A indústria gaúcha passou por dois anos difíceis, começando com a estiagem em 2023 e culminando com as enchentes nos meses de abril e maio do ano passado, com reflexos que ainda estão sendo sentidos no Rio Grande do Sul. Embora logo nos primeiros meses após a crise climática tenha havido uma recuperação, em função da mobilização dos recursos, o início de 2025 não acompanhou o movimento. A atividade da indústria caiu, e só não foi pior em função do agronegócio.
Nesta entrevista, o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovani Baggio, aponta alguns sinais de recuperação do setor. As exportações para a Argentina e a supersafra no centro do País devem impactar positivamente nos indicadores.
Jornal do Comércio – Como foi o desempenho da indústria gaúcha nos meses pós-enchente até este ano?
Giovani Baggio – O que estamos vivendo é uma certa desaceleração da atividade em relação ao que houve no pós-enchente. Tivemos uma recuperação muito rápida nos primeiros meses, inclusive nos surpreendendo positivamente. Quando comparamos com outros desastres no Brasil e no mundo, a atividade econômica, geralmente, demora para voltar. Mas o que vimos em termos de produção da nossa indústria, foi um retorno muito rápido ao nível de antes das enchentes. (Houve) mobilização de recursos e de esforços... Por conta dessa demanda de reconstrução, de reposição de infraestrutura física, tanto pública, quanto privada, atendimento de pedidos, tudo isso fez com que o período logo após as enchentes fosse bem positivo.
JC – Quais os segmentos de melhor desempenho nesse período?
Baggio – Foram diversos segmentos. Material de construção, móveis, eletrodomésticos... Tudo isso nos ajudou. E o que estamos vendo agora é uma desaceleração da atividade. Esse impulso que aconteceu no pós-enchente está perdendo força. Esse início de ano, por diversos indicadores, temos as notas fiscais que a Receita Estadual disponibiliza, temos a produção industrial do IBGE, temos os nossos indicadores internos, o nosso indicador mais importante aqui o Índice de Desempenho Industrial, com desempenho mostrando essa desaceleração no início do ano.
JC – O IDI cresceu 0,6% no trimestre. Esse índice deve se manter?
Baggio - Temos os dados fechados do primeiro trimestre, que até apontam um esse leve crescimento. Mas, nos últimos meses tem sido negativo. A produção industrial – o último dado é de março – apresentou três meses consecutivos de queda. Nos nossos indicadores dos últimos quatro meses, três foram de queda e um foi de estabilidade. É uma desaceleração.
JC – Qual a participação das exportações nesse desempenho?
Baggio - Começamos o ano com o cenário positivo de janeiro e fevereiro. Em março, (os números) já foram um pouco menor e em abril houve uma queda forte. Então, parece que todos os indicadores estão apontando para uma desaceleração da atividade nesse início de ano.
JC – Qual a interferência do cenário internacional nesses desempenhos?
Baggio – Acredito que existam uma série de fatores. Temos fatores externos, como a guerra comercial, conflitos geopolíticos, os principais parceiros comerciais crescendo menos, o "tarifaço" dos Estados Unidos. Tudo tem impactado. As empresas estão com muitos negócios sendo adiados. Eles (os empresários) conversam com os seus pares, com seus clientes mundo afora, que estão dizendo para esperar um pouco. Sugerem conversar daqui a um ou dois meses, até o cenário ficar mais claro. Tem um certo impacto que já sendo sentido no cenário externo.
JC – E quanto ao cenário interno?
Baggio - Temos a grande preocupação da economia brasileira que é como as contas públicas vão se comportar. Esse desajuste fiscal traz um temor de descontrole e que faz os empresários perderem confiança. Há um receio de que as contas públicas desorganizadas trazem para o cenário estadual. Temos a questão climática, já que nossa indústria é ligada ao agronegócio. A nossa agroindústria é muito forte, mas esses impactos da estiagem fazem o setor de alimentos sofrer. Toda parte de alimentação, de aves, suínos, essa produção fica mais cara porque tem que trazer de fora. É o impacto da estiagem no agronegócio.
JC – Qual o impacto do aumento da taxa Selic?
Baggio - No cenário nacional, esses juros altos têm impacto no crédito, que fica mais restrito. Os bancos ficam mais seletivos e as empresas, muitas vezes, demandam menos créditos. Para fazer negócio com uma taxa de juros tão alta, para valer a pena esse investimento, tem que ter um retorno muito alto. Isso faz com que as empresas repensem alguns investimentos, adiem muitos projetos, impactando na atividade. Ainda mais na nossa indústria que produz bens de capital. Nós temos uma indústria de máquinas muito forte. Depende de as condições de crédito serem favoráveis, não só para as nossas as empresas investirem, mas que as empresas dos outros estados também invistam e comprem nossas máquinas. São diversos fatores que que, em conjunto, contribuem para essa desaceleração.
JC – A Fiergs fez uma previsão de alta do PIB gaúcho em 3,3% para 2025 e, depois, fez uma modificação para 2,2%. Mas o reajuste na indústria foi bem menor.
Baggio - A grande mudança na nossa projeção foi o agro. Tínhamos um crescimento de cerca de 2,1%. E agora, uma queda de mais de 5%. O reajuste na indústria foi pequeno, de 3,2% para 3,1%. A nossa indústria, por mais que tenhamos esse início de ano difícil, de crescimento só de 0,6%, 0,8%, dependendo do indicador, nós vamos ter uma base de comparação em alguns meses que fica baixo. Por exemplo, o mês de maio. Houve uma queda muito forte no ano passado de 26%, se não me engano, então, comparando com os resultados de maio desse ano, vai dar um crescimento forte. Ainda temos alguns movimentos de reconstrução. Muito recurso público, recursos da dívida do Estado que não está sendo paga. São alguns elementos que ajudam. Temos essa base de comparação dos últimos os dois anos, que foram muito negativos para a nossa indústria. Essa base de comparação vai ajudar a ter uma taxa alta.
JC – Qual a participação do setor de máquinas agrícolas?
Baggio – O setor de máquinas agrícolas está esboçando uma reação depois de um ano bem difícil. Temos indicadores mistos, alguns positivos, outros negativos. Acredito que o cenário negativo já começou a mudar. Temos alguns elementos que irão ajudar a ter essa taxa alta, mas temos sempre que lembrar que a base de comparação está baixa. Os dois últimos anos foram difíceis.
JC – A retomada das exportações de máquinas para a Argentina deve se concretizar?
Baggio – Eles são um dos nossos grandes compradores, e estamos mandando mais máquinas para lá. Houve um aumento nesse início de ano, temos dados até abril. É de 46% das nossas exportações para a Argentina. É um mercado que, realmente, está voltando. Isso tem ajudado. E temos, também, o centro do País, que está melhorando a safra. A expectativa é de safra recorde agora, ao contrário do ano passado, quando tivemos problema de queimadas, problemas climáticos. A expectativa é de uma safra total de grãos de 330 milhões de toneladas. É um volume expressivo, e boa parte das máquinas agrícolas do País – cerca de 60% – é produzida aqui. Vai dar uma a dar um fôlego para o setor que sofreu bastante nos últimos anos.