O Brasil dá um passo importante para democratizar o acesso das empresas ao mercado de capitais com a criação do Regime Fácil, instituído pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A medida simplifica exigências, reduz custos e abre espaço para que companhias de menor porte possam captar recursos de investidores de forma mais ágil e econômica.
Para a advogada Laís Machado Lucas, doutora em Direito Privado e especialista em Governança Corporativa, a iniciativa tem potencial para “ampliar a competitividade, estimular a inovação e permitir que um número muito maior de empresas se financie fora do sistema bancário tradicional”. Ela destaca ainda que a mudança traz reflexos positivos também para os profissionais da contabilidade, que terão papel central na adaptação das companhias às novas regras de transparência e auditoria.
Referência em direito empresarial, a advogada analisa as mudanças trazidas pelo Regime Fácil, novo modelo regulatório instituído pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ampliar o acesso de empresas de menor porte ao mercado de capitais. A medida, que entra em vigor em janeiro de 2026, promete democratizar as fontes de financiamento e simplificar exigências documentais, estimulando o crescimento e a inovação no ambiente corporativo brasileiro.
Laís, que também é conselheira de empresas, membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (Ibgc), detalha, em entrevista ao Caderno JC Contabilidade, o funcionamento do Regime Fácil, suas vantagens para empresas e investidores e os reflexos dessa mudança para o setor contábil.
JC Contabilidade – Pode explicar o que é a Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens, ou seja, o Regime Fácil?
Laís Machado Lucas – É um novo regime regulatório criado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para facilitar o acesso de empresas de menor porte ao mercado de capitais. O objetivo é ampliar a participação de companhias que, até então, dependiam do capital próprio de seus fundadores ou de instituições financeiras tradicionais para captar recursos.
Contab – Quais empresas podem se beneficiar do Regime Fácil?
Laís – As companhias de menor porte, com faturamento bruto anual de até R$ 500 milhões poderão acessar o mercado de forma mais simples e menos onerosa. Não se trata de pequenas empresas, necessariamente, mas de organizações que já possuem estrutura consolidada e que podem se beneficiar de um modelo menos burocrático de captação de recursos.
Contab – Quando o regime entrará em vigor?
Laís – A norma que institui o Regime Fácil é a Resolução CVM nº 232/2025, e ela entra em vigor em 2 de janeiro de 2026, dando tempo para que o mercado se adapte às novas regras.
Contab – Qual é a principal mudança para uma empresa que quer abrir capital?
Laís – A principal alteração é a dispensa de algumas obrigações exigidas no regime tradicional. Um exemplo é o formulário de referência, que foi substituído por um formulário simplificado, com menos exigências e informações mais diretas.
Contab – Quais documentos foram simplificados?
Laís – Além do formulário, as informações contábeis passam a ser enviadas semestralmente em vez de trimestralmente, e há a dispensa do voto à distância e do relatório de sustentabilidade, entre outros documentos previstos no artigo 22 da Resolução CVM 232.
Contab – Como a divulgação de resultados foi alterada?
Laís – As demonstrações contábeis agora serão auditadas a cada seis meses, e não mais trimestralmente. Essa mudança reduz custos e burocracia. É importante destacar que o modelo foi testado previamente pela CVM e inspirado em práticas de mercados maduros, como os do Reino Unido, Canadá e Europa, o que garante segurança e responsabilidade à flexibilização.
Contab – Existe um limite de valor para as ofertas no regime Fácil?
Laís – Sim. As empresas que aderirem ao Regime Fácil poderão captar até R$ 300 milhões por ano. Esse limite vale apenas para as companhias que optarem pelas facilidades do regime. Quem desejar seguir o modelo tradicional não terá essa restrição.
Contab – Uma empresa no regime Fácil precisa ter relatório de sustentabilidade?
Laís – Não. Tanto o relatório de sustentabilidade quanto o de práticas de governança corporativa foram dispensados. Essa é uma das vantagens mais comemoradas pelas empresas, já que a elaboração desses documentos demanda tempo, equipe especializada e custos consideráveis.
Contab – O que é o “mercado de acesso”?
Laís – É o ambiente criado para negociar valores mobiliários dessas companhias de menor porte, chamadas de CMPs. Esse mercado será operado por plataformas como a B3 e a BEE4 e permitirá que as empresas façam negociações diretamente, sem precisar, necessariamente, de um intermediário bancário.
Contab – Como o Regime Fácil impacta os custos para as empresas?
Laís – O impacto é altamente positivo. O acesso aos recursos será mais econômico, resultando em crédito mais barato. As empresas continuarão com a obrigação de transparência e de prestar contas aos investidores, mas, em comparação com o mercado financeiro tradicional, o custo de capital será menor.
Contab – Onde a CVM buscou inspiração para criar o Fácil?
Laís – O modelo foi inspirado em experiências bem-sucedidas do Reino Unido, com mais de 700 empresas listadas nesse formato; do Canadá, que ultrapassa mil companhias; e da Europa, com destaque para o mercado Euronext, em Amsterdã. Todos demonstram que regimes simplificados podem coexistir com segurança e transparência.
Contab – Qual o principal objetivo da CVM com essa iniciativa?
Laís – O grande propósito é fomentar o mercado de capitais brasileiro, ainda subutilizado. Apesar de termos milhares de empresas aptas, apenas cerca de 400 estão listadas na bolsa. A CVM quer incentivar o crescimento desse número, ampliando o acesso e reduzindo a burocracia.
Contab – Como avalia o papel dos contadores nesse novo cenário?
Laís – Os profissionais de contabilidade terão papel essencial. Muitas empresas que ingressarem no Regime Fácil não têm histórico de auditoria contábil, e precisarão se adequar às exigências de revisão semestral das demonstrações. Isso eleva a importância da contabilidade na transparência e confiabilidade das informações financeiras, reforçando a atuação técnica e estratégica desses profissionais.