A escalada repentina do preço do café assustou o consumidor, e os números explicam o porquê. O Índice Nacional de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA) de maio aponta que a alta do café moído nos supermercados foi de 82,24% nos últimos 12 meses. Por outro lado, apesar de um aumento notório, a bebida comercializada nas xícaras de cafeterias, bares e restaurantes registou um aumento de 17,07%, com um índice superior aos 5,32% da inflação geral, mas significantemente menor que o das prateleiras do mercado.
A diferença se explica pelo tipo de café que cada negócio oferta. O supermercado trabalha majoritariamente com o robusta, um tipo industrial que aceita uma porcentagem relativamente considerável de outros produtos, como galhos e restos de inseto, conta a sócia do Café Agridoce de Porto Alegre, Raquel Sonemann. Por outro lado, ela destaca que a “esmagadora maioria das cafeterias relevantes em 2025” trabalha apenas com o arábica, um tipo mais refinado, que teve uma alta gradual.
O arábica, de acordo com Raquel, é especial, vendido em grão para os estabelecimentos e mais sofisticado. O gerente da torrefação da Baden no bairro Passo d’Areia, Tiago Justo, complementa: “É um universo à parte do café de supermercado. Também torramos por demanda. É outro fator que o café de supermercado nunca vai ter, o frescor”.
Em cifras, de acordo com o Datalab da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o preço médio do cafezinho no Brasil é de R$ 6,25, enquanto os mais elaborados, como o cappuccino, custam R$ 17,91. O sócio e diretor do Café do Mercado, Clóvis Althaus Júnior, explica que a decolagem dos preços se justifica por mais de um fator. O principal é a crise climática, que resultou em uma quebra de safra nos últimos dois anos e afetou também o Vietnã, outro grande produtor mundial.
Dentro de uma cadeia de produção extensa, Althaus Jr. detalha que a “saca de café cru aumentou quase 200% nos últimos oito meses”, e o valor repassado desta subida foi em torno de 60% a 70% para o consumidor. Ademais, os estoques ao redor do globo estão baixos e não suportam a demanda. O empresário faz a analogia que o setor está “entrando em um mar enorme e lá atrás estão as grandes ondas, mas no momento estamos enfrentando aquela arrebentação violentíssima”. A principal medida, portanto, é cortar gastos. “Segurar qualquer investimento, renegociar dívidas e, infelizmente, em algum momento, fazer cortes de pessoal”.
Justo detalha que a Baden, assim como as demais empresas do ramo, precisou aceitar que a margem de lucro diminuiu. Ainda assim, com o preço do café tradicional beirando os R$ 40,00, as vendas da Baden nas prateleiras — estão nos supermercados e lojas próprias — aumentaram. “A diferença atual diminuiu muito. Isso fez com que as pessoas vissem custo-benefício no nosso café. Você paga R$10 a mais e leva um produto de altíssima qualidade para casa”.
No caso do Café Agridoce e de outros estabelecimentos comerciais, Raquel alerta que estes seguram muito os preços antes de passar para o consumidor. Além da renegociação e até a troca de fornecedores, o corte de gastos, portanto, é feito em todas as áreas, em pequenas escalas. “Também se faz alguma troca de insumo que não impacta tanto na qualidade do produto. Deixamos para usar o leite mais nobre nas bebidas que você vai sentir o sabor. Nas demais, usamos um pasteurizado, em um chocolate quente por exemplo”.
O que anima é a época de colheita, que está se iniciando e traz otimismo. Com a volta da chuva após dois anos de seca nas principais regiões, como o Espírito Santo, a safra deste ano e a de 2026 devem diminuir os preços. Ainda assim, Althaus Jr. alerta que, ao menos no segundo semestre, a redução dificilmente chegará ao consumidor final, porque é o momento da indústria recuperar um pouco de margem.