A reforma tributária brasileira inaugura um período de grandes transformações para os escritórios de contabilidade. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao ICMS, ISS, PIS e COFINS, o Brasil adota um novo modelo de tributação sobre o consumo, baseado no princípio da não cumulatividade plena. Essa mudança trará impacto direto nas rotinas fiscais e operacionais dos profissionais da contabilidade, que terão de lidar com a convivência de dois sistemas tributários durante o período de transição e com o aumento das exigências técnicas do mercado.
Para a presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas do Estado do Rio Grande do Sul (Sescon-RS), Paula Dahmer, o momento exige atenção redobrada, planejamento e valorização do trabalho contábil. A dirigente observa que, diante do acréscimo de demandas e da necessidade de apurar tributos em duas estruturas distintas, será inevitável um aumento de custos nas empresas do setor. “No momento em que os escritórios terão que ampliar a força de trabalho e investir mais em capacitação, é esperado que esse aumento de custos se reflita no preço dos serviços. E não só isso: chegou o momento de toda a classe se valorizar, uma vez que somos detentores da maior riqueza — o conhecimento”, ressalta.
Além dos ajustes operacionais, Paula enfatiza que a reforma também representa uma oportunidade de reposicionamento para o profissional contábil. A presidente defende que os contadores assumam papel protagonista, atuando como consultores estratégicos dos clientes e ampliando sua relevância nas tomadas de decisão empresariais. Segundo ela, o Sescon-RS tem intensificado as ações de capacitação e estímulo à adoção de novas tecnologias, preparando o setor para a complexa fase de adaptação que se inicia.
Mesmo reconhecendo os desafios e incertezas, Paula Dahmer avalia que a mudança pode ser positiva para quem souber enxergar além das dificuldades. “A reforma será uma virada de chave para os empresários contábeis que conseguirem perceber as oportunidades onde muitos enxergam apenas ameaças”, afirma. A dirigente detalha o assunto em entrevista ao Jornal do Comércio.
JC Contabilidade – Como avalia o impacto inicial da reforma tributária sobre os escritórios de contabilidade?
Paula Dahmer – Quando falamos de operação, o impacto será gigantesco. As equipes terão que estar preparadas tanto na questão de qualificação técnica quanto no aumento das demandas, sejam elas por orientação/assessoria, como a própria apuração. Por um longo período de transição teremos que trabalhar em dois sistemas tributários diferentes. Isso demandará, obviamente, maior força de trabalho e cada vez mais qualificada. Não podemos deixar de falar também dos impactos na tributação das empresas contábeis que, mesmo com a redução de 30% da alíquota, devem acabar sendo onerada, como muitas outras atividades no setor de serviços.
Contab – O que muda, na prática, com a criação do IBS e da CBS?
Paula – A reforma tributária no Brasil impactará os impostos sobre o consumo. Passaremos a ter o IVA dual, com a criação de IBS, em substituição ao ICMS e ISS, e a CBS, substituindo PIS e COFINS. Um aspecto muito importante na mudança destes impostos é o conceito de não cumulatividade plena, onde haverá crédito apenas sobre o valor adicionado naquela etapa.
Contab – Por que os contadores devem se preocupar desde já com a nova tributação?
Paula – Todos os clientes serão impactados pela reforma tributária e, com isso, contarão com a expertise do profissional de sua confiança. Se este profissional não estiver atualizado e pronto para apoiar o seu cliente neste momento de decisão, certamente abrirá mercado para os que estiverem. Assim como as demais empresas já precisam avaliar os impactos da reforma e planejar o futuro, as empresas contábeis devem fazer o mesmo — avaliando se seus clientes exigirão repasse de créditos de IBS e CBS, analisando o regime mais vantajoso e calculando os impactos no próprio resultado.
Contab – O regime do Simples Nacional continuará sendo vantajoso para o setor?
Paula – Como em todas as outras atividades: depende. É necessário analisar a carteira de clientes e entender o impacto em conceder crédito ou não. Além disso, é importante considerar a possibilidade de permanecer no Simples Nacional, porém apurando pelo regime híbrido, recolhendo IBS e CBS separadamente. O que se desenha neste novo cenário é a necessidade de um trabalho de análise individual para cada empresa.
Contab – A senhora acredita que haverá aumento geral de preços no setor contábil?
Paula – Sim. No momento em que as empresas contábeis terão uma demanda extra de apuração em dois sistemas, exigindo mais força de trabalho e capacitação, é esperado que esse aumento de custos se reflita no preço dos serviços. E não só isso: chegou o momento de toda a classe se valorizar, uma vez que somos detentores da maior riqueza — o conhecimento.
Contab – Como o split payment afetará o fluxo de caixa dos escritórios?
Paula – Acredito que as empresas contábeis sofrerão menos com esses impactos, uma vez que trabalhamos com receita recorrente de honorários. Mas é importantíssimo salientar que uma boa gestão financeira é imprescindível em qualquer negócio.
Contab – Os escritórios poderão se beneficiar da geração e venda de créditos tributários?
Paula – Sim, essa será uma possibilidade a ser avaliada conforme o perfil de cada operação, mas dependerá de um acompanhamento técnico cuidadoso para garantir segurança jurídica e aproveitamento adequado dos créditos.
Contab – O que muda na relação entre contador e cliente nesse novo cenário?
Paula – Já existe uma relação de confiança consolidada, mas, mais do que nunca, precisamos nos posicionar como protagonistas e detentores do conhecimento. Devemos atuar como consultores estratégicos, agregando valor à entrega e fortalecendo a imagem da contabilidade como parceira essencial na gestão empresarial.
Contab – Quais investimentos os escritórios precisarão priorizar nesse momento?
Paula – Em primeiro lugar, capacitação! O conhecimento é a peça fundamental neste momento. E, aliado a isso, o investimento em tecnologia, com o objetivo de otimizar o trabalho e direcionar a mão de obra para atividades analíticas e estratégicas.
Contab – Como o Sescon-RS está orientando os associados para essa transição?
Paula – Estamos promovendo diversas capacitações em formato híbrido para alcançar contadores em todo o estado, além de eventos voltados à qualificação técnica e de gestão. Nosso foco é desenvolver profissionais mais consultivos e estratégicos, valorizando a classe contábil e fortalecendo seu papel diante da sociedade.
Contab – Quais erros os escritórios devem evitar nesse processo de adaptação?
Paula – O principal erro é absorver todo o custo extra que a transição irá gerar sem repassá-lo ao cliente. Outro ponto crítico é não se posicionar como especialista e ponto de apoio técnico para a tomada de decisão dos clientes. Este é o momento de valorizarmos nossa profissão.
Contab – Há algum aspecto positivo que a senhora enxerga nessa transição tributária?
Paula – Com certeza! Apesar das incertezas, vejo pontos positivos como a unificação da legislação e a extinção de algumas obrigações acessórias. Mais do que isso, a reforma será uma virada de chave para os empresários contábeis que souberem enxergar oportunidades onde muitos veem apenas ameaças.
Contab – Considerações finais?
Paula – É hora de se qualificar, criar autoridade no assunto e ser proativo na relação com os clientes. Desenvolver produtos que atendam às novas demandas e ser referência no mercado trarão grandes oportunidades. Enquanto muitos estão chorando, sejamos nós, os contadores, os vendedores de lenço.