A Reforma tributária, cuja transição terá início em 2026, deve alterar significativamente o cenário do setor imobiliário e da construção civil no Brasil. A criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) inaugura um novo modelo de tributação não cumulativo, que eliminará distorções, mas exigirá maior controle e gestão das empresas. O objetivo, segundo o governo, é tornar o sistema mais transparente e racional, embora a adaptação possa representar um grande desafio operacional, especialmente para construtoras de menor porte.
Para a doutoranda e mestra pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Thais Veiga Shingai, que também é bacharel em Direito e Contabilidade, coordenadora do LL.M. (Master of Laws)- Mestre em Leis - em Direito Tributário, professora e pesquisadora do Insper e sócia de Mannrich e Vasconcelos Advogados, o novo sistema representa uma transformação profunda nas práticas fiscais e contábeis do setor. Segundo ela, a tributação não cumulativa tende a estimular maior eficiência produtiva, mas também exigirá das empresas um nível de organização e compliance tributário que hoje não é habitual.
De acordo com a especialista, um dos principais desafios será a mudança na forma de apuração dos tributos. Atualmente, o setor é tributado com alíquotas mais baixas e de forma cumulativa, o que simplifica as operações, mas distorce a competitividade entre empresas. A nova lógica, apesar de mais justa, demandará gestão mais apurada dos créditos e controle sobre o adimplemento dos fornecedores.
Outro ponto de destaque é o papel do profissional da contabilidade nesse novo ambiente. A especialista detalha o assunto e os principais impactos da reforma tributária sobre o setor imobiliário e da construção civil em entrevista concedida ao Jornal do Comércio.
JC Contabilidade – Quais os principais pontos da Reforma Tributária que mais preocupam o setor da construção civil?
Thais Veiga Shingai – O setor passará por uma mudança significativa na forma de apurar tributos e esse, na minha visão, é o principal ponto de atenção. Hoje as atividades são tributadas a baixas alíquotas nominais, mas de forma cumulativa, o que é operacionalmente simples. A não cumulatividade é muito positiva por eliminar os resíduos da cadeia de construção, mas demandará controle dos créditos e maior gestão dos fornecedores, sobretudo porque o direito ao creditamento ficará vinculado ao pagamento do IBS/CBS pelo fornecedor.
Contab – E quais pontos a senhora considera mais positivos?
Thais – A não cumulatividade, embora demande controles que hoje não existem no setor, é uma grande oportunidade. Atualmente o setor adota estruturas ineficientes por razões tributárias, evitando o uso de pré-fabricados e privilegiando mão de obra. Após a reforma, como todas as aquisições voltadas à obra gerarão créditos, o setor poderá construir de forma mais ágil e eficiente.
Contab – O setor imobiliário tende a pagar mais ou menos imposto com a nova estrutura?
Thais – A carga tributária após a reforma é muito casuística, pois variará conforme a estrutura de gastos de cada contribuinte. A LC 214/25 previu reduções de alíquota de 70% para locações e 50% para vendas de imóveis, atendendo a pleitos do setor para evitar aumento da carga tributária.
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Contab – A reforma pode encarecer o preço final dos imóveis?
Thais – Essa análise também é casuística, pois cada contribuinte pode ter uma alíquota efetiva diferente conforme os créditos de IBS/CBS. A gestão adequada desses créditos é a principal ferramenta para evitar o encarecimento, somada aos descontos previstos na LC 214/25. O ponto de atenção é a locação, que deve gerar poucos créditos e pode sofrer aumento nominal de alíquotas.
Contab – Que tipo de impacto ela pode trazer para pequenas construtoras?
Thais – A reforma reduz a complexidade do sistema, mas aumentará os controles fiscais e gerenciais exigidos das pequenas construtoras. Elas precisarão se adaptar para monitorar fornecedores e garantir o aproveitamento dos créditos. Isso demandará um compliance tributário mais estruturado.
Contab – E para investidores do setor imobiliário?
Thais – Para investidores, há mudanças importantes, como a derrubada do veto ao dispositivo que exclui fundos de investimento da condição de contribuintes do IBS/CBS. Estruturas de FII e Fiagro podem se tornar mais atrativas, embora o cenário ainda dependa da aprovação do PLP 108, que restabelece condições específicas para esses fundos.
Contab – A reforma afeta a relação entre construtoras e fornecedores?
Thais – Afeta bastante. As construtoras dependerão do adimplemento do IBS/CBS pelos fornecedores e da emissão correta de documentos fiscais para garantir o direito ao crédito tributário.
Contab – Quais áreas do setor devem se beneficiar primeiro?
Thais – Vejo benefícios iniciais para FII e Fiagro, além de oportunidades para incorporadoras em razão do creditamento amplo.
Contab – Que papel o contador tem nesse novo cenário tributário?
Thais – O contador terá papel fundamental no compliance tributário exigido após a implementação do IBS/CBS. A apuração será altamente informatizada e exigirá controle rigoroso de créditos e documentos fiscais.
Contab – Considerações finais?
Thais – De modo geral, o setor imobiliário será um dos mais impactados pela reforma, tanto positivamente, pelas oportunidades de eficiência que o modelo de IVA traz, quanto negativamente, pelo aumento do compliance fiscal e pelos desafios de tributar certas operações.