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Publicada em 31 de Agosto de 2025 às 20:15

Filme que resgata a história dos Lanceiros Negros está em produção no Estado

Com rodagens em andamento no interior do Rio Grande do Sul, o filme Porongos trará para a telona o protagonismo dos lanceiros negros que lutaram na Revolução Farroupilha

Com rodagens em andamento no interior do Rio Grande do Sul, o filme Porongos trará para a telona o protagonismo dos lanceiros negros que lutaram na Revolução Farroupilha

GM2 Filmes/Divulgalção/JC
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Amanda Flora
Amanda Flora
As filmagens de Porongos, novo longa do diretor gaúcho Diego Müller, estão em andamento no interior do Estado e prometem revisitar um dos episódios mais silenciados da Revolução Farroupilha: o protagonismo e a traição dos Lanceiros Negros. Escravizados e libertos que lutaram ao lado dos republicanos farroupilhas, eles foram exterminados no Massacre de Porongos, em 1844, uma emboscada que escancarou as contradições de uma guerra lembrada, até hoje, como símbolo de heroísmo e bravura. Ao trazer esses personagens para o centro da narrativa, o filme desafia a imagem idealizada do gaúcho e propõe um olhar diferente sobre a história.
As filmagens de Porongos, novo longa do diretor gaúcho Diego Müller, estão em andamento no interior do Estado e prometem revisitar um dos episódios mais silenciados da Revolução Farroupilha: o protagonismo e a traição dos Lanceiros Negros. Escravizados e libertos que lutaram ao lado dos republicanos farroupilhas, eles foram exterminados no Massacre de Porongos, em 1844, uma emboscada que escancarou as contradições de uma guerra lembrada, até hoje, como símbolo de heroísmo e bravura. Ao trazer esses personagens para o centro da narrativa, o filme desafia a imagem idealizada do gaúcho e propõe um olhar diferente sobre a história.
O diretor, Diego Müller, conta que a ideia surgiu durante a pandemia, quando decidiu escrever sobre o gaúcho real, distante das figuras estereotipadas no imaginário. “Percebi que sempre se omitia a participação do negro na formação do gaúcho. Tínhamos personagens brancos e indígenas, mas não um símbolo negro. O ponto de partida foi criar esse personagem, Adão Caetano, um lanceiro negro que percorre toda a revolução até o massacre de Porongos”, explica o diretor.
A partir dessa premissa, o roteiro se equilibra entre a pesquisa histórica e a liberdade ficcional, misturando personagens reais e fatos. “Não tenho como contar com fôlego financeiro e narrativo para tudo. Por isso criamos convenções, juntamos figuras históricas em um personagem só, e demos voz a documentos que antes tinham sido ignorados, como o depoimento de um lanceiro negro descartado pelo preconceito da época”, conta.
O roteiro se equilibra entre a pesquisa histórica e a liberdade ficcional, misturando personagens reais e fatos | GM2 Filmes/Divulgação/JC
O roteiro se equilibra entre a pesquisa histórica e a liberdade ficcional, misturando personagens reais e fatos GM2 Filmes/Divulgação/JC
A escolha dos cenários também carrega um peso simbólico. As cenas se concentram em Minas do Camaquã, região de cânions, marcada pela resistência de quilombos e palco de algumas batalhas. “Queríamos fugir do Pampa já saturado nas representações e mostrar a revolução no lugar onde realmente aconteceu”, explica Müller.
O elenco reúne nomes como Thiago Lacerda - que será Bento Gonçalves -, Samira Carvalho, Tatiana Tibúrcio e Emílio Farias, que interpreta o protagonista Adão Caetano. Filho de Piratini, peão de estância e cavaleiro hábil, Adão é um personagem que busca humanizar a figura do gaúcho negro, criado com um detalhamento que mistura pesquisa e liberdade artística. “Ele não sabe ler, nunca teve grande amor até encontrar uma das personagens, maneja a lança porque trabalhava com o gado. É um brasileiro, riograndense, fruto de miscigenação. Eu gostaria que entrasse no imaginário popular como um ‘Capitão Rodrigo’ negro”, projeta o diretor, relembrando o personagem criado por Érico Verissimo.
Embora fundamentais para a vitória farroupilha em diversas batalhas, os lanceiros negros foram traídos. No Massacre de Porongos, desarmados durante a madrugada, foram massacrados pelo exército imperial com a conivência dos líderes republicanos. Essa história permaneceu invisibilizada por muito tempo e revela as ambiguidades da Revolução Farroupilha. Essa, exaltada como um marco de coragem, mas que também carregou contradições profundas em relação à escravidão e à população negra gaúcha.
Ao trazer esse episódio às telonas, o filme tensiona a memória coletiva e a identidade gaúcha. A imagem tradicional do gaúcho, um homem branco, estancieiro e altivo, é desconstruída a partir da figura de Adão Caetano e de seus companheiros. Para Müller, resgatar os lanceiros negros é afirmar que o Rio Grande do Sul é fruto de múltiplas ancestralidades.
A cenas se concentram em Minas do Camaquã, região de cânions, marcada pela resistência de quilombos e palco de algumas batalhas | GM2 Filmes/Divulgação/JC
A cenas se concentram em Minas do Camaquã, região de cânions, marcada pela resistência de quilombos e palco de algumas batalhas GM2 Filmes/Divulgação/JC
A preparação do elenco foi conduzida por Tatiana Tibúrcio e se concentrou em evitar caricaturas. “Não queríamos heróis intocáveis ou vilões de novela. O desafio era mostrar o não dito por trás dos discursos. O Bento (Gonçalves) podia falar em abolição, mas a verdade era que não queria perder mão de obra. É nisso que os atores mergulharam”, conta Müller. Segundo o diretor, esse era o objetivo do filme: mostrar os líderes farroupilhas como homens de virtudes e falhas, e os lanceiros como protagonistas de uma luta pela própria liberdade, e não só como instrumentos de promessas alheias.
Com incentivo federal, a obra ainda não tem previsão de lançamento e segue em busca de parcerias privadas para filmar grandes batalhas, incluindo a prisão de Bento Gonçalves. “Não queremos entregar um filme frágil. Precisamos de recursos para filmar os grandes eventos com a verdade que eles merecem. Já vimos outros épicos gaúchos ganharem projeção nacional e internacional. Este, por ser o primeiro a dar protagonismo aos lanceiros negros, precisa ter o mesmo alcance”, defende o diretor.
O desfecho do filme, já gravado, deu a Müller a certeza de que está no caminho certo. Sem revelar detalhes, ele apenas adianta que a cena final emocionou a equipe inteira. “Foi uma catarse. Eu não contei para os atores como faria, e o resultado foi muito emocionante. É um tapa simbólico, um ‘olhem para nós’. Porque a história dos negros também faz parte da história do Rio Grande do Sul, e precisa ser contada”, finaliza.


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