de instabilidade
BRENO BAUER/JC
Reforma de R$ 19,8 milhões inicia nos próximos meses
Na tentativa de renovar a estrutura, o governo do Estado assinou, na última quarta-feira (4), a ordem de início para a elaboração do projeto e execução de uma reforma na Estação Rodoviária. A responsável será a empresa Nacon Engenharia, com investimento estimado em R$ 19,8 milhões. O prazo para conclusão é de até 18 meses, conforme liberação dos espaços pela Veppo, administradora do Terminal.
Entre as intervenções previstas estão a impermeabilização da cobertura, reforma dos banheiros, troca de vidros, pintura geral e modernização das áreas comuns. Também será construída uma nova sala de espera para o setor interestadual e haverá melhorias no piso.
A obra faz parte do Plano Rio Grande, programa estadual criado após a enchente. Segundo o governo, a meta é tornar o Estado mais resiliente diante de eventos climáticos extremos. Para Luciana Azevedo, do Daer, a obra é emergencial, mas também uma chance de renovação. "Muitas dessas melhorias já eram necessárias antes. A enchente apenas tornou inadiável uma reforma mais completa", conclui.
Já para quem depende da Rodoviária, a obra representa um alívio — ainda que insuficiente diante dos riscos futuros. “Ela precisa ser moderna, mas também resistente. Não dá para passar por tudo aquilo de novo”, resume Helena, que além de proprietária, é filha do fundador da lancheria Só Bom, inaugurado no mesmo ano da Estação Rodoviária de Porto Alegre.
Setor de passagens interestaduais segue desativado
BRENO BAUER/JC