A prefeitura de Porto Alegre quer passar para a iniciativa privada a gestão dos resíduos sólidos urbanos — o lixo. Para isso, pretende realizar a concessão administrativa, na modalidade de parceria público-privada (PPP), dos serviços de coleta, tratamento, transbordo, transporte e disposição final dos resíduos. A proposta, moldada por um grupo de empresas por meio de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), foi apresentada na noite de sexta-feira, 24, em audiência pública promovida pela prefeitura e realizada na Câmara Municipal.
Das cerca de 200 pessoas inscritas previamente, menos da metade compareceu presencialmente e outra parte participou online. Além da apresentação da prefeitura e de respostas da consultoria responsável pela modelagem, predominaram questionamentos e críticas ao projeto nas falas dos participantes. Catadores e acadêmicos se revezaram nas manifestações, respondidas pela mesa logo em seguida. O vereador Giovani Culau (PCdoB) e o suplente Brunno Mattos (PT) também se manifestaram.
A ideia da PPP, que vem sendo gestada desde o início do primeiro governo de Sebastião Melo (MDB),
propõe prazo de 35 anos para a concessão e três fases para implementação, e terá a remuneração atrelada à taxa de coleta de lixo (TLC), valor que já é pago pelos contribuintes junto com a guia do IPTU. Antes de ir a leilão, a prefeitura deve responder aos questionamentos feitos na
consulta pública e na audiência. A iniciativa também precisa ser avaliada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).
Ainda não há data para a concorrência.
Pela proposta, a fase 1 terá seis meses de duração, focada no início da operação e implementação da estrutura administrativa. Em seguida terá início a fase 2, que corresponde ao período de realização dos principais investimentos e seguirá até o fechamento do 7º ano da concessão. A partir do 8º ano até o fim dos 35 anos será o período de operação integral dos serviços.
“Hoje, como o serviço é prestado, já é feito por empresas terceirizadas. Não tem nenhum serviço prestado (pelo DMLU) por servidor público contratado diretamente, como é no Dmae, por exemplo”, argumentou Giuseppe Riesgo, secretário Municipal de Parcerias. O argumento de ter uma gestão única para o que hoje está espalhado em cerca de 70 contratos é bastante usado pela prefeitura, que alega buscar eficiência para estes serviços.
O tempo da concessão, de 35 anos, foi questionado inclusive pela única fala de apoio à iniciativa. Diferentes manifestações propuseram que fosse feito inicialmente um contrato de prazo mais curto, para análise do modelo. Riesgo disse à Coluna que a prefeitura “pode vir a considerar” a alteração do prazo, mas não trabalha com essa possibilidade.
“No momento nós mantemos o prazo de 35 anos porque se exige um investimento muito alto da concessionária. O prazo do contrato é para poder diluir ao longo desses anos os investimentos, para que não exija um valor que a contraprestação mensal seja muito alta”, sustenta o secretário. Além da gestão, a concessão prevê que sejam instaladas infraestruturas para a execução de etapas da gestão dos resíduos.
Na Carteira de PPPs e Concessões da prefeitura, consta o seguinte:
Resíduos Sólidos Urbanos
- Objeto: Exploração e prestação dos serviços de coleta, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos urbanos do Mwunicípio de Porto Alegre
- Modelo de Negócio: PPP Concessão Administrativa
- Prazo: 35 anos
- Garantia: TCL (conta vinculada) Crédito em stand by
- CAPEX total: 1,33 Bilhão
- OPEX total: 5.775 Bilhões
- Contraprestação Anual máxima: 270.5 Milhões
- Aporte: não há
- Setor: Infraestrutura Social (Saneamento)
- Apoio na estruturação: PMI - Infraway, Alvarez & Marsal, Toledo Marchetti
Apresentada pela primeira vez em
2021, a PPP dos resíduos sólidos urbanos de Porto Alegre motiva questionamentos de catadoras e catadores desde então. As principais reivindicações são
a manutenção dos contratos com as cooperativas que já atuam como unidades de triagem e a remuneração aos catadores destas unidades pelo serviço prestado ao município.
Os assuntos foram tratados no ano passado em uma mediação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), com a prefeitura de um lado e catadores do outro. As negociações foram encerradas por parte do município.
“Não é possível uma transição ecológica sem justiça social”, reivindicou em sua fala na audiência pública Ana Paula Medeiros, do Centro de Educação Ambiental Bom Jesus, no bairro de mesmo nome na Zona Leste da Capital, e uma das representantes do movimento de catadores. Conforme a prefeitura, a PPP dá às cooperativas a possibilidade de escolher se manterão o contrato com o poder público ou se querem migrar para uma relação com a concessionária.
Fagner Jandrey, catador e secretário estadual do Movimento Nacional de Catadores e Catadoras de Material Reciclável (MNCR), questionou “o que está sendo pensado na modelagem para que as receitas geradas na concessão sejam investidas em desenvolver o trabalho de inclusão dos catadores autônomos”. Conforme o secretário de Inclusão e Desenvolvimento Humano, Juliano Passini, a PPP contempla catadores formais por meio das cooperativas. No entanto, não informa se haverá a correlação demandada pela categoria.
Parceria com a iniciativa privada para gerir o lixo, multa a catadores e proibição dos ferros-velhos são assuntos na mira da prefeitura e na pauta da Câmara Municipal de Porto Alegre nesta reta final de 2025. Dois projetos relacionados com o lixo estão na pauta da Câmara. Um é o projeto de lei do Executivo que altera o Código de Limpeza Urbana e prevê multas acima de R$ 8 mil para catadores autônomos que recolhem materiais recicláveis nas ruas. A outra proposta é do Legislativo é prevê limitar a atuação dos estabelecimentos que compram e vendem materiais dos catadores, conhecidos como ferros-velhos.