Quem vive diariamente com o som do Lago Guaíba batendo sobre os barcos enquanto equilibra o vento com o manejo da vela, jamais imaginaria que a água geraria o caos. Foi este sentimento que os frequentadores e profissionais do Clube Náutico Veleiros do Sul tiveram no período de 20 dias que a instituição ficou submersa por conta das enchentes de 2024.
Nos seus quase 91 anos de história, lidar com a elevação das águas não é uma novidade. Em 1941, o clube se situava na sede do bairro Navegantes, na Zona Norte da Capital. Por conta da forte enchente que assolou o município naquele ano e a construção do dique de proteção, foi necessária a transferência para a sede atual no bairro Vila Assunção, na Zona Sul.

Mesmo com os espaços submersos, clube náutico resgatou mais de 2 mil pessoas em maio de 2024
Fabiano Benedetti/Veleiros do Sul/JC
Refém da boa vontade do Guaíba, o Veleiros precisou encontrar soluções na velocidade em que a água subia. Na madrugada do dia 3 de maio, a elevação da água chegou a 1 metro em relação ao dia anterior e assim, iniciou-se os afazeres. "De imediato, focamos em auxiliar às pessoas. Tentamos dentro do clube ainda salvar o que era possível", relembra o comodoro do Veleiros, Frederico Roth.
Os profissionais do clube junto à Defesa Civil e sócios voluntários organizaram uma força-tarefa focada nos resgate de pessoas. Roth classifica os primeiros momentos como desorganizados, muito por conta da velocidade que tudo ocorreu. Mas rapidamente se estabeleceu a ordem necessária para a realização dos salvamentos.
"A força-tarefa se dedicou a atender às pessoas da Região das Ilhas. Recrutamos pessoas do próprio clube que mais entendiam tecnicamente de condução de barcos em situações severas para nos dizer até que ponto poderíamos ir. Utilizamos três barcos com motores muito fortes, porque os de menor porte não davam conta da forte correnteza', relembra Roth.
Ao todo, foram resgatadas mais de 2 mil pessoas que eram levadas para o Shopping Pontal, na Orla do Guaíba. Roth conta com orgulho do trabalho feito no período: "reconhecemos nossa contribuição para com a Defesa Civil nos auxílios. A Marinha do Brasil usou nossas instalações como QG de operações. A lembrança que prevalece é a da mobilização feita".

Força-tarefa realizada junto à Defesa Civil
Fabiano Benedetti/Veleiros do Sul/JC
Com a descida das águas, iniciou-se o trabalho de limpeza e reconstrução das dependências do clube. Voluntários e funcionários se uniram por conta da alta demanda. Os prejuízos chegaram a R$ 1,3 milhão. Para lidar com o valor, o caixa do clube foi reduzido substancialmente. Juntamente, foi feita uma chamada extra aos sócios no valor de um mensalidade - na qual a adesão foi de quase 100% - e doações voltadas para o custeio das operações de resgate e reconstrução.
Roth relembra o momento em que foi preciso redirecionar o olhar para o associado. "Temos em torno de 300 barcos de sócios nas nossas comodidades. Nas inundações, os moles de proteção ficaram submersos por 1,5 m e foi necessário amarrá-los para evitar que batessem nos trapiches e até mesmo afundassem", conta. Em relação às aulas de vela, ele acredita que os alunos não tiveram efeitos negativos de ordem técnica, mas o trabalho de reposição da frota de barcos de apoio esportivo precisa ser retomado.
Agora, o clube desenvolveu um protocolo de ações a serem disparadas conforme o nível da água. Caso o Guaíba volte a alcançar marcas parecidas, medidas serão tomadas com a finalidade de resguardar um dos espaços preferidos dos velejadores gaúchos.