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Publicada em 12 de Agosto de 2024 às 20:30

Reforma Tributária vai alterar arrecadação dos municípios

O novo imposto IBS será cobrado no destino, não na origem, sendo que a distribuição da cota-parte municipal será feita por novos critérios

O novo imposto IBS será cobrado no destino, não na origem, sendo que a distribuição da cota-parte municipal será feita por novos critérios

/Freepik/Divulgação/JC
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Caren Mello
Caren Mello
A reforma tributária e seus impactos têm sido tema recorrente nas discussões econômicas e políticas pelo País. Muito se fala na simplificação do sistema, a partir da unificação dos impostos e da forma como serão cobrados. No entanto, a Reforma trará um importante impacto nos estados e municípios. Nesse processo, profissionais da Contabilidade passam a ter um importante papel no apoio ao gestor.
A reforma tributária e seus impactos têm sido tema recorrente nas discussões econômicas e políticas pelo País. Muito se fala na simplificação do sistema, a partir da unificação dos impostos e da forma como serão cobrados. No entanto, a Reforma trará um importante impacto nos estados e municípios. Nesse processo, profissionais da Contabilidade passam a ter um importante papel no apoio ao gestor.
Pela proposta já aprovada, cinco tributos sobre o consumo serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. Os impostos federais IPI, PIS e Cofins serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o ICMS (estadual) e ISS (municipal) serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Um terceiro imposto - Imposto Seletivo - incidirá apenas sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde da população ou ao meio ambiente. O novo imposto IBS será cobrado no destino, não na origem, sendo que a distribuição da cota-parte municipal será feita por novos critérios. A projeção é de que, com foco na densidade populacional, o novo imposto deva favorecer regiões menos desenvolvidas.
É recorrente a queixa de prefeitos, sejam eles de capitais, grandes ou pequenas cidades, da divisão da receita tributária do país, uma vez que recebem sempre a fatia menor, sendo que os serviços devem ser prestados lá, em cada cidade. O que ficará para cada localidade, União e estados tem sido, desde a aprovação da Reforma Tributária, a grande incógnita. Se aumentará ou não a fatia do bolo, é imprevisível. O certo é que, a partir da regulamentação, sejam afetados os processos tanto de arrecadação, como de distribuição dos impostos. O maior temor é de que haja perda na arrecadação, repercutindo na prestação final de serviços e custeio de despesas obrigatórias.
Entre as propostas discutidas pelo Congresso Nacional está o fim da forma de repartição do ICMS. Os municípios ficam com 25% da arrecadação de cada Estado. Do total, parte é dividida de acordo com a legislação de cada estado, podendo um município receber mais do que outro em função, por exemplo, de sua participação com indústrias.
Em artigo publicado pelo portal da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o jornalista Ribamar Oliveira fala das distorções da sistemática atual, que beneficia diferentemente unidades diversas. Exemplo é o município de Triunfo. Com 21 mil habitantes, abriga o Polo Petroquímico e, por isso, tem uma receita anual de ICMS de R$ 1,8 mil por morador. Já a cidade de Alvorada tem 188 mil habitantes e recebe R$ 40 por morador, conforme dados da CNM.
Tais distorções deverão ser revistas na regulamentação, porém, inevitavelmente haverá perdas de receita para alguns. Ao defender a paridade entre os entes municipais, a CNM tem defendido que a nova norma determine que a cota-parte que os municípios continuam recebendo - que corresponderá a 25% do IBS estadual, 60% seja repartida de acordo com a população, 5% repartida em partes iguais entre todos e 35% conforme lei estadual. A entidade também entende que os municípios tenham competência para definir suas próprias alíquotas no IBS, "garantindo autonomia para que pratiquem com liberdade a alíquota que melhor se adequar as respectivas realidades".
Nesse processo, a classe contábil terá um trabalho ainda mais minucioso junto aos gestores, provendo as administrações de informações para implementação de ações eficazes. O assunto vem sendo tema de encontros promovidos por entidade para capacitações e para salientar a importância da função no processo. Uma vez que será alterada a forma como os tributos serão divididos, o profissional será fundamental para que prefeituras, no mínimo, mantenham suas arrecadações, garantindo recursos suficientes para a prestação de serviços.
 

'Reforma Tributária adiciona mais uma incerteza para gestores'

Juliana enfatiza o papel do contador em uma gestão pública eficiente

Juliana enfatiza o papel do contador em uma gestão pública eficiente

/JULIANA MANCUSO/ARQUIVO PESSOAL/JC
Ainda não é possível prever o impacto que a Reforma Tributária terá nos municípios. Como haverá alteração na dinâmica da tributação, caberá aos profissionais da Contabilidade o auxílio no entendimento desses novos processos. Os contadores, além das funções diárias, terão um importante papel na educação fiscal dentro das administrações municipais, de forma a projetar os efeitos sobre as finanças públicas.
Para a professora, auditora da Receita Estadual e presidente da Comissão de Estudos em Contabilidade Aplicada ao Setor Público do Conselho Regional de Contabilidade do RS (CRCRS), Juliana Mancuso, os profissionais da área devem estar preparados para a gestão com informações. "A Reforma vai mexer com toda a parte de administração financeira e orçamentária", disse a conselheira em entrevista ao JC Contabilidade.
JC Contabilidade - Os municípios devem estar atentos para quais aspectos da Reforma Tributária?
Juliana Mancuso - Dentro da gestão pública, é preciso olhar para a administração tributária. A Reforma atinge tanto o contribuinte, quanto os servidores que trabalham com a arrecadação. A Reforma mexe com a principal receita dos municípios, que hoje têm a cota-parte do ICMS, além da arrecadação de ISS, que vai virar um único tributo. Se mexe com o principal - a receita, mexe com tudo. Todo orçamento vai ter que ser planejado de outra forma, e com uma atenção maior nesses primeiros anos, até entendermos como vai ficar a dinâmica, com vão ficar esses montantes de arrecadação a longo prazo. E também entender essa relação que vai se ter com o comitê gestor do IBS, um órgão novo que vai ser criado para fazer essa gestão dos tributos. Vão ficar centralizados o que ficava dentro do município, que vai receber de lá a arrecadação. Vai mudar bastante essa dinâmica. Penso que vai haver muita mudança, vai ter que ter uma adaptação ao sistema, uma adaptação de toda parte da despesa. Ainda não sabemos qual vai ser o impacto. Para alguns, o impacto pode ser maior, para outros, menor. Ainda não temos essa clareza. Como mexe com o princípio da receita, são precisos recursos para prover todos os serviços públicos, ou seja, vai mexer com toda parte de administração financeira e orçamentária que é o que sustenta, o que faz a máquina toda funcionar.
Contab - Nesse processo, qual a importância e o papel do contador para os municípios?
Juliana - Como o contador é o profissional responsável pela informação das finanças, ele vai ter que fazer esse acompanhamento para demonstrar como tudo isso vai acontecer, como isso vai impactar nas finanças dos municípios, para que a gestão possa se adequar a essa mudança. O contador deve estar atualizado para acompanhar e passar para a gestão essas informações corretas, as adequações necessárias. Nos municípios - a maior parte são pequenos, o contador acaba se envolvendo no processo orçamentário, que é a projeção das receitas e fixação das despesas. Os contadores têm que estar muito atentos. Eles serão muito importantes nesse processo todo, desde a construção da transição e, claro, depois, com a informação já gerada.
Contab - Já é possível avaliar se o impacto da Reforma Tributária será positivo ou não para os municípios?
Juliana - Ainda não é possível saber como será para as finanças públicas. Ainda não temos uma clareza de como vai ficar, como vai ser essa distribuição. Tem ainda uma transição sobre uma nova forma de fazer esse processo. Teremos um período de transição para nos acostumarmos, mas, enquanto isso, ainda estamos no escuro para fazer previsões. Se eu quero olhar para o longo prazo, qualquer decisão que um gestor público vá tomar hoje, por exemplo, um aumento para os servidores, vai impactar por muitos anos o orçamento. Depois que se dá, esse aumento fica por muitos anos, mas não consigo saber como estarão as receitas lá na frente para sustentar isso. É ruim, é um momento bem delicado por não sabermos exatamente como vai ficar. A ideia é que não tenha um aumento tão grande, mas há um risco.
Contab - Então, já existe uma limitação hoje para o gestor.
Juliana - Na prática, isso depende de uma decisão do gestor. Não há nada que proíba, mas não sabemos. O gestor tem que estar ciente de que, se tomar uma decisão para daqui a dez anos, não se sabe como vai estar lá na frente, se vai ter receita para sustentar. Claro que, com o cenário atual, também não se tem muita certeza de como vai ser no futuro, mas, pelo menos, temos um histórico de como se comporta a arrecadação hoje, com os tributos que temos. Agora, adicionamos mais uma incerteza, a que teremos com essa mudança nas regras.
Contab - Como tem sido o papel do Conselho nessa transição?
Juliana - Temos acompanhado a matéria e estudado. Estamos trabalhando para promover eventos de capacitação para os contadores, para estarem atentos a essa questão. Hoje, com os projetos de lei para a regulamentação, vemos muitos profissionais que não estão acompanhando a matéria. Muitos pensam que não vai mudar muito. Vejo que esse é o momento de podermos opinar se alguma coisa está indo por outro caminho. Como profissionais que estamos ali, no dia a dia, sabemos que pode haver algum problema. É o momento de dizer, de tentar lutar para que alguma coisa mude agora, enquanto está em construção. Depois, quando estiver concluída é difícil. Claro, sabemos que nesse processo envolve política, envolve questões que estão além da capacidade do Conselho de atuar, da nossa competência. Mas temos que estar ligados no que está acontecendo para poder acompanhar, para poder opinar e, talvez, atuar. É preciso estarmos preparados para evitar algo, para esse processo ser menos sofrido.
Contab - Os municípios estão atentos a essas mudanças?
Juliana - Acho que ainda tem uma boa caminhada. Acredito que os profissionais da administração tributária estejam participando mais que os contadores. Os profissionais da área financeira estão se aproximando agora dessa matéria, justamente pelos projetos estarem em discussão. Muito porque tem essa insegurança de que muita coisa vai mudar, ou seja, que ainda não é o momento de se preocupar. E, também, porque são muitos os desafios do dia a dia desses profissionais. É difícil dar conta de todas as atualizações. A profissão do contador no setor público não é diferente, tem que estar sempre se atualizando. Sempre tem uma legislação nova, sempre tem uma mudança. Talvez ainda esteja difícil de acompanhar a Reforma enquanto não está tudo definido. Mas é o momento de começar a se inteirar mais, se capacitar, se preparar. Acredito que ainda esteja muito incipiente esse movimento dos profissionais da Contabilidade e da área de finanças. Claro que, por ser algo da área tributária, não é tão chamado a participar. A gente tem que ir atrás para participar. Quando se fala em Reforma Tributária, pensamos mais na área tributária. A maior parte das pessoas não estão atentas para o impacto que vai haver na gestão pública. É importante chamar atenção que o contador é muito importante nesse processo e que tem que estar preparado para passar boas informações para a gestão.
 

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