Pela primeira vez na história, quatro gerações atuam juntas nas organizações. Dos Baby Boomers à Geração Z, o mercado enfrenta desafios ligados à comunicação, ao comportamento, ao comprometimento e à interação entre gerações tão distintas. Entre o ano de nascimento da primeira geração presente no mercado de trabalho (1945) e o último ano da geração mais nova (2010), passaram-se mais de seis décadas. O fim da Segunda Guerra Mundial, o avanço industrial, a globalização, a internet e as novas tecnologias. São mundos completamente diferentes que, hoje, interagem em escritórios ao redor do mundo.
De acordo com dados publicados pela Visual Capitalist, a partir do levantamento realizado pela McCrindle, empresa australiana de pesquisa social e análise de dados e tendências globais, a expectativa é que, até 2035, a geração Baby Boomer, que atualmente representa 12% da força de trabalho mundial, desapareça do mercado.
A geração seguinte, a X, que hoje representa 27% dos profissionais, será 21%. Os Millennials - atualmente a geração mais presente no mercado de trabalho - representam 34% e, até 2035, serão 29%. Por fim, a Geração Z, que hoje ocupa 27%, será a maioria, representando 31% dos trabalhadores. Com a saída dos Baby Boomers, uma nova geração entra, a Alpha. Hoje formalmente fora do mercado de trabalho, em uma década, ela será 19% da força de trabalho global.
Olhando para o futuro, o mundo está envelhecendo em razão de uma combinação de fatores, como a queda na taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida. Uma pesquisa realizada pelas Nações Unidas aponta que, até 2050, a estimativa é que 2,1 bilhões de cidadãos tenham 60 anos ou mais. O estudo ainda ressalta que o número de pessoas com 80 anos ou mais está crescendo e poderá ultrapassar a quantidade de crianças até meados de 2030. No Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul, o Estado mais envelhecido do País, as organizações já começam a realizar movimentos de integração e captação de talentos com mais idade, a fim de suprir uma demanda de postos de trabalho não ocupados pela geração mais nova, além de valorizar a experiência desses profissionais.
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Analisa de Medeiros Brum, fundadora e conselheira da HappyHouse, uma das maiores agências de endomarketing do Brasil, e Andressa Brum Merolillo, CEO da empresa desde 2023, são exemplos da diversidade geracional. Há dois anos, mãe e filha estão no processo de passagem de bastão. Aos 62 anos, Analisa entendeu que a sua forma de liderança não funcionava mais e que estava na hora da millennial Andressa assumir o controle.
• Baby boomer
Analisa, pertencente à geração Baby Boomer, descreve sua liderança como “comando e controle”. “Eu era mais velha e comandava e controlava essa empresa de forma muito centralizada”, afirma. Segundo ela, esse formato fazia sentido na época, mas não funciona mais. “É uma liderança que não é mais aceita”, admite. A geração, que faz parte do boom de nascimentos pós-guerra e a popularização da televisão, também é marcada pelo desenvolvimento social, impulsionado pelo avanço econômico. Analisa destaca que a experiência, o traquejo, a tranquilidade e a segurança são atributos conquistados com o tempo, e que a sua geração carrega um senso de compromisso com o empregador mais maduro que as gerações mais recentes.
• Geração X
De acordo com Andressa, essa geração destaca-se pela sua paciência e disponibilidade. “Ao contrário dos Millennials, geração mais próxima da Geração Z, a X tem mais paciência para ensinar os profissionais mais jovens. Também são mais compreensíveis”, observa. Essa geração é marcada por ter vivenciado a transição do analógico para o digital, acompanhando a chegada da internet e de dispositivos como o MP3. É também conhecida como “geração dos esquecidos” ou “geração silenciosa”, devido ao seu tamanho, que é menor em comparação com as gerações anteriores ou posteriores, e também por ser considerada mais independente. Hoje, muitos membros desta geração buscam se recolocar no mercado de trabalho. Com parte da geração próxima da aposentadoria, um novo cenário se impõe, onde a expectativa de vida é maior. Nesse sentido, muitas pessoas optam por estender a presença no mercado de trabalho.
• Millennials
A geração considerada a primeira de nativos digitais está, agora, ascendendo a posições de liderança. Analisa compara a ambição da geração Millennial com o seu próprio impulso proativo ao criar a empresa. “Brinco que os Millennials querem estar na capa da Forbes. Eles querem mostrar serviço para seus pais, para o mercado. Percebo neles uma energia realizadora, a mesma que eu tinha quando criei a Happy”, comenta Analisa. Mãe e filha reconhecem a diferença entre suas abordagens de gestão. Andressa adota uma liderança mais participativa e menos centralizada. Ela se coloca em pé de igualdade com coordenadores e diretores, marcando uma mudança significativa. Andressa também aponta que sua geração valoriza a flexibilização e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Além disso, há um foco maior em se identificar com os valores e a cultura da empresa.
• Geração Z
“Acredito que a Geração Z é um profissional que está mais pela experiência, consequentemente mais de passagem, ao qual não podemos nos apegar”, observa Analisa. Andressa destaca um desafio vivido por elas e por outras empresas: a rotatividade de estagiários. “Entra, faz seis meses e quer outra coisa. Seis meses é muito pouco, passa muito rápido”, afirma a CEO, comentando que o processo de contratação é mais longo atualmente, pois é necessário que os concorrentes à vaga entendam as expectativas da empresa. Apesar dos desafios, ambas destacam as qualidades da geração mais nova, como a facilidade de aprendizagem e a criatividade. “Temos que diminuir muito o preconceito em relação a eles. Acredito que é muito cedo para ter uma ideia pronta em relação à Geração Z, pois eles nos surpreendem bastante”, afirma Analisa.
Panvel aposta em programa de captação de talentos 50+
Olhando para o futuro, empresas começam a repensar formas de reter colaboradores de meia idade
Uma das maiores redes farmacêuticas do Brasil, a gaúcha Panvel implementou o programa 50+, que foca na recolocação de profissionais desta faixa etária no mercado de trabalho. A iniciativa, criada há cerca de um ano, surge em um momento de reconhecimento de um ambiente de trabalho multigeracional e da necessidade de criar conexão com clientes mais maduros.
De acordo com Érica Portolan, coordenadora de sustentabilidade da Panvel, foi necessário um estudo de quatro meses para entender de que forma o projeto seria aplicado e qual era a viabilidade da iniciativa. “A parte do conselho é formada por gerações mais maduras. Então, em alguns momentos, temos até cinco gerações convivendo no mesmo espaço. A partir disso, começamos a notar a necessidade de um olhar com mais inclusão e diversidade”, afirma a executiva.
O projeto nasceu também a partir da necessidade dos próprios clientes da marca, formados por uma parte expressiva de pessoas com mais de 50 anos e idosos. Entendendo que o varejo é a porta de entrada do mercado de trabalho para muitos jovens e observando a necessidade de criar conexão com seu público através de identificação, a Panvel passou a incentivar a inserção dos 50+ dentro das lojas.
“Alguns desses profissionais já estavam afastados, aposentados, e o nosso papel é auxiliar em uma possível transição de carreira ou uma retomada. Junto a isso, percebemos que nossos clientes mais velhos gostam de ser atendidos sempre pelo mesmo atendente, de preferência um que tenha a mesma experiência que eles, as mesmas vivências”, observa Érica.
O novo programa é também uma adaptação às previsões que indicam o envelhecimento da população. “O mercado precisa começar a se preocupar com isso e a se moldar para conseguir sustentar essa mudança. Então, esse também foi um dos grandes fatores”, pontua.
Érica aponta que o programa não se restringe a uma única área da companhia, sendo trabalhado em todas as posições, sejam elas no corporativo, nos ambulatórios, centros de distribuição e lojas.
“Não há distinções nas vagas, todas elas são inclusivas. Há uma diferença na tratativa no processo seletivo, mas é mais um acompanhamento, um olhar especial, eu diria assim. Precisamos entender se aquela pessoa, realmente, compreende a posição que irá ocupar e seus desafios”, comenta, afirmando que estar disposto é o fator essencial.
Entre os principais desafios do programa está a insegurança das primeiras gerações com a tecnologia. “Temos muita tecnologia inserida em diferentes setores da marca. Então, o primeiro receio que percebemos é em relação à adaptação a essas tecnologias. Por esse motivo, investimos muito em formação dentro do nosso programa. Temos todo um subsídio de informações sobre tecnologia para que eles consigam se sentir mais seguros e mais inseridos na rotina”, destaca.
A convivência multigeracional tem gerado discussões mais completas e pontos de vista mais interessantes, sendo as gerações vistas como complementares. Érica aponta que os colaboradores mais jovens auxiliam os mais velhos na questão da tecnologia e agilidade, enquanto a geração mais madura transmite experiência, calma, e ajuda a geração mais nova a “colocar os pés no chão”.
Outro ponto positivo observado após um ano de aplicação do programa é a taxa de retenção dos colaboradores 50+, que tende a ser maior do que a taxa de retenção dos colaboradores mais jovens. Em um ano de programa, a porcentagem de colaboradores nessa faixa etária aumentou de 9% para mais de
"O sentido do trabalho mudou. Ele é meio, não mais o fim", afirma especialista
COO da Perestroika comenta sobre práticas que equilibram as relações intergeracionais
Entre tantos fatores que impactaram a formação profissional e social daqueles que compõem a Geração Z, a pandemia de Covid-19 está no centro das discussões. Na época, muitos jovens concluíram ciclos importantes, como o fim da vida escolar no Ensino Médio, ingresso na graduação ou encerramento da trajetória universitária de forma remota, primeira experiência no mercado de trabalho. E tudo isso dentro de casa, conectados de forma online.
“Isso tem um impacto em termos das relações sociais e interpessoais muito significativo nos desenvolvimentos das habilidades comportamentais, as chamadas soft skills que falamos”, comenta Helena Kich, COO da Perestroika.
Outra característica latente na geração é um pensamento crítico mais presente em relação ao trabalho, colocando em prioridade aspectos diferentes de outras gerações. “Eles são muito mais realistas, pé no chão. Há uma valorização do retorno financeiro, mas há o olhar para a autonomia, valores, como diversidade e inclusão, compromisso com o impacto ambiental, social, e preferem, obviamente, jornadas de trabalho mais flexíveis”, observa.
A executiva entende que esse comportamento se dá por uma mudança de sentido do trabalho. “Acredito que esse seja o principal insight que eu gosto de trazer. Não é que essa geração seja descomprometida, ela só pensa o trabalho de forma diferente, se relaciona diferente. O trabalho não é mais fim, ele é meio”, enfatiza a executiva.
De acordo com Helena, as gerações X e Baby Boomer costumavam ter os empregos como sobrenomes, fazendo com que suas ocupações fossem o centro da sua vida social também. Com essa mudança de comportamento, as organizações passam a ter um grande desafio de captar e reter profissionais.
“Com essa redefinição de sentido, os profissionais mais jovens buscam ainda mais por valor e propósito das suas funções”, aponta Helena, afirmando que as organizações precisam se atentar com discursos que diferem muito da prática.
A COO da Perestroika afirma que identificar propósitos e seguir com coerência são pontos importantes para manter esses profissionais. “É muito mais difícil você conseguir o engajamento de um jovem se ele está simplesmente fazendo atividades repetitivas ou atividades que muitas vezes não produzem algum sentido no final das contas”, observa.
Apesar de contextos históricos, há a necessidade de sempre olhar para as individualidades, já que as pessoas se relacionam de forma diferente com a conjunção social partilhada. “Vivemos experiências distintas, influências individuais, cada qual com sua personalidade e atravessamentos”, destaca.
Helena ainda salienta a importância do investimento em treinamentos que promovem a interação intergeracional de forma ativa. “Acredito que as empresas também tenham uma responsabilidade com a questão de envelhecimento populacional, até por uma questão social. Percebo, no geral, ainda um atraso em relação a isso”, conclui.

