Os Microempreendedores Individuais (MEI) representam um papel fundamental na economia brasileira, com cerca de 16 milhões de empresas ativas atualmente, segundo dados do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP). Conforme o último Boletim do Mapa das Empresas, publicado a cada quatro meses pelo MEMP, elas configuram mais da metade do total de negócios no Brasil e crescem continuamente, chegando a quase 75% das empresas abertas no primeiro quadrimestre deste ano.
Criado para facilitar a formalização de atividades autônomas e impulsionar milhares de empreendedores que atuavam na informalidade, o MEI é o único formato de registro de empresas que não tem a obrigatoriedade de apresentar um contador. No entanto, ainda que exista essa desobrigação legal, o acompanhamento de uma assessoria contábil pode trazer diversos benefícios para esses negócios. Desde o auxílio na emissão de documentos até noções aprofundadas sobre planejamento financeiro e gestão, a atuação do profissional de contabilidade com os MEIs é uma oportunidade pouco explorada e que aponta diferentes caminhos para seguir.
Para além da simples assistência nas aberturas e baixas de registros, a aproximação entre eles muitas vezes pode transformar a visão do empreendimento. "Atualmente temos uma questão no mercado que consiste no MEI entender que, mesmo inserido em um contexto tributário simplificado, ele é uma empresa de fato. Muitos dos microempreendedores que atendemos hoje ainda não sabem o potencial que o seu produto ou serviço que presta pode chegar", explica Karina Missel, coordenadora da Comissão de Estudos do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS) Jovem.
Essa lacuna de atuação apontada pela profissional também pode ser observada pela pesquisa realizada pela plataforma MaisMei, que analisou a relação entre os MEIs e a utilização de variados serviços contábeis. Segundo o levantamento deste ano, apenas 17% dos negócios analisados recorrem a atividades ligadas ao universo da contabilidade. Desse montante, dois em cada três buscam os profissionais apenas em caso de necessidade iminente.
Ainda conforme a pesquisa, os serviços mais procurados se concentram em assistências pontuais, como declaração de impostos, que somam 53,2% das empresas analisadas, seguida pela emissão de notas fiscais, com 22,6%. Dentro do contexto de gestão, atividades como dicas de negócios (8,6%) e planejamento financeiro (5,7%) também aparecem no estudo, ainda que revelem a baixa adesão dos microempreendedores nesses segmentos.
Uma das razões para essa baixa procura faz parte do objetivo principal da legislação: fomentar a praticidade e facilitar o acesso para um número cada vez mais amplo de pessoas. Entretanto, a distância entre o contador e o MEI tem outros fatores que ajudam a explicar o cenário, como o desconhecimento dos benefícios e a falta de comunicação entre os dois lados. "A relação entre o microempreendedor e a assessoria contábil pode ir além do pensamento limitado aos impostos a pagar, mas precisa ser coesa para funcionar. Se o MEI tem o objetivo de utilizar esse olhar de gestão que o contador pode trazer, o profissional da contabilidade precisa estar disposto a entender os potenciais desses negócios para auxiliar nesse crescimento. Esse é um dos pontos que ainda podem ser explorados no mercado", analisa Karina.
Contabilidade pode impactar na sustentabilidade dos microempreendedores
Sebrae revela que cerca de 90% dos MEIs têm o seu empreendimento como única ou principal fonte de renda
/FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JCDezesseis anos após a criação do MEI, regulamentado pela Lei Complementar nº128/ 2008, esses empreendimentos se apresentam como um amplo mercado a ser observado pelos profissionais de contabilidade, sobretudo nas áreas de gestão e planejamento financeiro. No cenário atual, é cada vez mais necessário pensar na estabilidade da empresa, na sua segurança e no potencial de crescimento que ela pode apresentar, uma vez que 90% dos MEIs têm o seu empreendimento como única ou principal fonte de renda, segundo pesquisa desde ano divulgada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Além das facilidades fiscais, como o valor fixo do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), os MEIs contam com diferentes direitos e deveres nos quais os contadores e técnicos de contabilidade podem auxiliar os empresários. No entanto, existem perfis de microempreendedores que conseguirão ter maior proveito das possibilidades de atuação oferecidas por esses profissionais e evitar multas por irregularidades.
Para Deivid Genro, assistente de canais de atendimento sobre gestão, estratégia e empreendedorismo no Sebrae/RS, o melhor aproveitamento dessa assessoria se concentra naqueles empreendimentos que já estão em uma fase mais estruturada: "sabemos que, por muitas vezes, buscar uma assistência contábil pode ser um custo pesado na realidade desses microempreendedores. Então, quem acaba buscando esse tipo de serviço geralmente já está com uma empresa mais organizada e quer esse olhar de planejamento que o contador traz", comenta. Até 2022, segundo o estudo Estatísticas dos Cadastros de Microempreendedores Individuais, publicado neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 28,4% dos MEIs no país estavam presentes no Cadastro Único do Governo Federal para acesso a programas sociais.
Outro grupo apontado por Genro está nos microempreendedores que apresentam problemas na hora de utilizar o sistema on-line. "Existe uma parcela menor, também, que enfrenta dificuldades para realizar esses processos digitais de emissão de documentos e então acaba preferindo buscar o serviço contábil, tanto pela garantia de ter um profissional ao lado quanto para tirar eventuais dúvidas diretamente com ele", explica.
É importante frisar que, conforme a legislação, os escritórios de contabilidade optantes pelo regime do Simples Nacional devem prestar assessoria gratuita para inscrição, opção, e lançamento da primeira Declaração Anual Simplificada do MEI (DASN-SIMEI). "Até mesmo nessa questão da gratuidade para abertura, por exemplo, não conseguimos ver uma ampla procura. Havendo a relação entre o microempresário individual e o contador, essa aproximação facilitaria diferentes frentes, desde a questão de baixa dos MEIs até essa virada de chave na consolidação do negócio", comenta Karina.
Mesmo com grande oferta de informações sobre como realizar as declarações para os microempreendedores, cerca de 47% dos MEIs não entregaram a DASN-SIMEI dentro do prazo em 2024, segundo dados da Receita Federal. Ainda que as multas sejam baixas, entre R$ 50 ou 2% do faturamento mensal atrasado, com limite de até 20%, o custo pode impactar as empresas com menor renda.
Dentro do contexto dos microempreendedores já mais estruturados, o campo de atuação da contabilidade traz diferentes áreas a serem exploradas. Com teto de faturamento limitado a R$81 mil por ano, o planejamento mensal de ganhos é um fundamental para que não haja uma inconformidade que pode levar ao desenquadramento da empresa dentro do MEI. "Um contador que auxilia a empresa na área de gestão vai estar junto com o administrador e com o MEI observando os números e realizando esse controle, podendo mostrar para o empreendedor quais caminhos ele pode seguir e até mesmo para se antecipar neste reenquadramento do negócio em outra categoria e economizar depois nos impostos a pagar", explica Genro.
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Também relacionada a essas limitações do MEI, outra área apontada pelo profissional do Sebrae/RS está na contração de funcionários. Restringidos a um empregado, em regime CLT com remuneração entre o salário mínimo e o piso da categoria contratada, a assessoria contábil se apresenta como uma facilitadora para que não haja erros no processo. "Como algumas questões em relação a contratação não fazem parte do dia a dia do microempreendedor individual, ele pode recorrer a um contador porque, mesmo sendo simplificado para o MEI, a partir do registro do funcionário no eSocial ele passa ter exigências legais que talvez não consiga, ou não o interesse, cumprir por si mesmo", explica.
Serviços contábeis atuam como importante ferramenta de gestão
Com um ambiente empresarial cada vez mais dinâmico e complexo, a assessoria contábil inserida no campo da gestão surge também como forma de acelerar o desenvolvimento dos microempreendimentos. Agregando ao MEI uma extensa rede de contatos e impulsionando suas conexões, o contador pode auxiliar também na concepção, precificação e distribuição de produtos ou serviços; ou no pensamento estratégico, como indicação de registros de marca ou até mesmo no local onde a empresa deseja se fixar.
"Isso tudo é gestão e acaba interferindo na contabilidade. Muitas vezes, o contador tem experiência em negócios de diferentes perspectivas e, inclusive, no segmento em que o MEI estiver atuando", comenta Karina Missel, coordenadora da Comissão de Estudos do CRCRS Jovem. Para ela, a falta de entendimento dessa expertise e como ela pode agregar acontece em uma via dupla, tanto na visão do MEI sobre o contador quanto no profissional da contabilidade sobre esse tipo de empresa. "Sair apenas da obrigação e ir para a gestão é uma nova era que está chegando em conjunto, não só para o empresário, mas também para o contador. É preciso que o profissional saia da zona de conforto e temos visto muitos deles buscando fazer o diferente e indo atrás desse novo momento de inovação", comenta.
Criado em parceria entre o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Sebrae-RS, a trilha "Contador parceiro: construindo o sucesso" é uma das formas de os profissionais de contabilidade se especializarem também no atendimento aos MEIs. De forma gratuita e online, a qualificação oferece 13 módulos divididos em quatro blocos, com o objetivo de capacitar o contador no desenvolvimento e sustentabilidade desses negócios.
Durante o curso, o profissional vai receber conhecimentos sobre diferentes áreas essenciais para a atuação, como relacionamento digital e tendência de mercado, novas tecnologias para o profissional contábil, modelo de negócio e planejamento estratégico, avaliação e diagnóstico empresarial, custos e formação de preços, além de outros conteúdos. A capacitação faz parte do Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC) do CFC e os interessados podem se inscrever pelo site do Sebrae: sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/parceriacfc.