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Publicada em 07 de Abril de 2024 às 16:00

Novas variedades de uvas ganham espaço na produção gaúcha de vinhos

Mesmo os vinhos de mesa, que correspondem à maior produção da indústria vitivinícola, passam por transformações biotecnológicas

Mesmo os vinhos de mesa, que correspondem à maior produção da indústria vitivinícola, passam por transformações biotecnológicas

/TÂNIA MEINERZ/JC
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Lívia Araújo
Lívia Araújo Repórter
A mudança do clima e o potencial de ampliação do público consumidor de vinho, que o torna mais exigente quanto à qualidade, tem levado vinícolas e produtores a desbravar novas variedades: de uvas ancestrais e ainda pouco conhecidas no Brasil como a georgiana Saperavi, a cruzamentos modernos, como a basca Arinarnoa, tem passado por adaptações e experiências nas diferentes regiões produtoras do Estado. E mesmo os vinhos de mesa, que correspondem à maior produção da indústria vitivinícola, passam por transformações biotecnológicas para atrair mais consumidores e consagrar seu papel como "vinho de entrada". Os antigos barris de madeira, outrora utilizados para envelhecer o vinho, agora transcenderam seu propósito original, tornando-se preciosos objetos de decoração e símbolos de memória afetiva, remetendo aos primórdios da vitivinicultura. Hoje, contrastando com sua história ancestral, os equipamentos evoluíram para tecnologia de ponta, marcando a união entre tradição e inovação na produção vinícola.
A mudança do clima e o potencial de ampliação do público consumidor de vinho, que o torna mais exigente quanto à qualidade, tem levado vinícolas e produtores a desbravar novas variedades: de uvas ancestrais e ainda pouco conhecidas no Brasil como a georgiana Saperavi, a cruzamentos modernos, como a basca Arinarnoa, tem passado por adaptações e experiências nas diferentes regiões produtoras do Estado. E mesmo os vinhos de mesa, que correspondem à maior produção da indústria vitivinícola, passam por transformações biotecnológicas para atrair mais consumidores e consagrar seu papel como "vinho de entrada". Os antigos barris de madeira, outrora utilizados para envelhecer o vinho, agora transcenderam seu propósito original, tornando-se preciosos objetos de decoração e símbolos de memória afetiva, remetendo aos primórdios da vitivinicultura. Hoje, contrastando com sua história ancestral, os equipamentos evoluíram para tecnologia de ponta, marcando a união entre tradição e inovação na produção vinícola.
 

Daniel Panizzi, da Uvibra, defende sensibilização de produtores para ampliação no cultivo de viníferas

Daniel Panizzi, da Uvibra, defende sensibilização de produtores para ampliação no cultivo de viníferas

/UVIBRA/DIVULGAÇÃO/JC
Especial para o JC*
Como o estado líder absoluto na produção de vinhos, e consolidada a qualidade na produção de diversas variedades viníferas, mas também em produtos vitícolas e vinhos de mesa, o Rio Grande do Sul começa a obter êxito na exploração de variedades que escapam do domínio das castas viníferas pioneiras do Estado.
Estas variedades mais tradicionais já estão consolidadas em indicações geográficas reconhecidas, como as Denominações de Origem do Vale dos Vinhedos e de Pinto Bandeira, Indicações de Procedência como a Campanha Gaúcha, além de outras áreas que trilham este caminho, como os Campos de Cima da Serra, que vêm obtendo notoriedade na produção de Pinot Noir.
Porém, uvas introduzidas mais recentemente em solo gaúcho estão encontrando nas diferentes regiões do Estado um terreno literalmente fértil para germinar. O crescimento dessas variedades vem sendo acentuado nos últimos anos. Variedades como Alvarinho, Arinarnoa e Saperavi, com produtores citados nesta reportagem, vêm tendo um crescimento acentuado e bem superior às uvas viníferas mais largamente produzidas.
 
Enquanto a uva branca e a uva tinta viníferas mais cultivadas no RS, Moscato Branco e Merlot, tiveram respectivamente um crescimento na produção de 50% e uma queda de 24%, na comparação das safras de 2023 e 2013, a uva portuguesa Alvarinho ampliou seus resultados 664% no mesmo período; a basca Arinarnoa teve um incremento de 88% na produção; e a georgiana Saperavi, cujos primeiros dados remontam a 2020, tiveram incremento na produção de 459% em 2023, segundo o Ministério da Agricultura (Mapa).
Memo assim, o universo das uvas viníferas ainda é pequeno em relação ao cenário vitícola global no Estado - cerca de 70% da produção gaúcha (e nacional) é dedicado às uvas de mesa, que também dão origem à maioria do vinho produzido no Estado.
De acordo com a última edição do Panorama da Vitivinicultura Brasileira, documento produzido por pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho, em 2021 foram elaborados 173,90 milhões de litros de vinhos de mesa, a partir de uvas americanas ou híbridas, e 43,47 milhões de vinhos finos, elaborados com uvas V. vinifera.
Apesar de, internacionalmente, os vinhos de mesa não terem o mesmo destaque dado aos vinhos finos, não é por isso que o primeiro não seja alvo de melhorias, tanto na fase do cultivo quanto na produção - vinhos de mesa de boa qualidade acabam servindo como meios de entrada para o mundo dos vinhos e a evolução de consumidores para "connoisseurs", que buscam produtos com paladar único e produção elaborada.
José Fernando Protas, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, que já atuou como chefe da divisão, pontua a atuação da empresa no melhoramento genético em cultivares de uvas híbridas. "São híbridas exatamente porque elas têm genes no cruzamento que são sabidamente mais tolerantes a doenças fúngicas". São técnicas que também são trabalhadas para a obtenção de maior qualidade nas bebidas produzidas.
Por outro lado, outros players da cadeia vitivinícola, como a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), defendem a priorização do cultivo de uvas viníferas, deixando as uvas de mesa para a produção de sucos e outros derivados, alegando que o Brasil só poderá ter sua excelência reconhecida internacionalmente por meio da elaboração de uma quantidade maior de vinhos finos.
"Temos um desafio cultural, já que ainda temos um consumo per capital muito baixo, concentrado principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Então ainda temos muito espaço para crescer", pontua Daniel Panizzi, presidente da entidade e sócio na Vinícola Dom Giovanni, de Bento Gonçalves.
Nesse contexto, defende Panizzi, a ampliação da participação dos vinhos finos nesse mercado é necessária para que o Brasil conquiste um papel mais relevante no cenário enológico mundial. Para ele, a concentração dessas variedades na produção de sucos, com aprimoramentos constantes, pode proporcionar a valorização do produto no exterior e aumentar as exportações. Por outro lado, reconhece que houve melhorias na vinificação dessas uvas e, consequentemente, na qualidade do produto e em seu papel na atração de futuros consumidores e apreciadores de vinhos finos.
No entanto, alerta o dirigente, essa transição não pode ser imediata e "forçada". É necessário criar uma demanda que pode ser induzida pela indústria. "No momento em que começa a haver demanda, o produtor também inicia essa transição. Se tem alguma propriedade com produção (de uvas de mesa) excedentes, esse é o produtor que precisa ser demandado a cultivas uvas viníferas", vislumbra.

Rótulos precisam estar à altura da qualidade do vinho, opina designer

Snel trabalha com players de diferentes portes no setor vitivinícola

Snel trabalha com players de diferentes portes no setor vitivinícola

/Dani Westhelle/Divulgação/JC
Cartão de visitas do vinho, o rótulo é para o vinho o que a capa é para o livro. Tem informações obrigatórias, mas também pode servir como um chamariz ao interesse do consumidor.
Para o designer e publicitário Adriano Snel, de Novo Hamburgo, que começou a desenhar rótulos para bebidas em 2017, e que trabalha atualmente com players de diferentes portes no setor vitivinícola, como Aurora, Almabaska e Negroponte Vigna, é possível comprar um vinho pelo rótulo, assim como adquirir um livro pela capa. "Os consumidores de vinho levam em conta a apresentação do produto, incluindo o rótulo", crê Snel. De fato, uma pesquisa realizada em 2023 na França pelo instituto OpinionWay mostrou que o rótulo é um critério importante de escolha para 69% do público, independentemente do recorte socioeconômico.
Os rótulos têm um conjunto obrigatório de informações exigidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). É preciso constar a marca da vinícola, o tipo de vinho - de mesa, fino ou nobre (com graduação entre 14% e 16%), o volume e a graduação alcoólica. Já no contrarrótulo, deve estar presente o nome do produtor, endereço, registro de atividade no Mapa, ingredientes, indicação de Indústria Brasileira, lote, variedade e a frase de advertência sobre o consumo excessivo de álcool, o famoso "beba com moderação".
Outras informações permitidas podem incluir descrições como "reservado", "reserva" e "gran reserva", de acordo com graduação alcoólica, tempo de envelhecimento e outras variantes, e a própria inclusão da safra - para tal, a vinícola deve ter utilizado pelo menos 85% de uvas colhidas no ano indicado no rótulo. Mas não é raro encontrar informações sobre as características específicas do varietal ou do blend presente na garrafa, especificidades da região produtora ou dicas de harmonização.
 
Mas, cumpridas as normas legais e textos adicionais, muita coisa "não verbal" pode estar presente: ilustrações, tipologias gráficas e até o próprio tipo de papel e materiais presentes no invólucro. Tudo isso torna o rótulo do vinho um item único, que pode ir muito além da aparência tradicional e aristocráticas dos vinhos de "Château" franceses.
Tudo isso resulta de um processo que Snel participa junto com seus clientes, que podem envolver um anteprojeto com discussão e validação de ideias apresentadas pela vinícola e o designer, planejamento, a eventual contratação de um ilustrador - no caso de haver uma arte específica para o projeto -, a produção do design, os ajustes posteriores, até a entrega do arquivo final que será utilizado na impressão dos materiais. Segundo Snel, o processo todo leva, em média, dois meses, a depender da época do ano.
Algumas etapas, detalha Snel, podem ser dispensadas. "Alguns clientes já vêm com uma ideia muito pronta e referências bem claras com as quais trabalhar. Já, outros, são mais subjetivos, e pedem, somente, um rótulo 'bonito' ou 'minimalista'", diz. "Eu gosto de contar histórias, e muitos dos rótulos que fiz, como para a (vinícola) Batalha, ou o vinho As Cercas de Antanho, da Almabaska, têm isso".
 

Embrapa ajuda a produzir branco com alto teor de antioxidantes

Proprietário da Adega Chesini, Ricardo Chesini busca conquistar adeptos que depois vão educar o paladar

Proprietário da Adega Chesini, Ricardo Chesini busca conquistar adeptos que depois vão educar o paladar

/VIVIANE ZANELLA/EMPRAPA UVA E VINHO/DIVULGAÇÃO/JC
Uma vinícola familiar de Farroupilha, na Serra Gaúcha, fez uso de tecnologia para diversificar seu portfolio de vinhos e oferecer um produto que atrai pelos potenciais benefícios à saúde dos consumidores. O vinho, chamado de Lorena Ativa, e lançado pela Adega Chesini em setembro do ano passado, utiliza a variedade híbrida BRS Lorena e utiliza transferência tecnológica fornecida pela Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves.
A própria BRS Lorena faz parte de um programa de melhoramento genético do órgão. A casta é combinada com o uso da levedura autóctone Saccharomyces cerevisiae 1vvt97, isolada pela equipe de Microbiologia da Unidade, e um protocolo vinificação desenvolvido pelo órgão - licenciado para o uso da vinícola, com detalhes precisos de maceração e fermentação, de forma a promover uma extração adicional de compostos da casca e da semente.
O resultado é a elaboração de um vinho branco com maior teor de antioxidantes, mas com cor, aroma e paladar atraentes ao público consumidor da Adega Chesini. "Quem buscava essa saudabilidade, mas não é apreciador de vinhos tintos, agora tem essa proposta", indica Ricardo Chesini, proprietário da vinícola. Segundo análises laboratoriais realizadas pela Embrapa, compostos bioativos como polifenóis estão presentes no Lorena Ativa em quantidades três a quatro superiores aos vinhos brancos convencionais. A bebida também tem outros elementos naturais como quercetina e resveratrol em quantidades superiores a outros vinhos brancos disponíveis.
O vinho Lorena Ativa apresenta uma cor amarelo dourado, com notas cítricas, lembrando a lima e um caráter floral e de especiarias (cidreira). Tem um sabor moscatel, com bom volume de boca e boa persistência e uma graduação alcoólica de 11,5%. O rótulo é derivado de um portfolio de vinhos de mesa elaborados com uvas de mesa branca, rosé e tintas, de nomes femininos como Isabel, Cora, Rúbia e Carmen, além da própria Lorena na versão convencional, numa linha chamada De Ragazze, com preço médio de R$ 45,00
Apesar de Chesini - cuja vinícola tem 60 anos - ter iniciado a fabricação de vinhos finos no início dos anos 2000, incluindo espumantes, os vinhos de mesa são os carros-chefes de sua indústria, representando quase 80% da produção. "Dos 350 mil litros, em média, que a gente produz anualmente, uns 210 mil são de mesa", contabiliza. Metade de toda essa produção é vendida no espaço da própria vinícola, que recebe até 4 mil visitantes por mês.
Segundo Chesini, sendo seu público na maioria de turistas de diversas partes do Brasil, sua produção é destinada a conquistar adeptos que depois vão educar seu paladar. "Meu papel como elaborador de vinhos, é que a pessoa que gostou de um vinho suave, em sua próxima compra, experimente um demi-sec. E aí, ela acaba conhecendo um sabor diferente do que ela tinha na cabeça, e isso acaba conquistando seu paladar".
O vinhateiro também defende que os vinhos de mesa tiveram um incremento qualitativo nos últimos anos, apontando que seu rótulo Lorena convencional vem conquistando prêmios regionais. "Uvas híbridas são realmente para um consumidor iniciante, por ter mais aroma. Mas se há uma diferenciação técnica entre o vinho de mesa e o fino, algumas variedades, se colocadas em uma degustação às cegas, não se diferenciação de um vinho fino. É uma fronteira mais sutil, na prática", acredita.

Com sabor basco, Arinarnoa prospera na região da Campanha do Rio Grande do Sul

Empresas & Negócios - Especial Vinhos - Produtor Cláudio Escosteguy, da Almabaska, de Santana do Livramento

Empresas & Negócios - Especial Vinhos - Produtor Cláudio Escosteguy, da Almabaska, de Santana do Livramento

/Cláudio Escosteguy/Arquivo Pessoal/JC
Vem do País Basco, região que engloba o Sul da França e o Norte da Espanha, uma variedade que encontrou na Campanha Gaúcha um terreno amigável para o cultivo: a Arinarnoa, casta que, ainda por cima, tem uma relação íntima com a Tannat, principal uva cultivada localmente.
Ainda que ocupe apenas o 42º lugar entre as uvas viníferas com maior produção no Rio Grande do Sul, um número crescente de vinícolas tem apostado na Arinarnoa. Uma delas, também produtora, é a Almabaska, inspirada nas origens familiares do empresário fronteiriço Cláudio Escosteguy e que se aventurou com as primeiras mudas da variedade em 2005.
Segundo Escosteguy, a Arinarnoa é resultado de um cruzamento entre as variedades Tannat e Cabernet Sauvignon, obtida à margem do sistema francês de obtenção de variedades pelo produtor de origem basca Pierre Durquéty, e que combina características de ambas as castas que acabaram virando suas marcas registradas. "Da Tannat, ela herdou uma carga de taninos e polifenóis pigmentados bem alta. Sendo bastante tintória, pode ser usada em blends para transferir cor onde é necessário; da Cabernet, ela tem um caráter de taninos mais redondos e suavizados; e como resultado do cruzamento, uma característica própria, ela tem um teor muito frutado. Coisa que entre as variedades tintas é raro encontrar", detalha o produtor.
 
Escosteguy adquiriu mudas em 2005 com um viveirista em Santana do Livramento. Finalmente, a partir de 2009, o produtor começou as primeiras vinificações, em ambiente próprio. Atualmente, a variedade e seus blends são vinificados na Serra Gaúcha.
Além da região da Campanha, onde a variedade está presidente em rótulos de empresas como Almabaska e Dom Pedrito, há vinhos Arinarnoa provenientes Serra do Sudeste, vinificada pela Casa Valduga, e na Serra, produzida pela Monte Reale, de Flores da Cunha. Escosteguy crê que a Campanha seja uma região especialmente amigável para o cultivo da casta. "Temos um ambiente onde ela se adapta melhor. Apesar de ela ser sensível ao míldio e precisar de fungicidas, superado esse ajuste, ela é muito produtiva, produz cachos soltos e grandes que podem chegar a 1 kg", explica Escosteguy.
Em 2023, segundo dados do Ministério da Agricultura (Mapa) foram colhidas 80,2 toneladas da variedade - ocupando o 42º lugar entre as uvas viníferas mais produzidas no Estado - em parreirais distribuídos principalmente em Encruzilhada do Sul e Santana do Livramento, que respectivamente têm 2,21 e 2,15 hectares. Outros 1,73 hectares de parreirais da Arinarnoa estão distribuídos entre Caxias do Sul, Quaraí, Garibaldi e Bento Gonçalves.
Além do vinho varietal, a Almabaska também tem rótulos que unem diferentes proporções entre a Arinarnoa e o Tannat. "Quando experimentamos esse blend, ele ficou fanstástico e passamos a repetir ao longo do tempo. A Arinarnoa transforma o Tannat em um vinho completamente diferente", revela.
A produção da Almabaska é pequena - no caso do varietal Arinarnoa, cada safra rende entre 900 e mil garrafas. Segundo Escosteguy, haveria um potencial de produção de 10 mil garrafas anuais do varietal. Mas a ideia é ir ampliando gradualmente a produção de vinho. No caso das uvas, Escosteguy fornece anualmente para outras vinícolas cerca de 100 toneladas que, além da própria Arinarnoa, abarca variedades como Tannat, Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir e Chardonnay.
Por outro lado, o produtor pontua que não está nos planos da Almabaska incorporar a elaboração dos vinhos, que deve ser mantida no formato terceirizado. "Temos muito claro que não seria economicamente viável para o tamanho atual do nosso negócio. E é uma grande questão, na vitivinicultura, saber qual a escala mais conveniente. Escalas muito pequenas são antieconômicas, mas escalas muito grandes também têm alto risco, pois mobilizam um capital enorme e ficam ao sabor do mercado, que em uma hora pode ser bom, e em outra, nem tanto", pondera. Por enquanto, complementa Escosteguy, a aliança entre a qualidade da matéria-prima que temos, e o conhecimento enológico presente da Serra é "um casamento de ótimo resultado".

Mesmo com quebras de safra, cultivo vem crescendo com aprimoramento técnico

Dados do Mapa mostram que a produção de uvas viníferas no Rio Grande do Sul foi de 828,6 mil toneladas entre 2013 e 2023, tendo saído de 76.746,82 toneladas em 2013 para 95.411,79 toneladas em 2023

Dados do Mapa mostram que a produção de uvas viníferas no Rio Grande do Sul foi de 828,6 mil toneladas entre 2013 e 2023, tendo saído de 76.746,82 toneladas em 2013 para 95.411,79 toneladas em 2023

Augusto Tomasi/DIVULGAÇÃO/jc
Até a ocorrência dos fortes temporais, em setembro e novembro, que foram responsáveis por uma perda estimada de até 40% na safra de uvas da Serra Gaúcha, na comparação com 2023, segundo a Uvibra, o setor vitícola gaúcho vinha experimentando um período de boas marcas de produção, com um índice crescente de produtividade.
Dados do Ministério da Agricultura (Mapa) mostram que a produção de uvas viníferas no Rio Grande do Sul foi de 828,6 mil toneladas entre 2013 e 2023, tendo saído de 76.746,82 toneladas em 2013 para 95.411,79 toneladas em 2023. São números que têm normalmente uma grande oscilação em função das características climáticas de cada ano - em 2016, por exemplo, houve uma quebra na safra de mais de 50%, quando a produção chegou a somente 34,3 mil toneladas por conta justamente dos efeitos do El Niño, que voltou em 2023. Mas, a partir de 2021, as safras se mantiveram em um até então inédito patamar superior a 90 mil toneladas, chegando a 99,4 mil toneladas em 2021.
A produtividade também cresceu, passando de 0,47 toneladas por hectare em 2013, para 0,78 em 2023, resultado proporcionado pelo investimento no aperfeiçoamento das técnicas de cultivo e tecnologia, com uma melhora gradual que corre em paralelo ao comportamento do clima.
Esse tipo de melhoria é possibilitada, segundo o pesquisador da Embrapa José Fernando Protas, com medidas que diminuem a possibilidade de intervenções desnecessárias na produção, proporcionando inclusive a redução nos custos. "Uma coisa na qual estamos trabalhando fortemente são 'estações de aviso'. Temos um software que, com base em informações e comportamento do clima, pode avisar ao produtor com antecedência um período de risco para determinada ocorrência, como uma doença fúngica, por exemplo. Assim, o produtor pode fazer um tratamento preventivo em uma sintonia fina", explica.
É um método, defende Protas, muito mais efetivo do que ter uma rotina regular de aplicação de defensivos agrícolas, porque diminui as possibilidades de intervenção que podem impactar na qualidade do produto. "Essa inteligência já existe e continua evoluindo, como na utilização de drones para aplicações específicas em áreas onde foi identificado algum tipo de problema. O produtor só irá intervir quando tiver, objetivamente, uma base de informações que evidencia essa necessidade", ilustra.
Adotadas principalmente pelas maiores vinícolas, essas técnicas vem beneficiando predominantemente as variedades já campeãs de produção no RS, com as uvas brancas na dianteira. Moscato Branco, Chardonnay, Prosecco E Malvasia de Cândia são as quatro mais cultivadas, com uvas tintas como Merlot, Tannat E Cabernet Sauvignon aparecendo do quinto ao sétimo lugar na lista. Segundo registros do Mapa, disponíveis no Sivibe - Sistema de Informações de Vinhos e Bebidas, desenvolvido pelo ministério com dados fornecidos pelos produtores, atualmente há 81 castas de uvas viníferas com produção registrada no Estado.
Apesar de acreditar que a aposta em variedades inéditas ainda não permita o ganho de escala, o presidente da Uvibra, Daniel Panizzi, crê que algumas castas já cultivadas mais massivamente, como as uvas Chardonnay e Pinot Noir - esta na 12ª posição dentre as maiores produções de 2023 - possam ter ainda mais espaço no mercado, principalmente pela "consistência da produção" e a verificação de um aumento gradual no consumo. "E elas já estão dentro das Denominações de Origem de Pinto Bandeira e do Vale dos Vinhedos, além de, na Campanha, estarem sendo muito usadas na fabricação de espumantes e vinhos tranquilos".
Entre os tintos, além da Pinot Noir, Panizzi destaca a Merlot e a Cabernet Franc - em 14º lugar -, como uma casta que vem recebendo investimentos importantes. Mas a Cabernet Sauvignon, "por sua história", segundo Panizzi, também continuará tendo um papel importante. Uma das primeiras uvas viníferas a serem plantadas na Serra.
No cenário geral do RS, incluindo uvas viníferas, além híbridas e americanas, responsáveis pela fabricação de vinhos de mesa, sucos, geleias e outros itens, a produção total em 2023 chegou a 664,4 mil toneladas.
A área de 11,7 mil hectares utilizada para o cultivo no Estado representa 95,5% das áreas brasileiras dedicada à produção de uvas viníferas.

Saperavi, da Geórgia, é uva 'ancestral' e rende edições autorais no Estado

Carl importou da Europa as mudas que planta na Negroponte Vigna

Carl importou da Europa as mudas que planta na Negroponte Vigna

/Fernando Audibert/Divulgação/JC
Considerada por alguns historiadores o berço do vinho do mundo, a Geórgia, país nos confins da Europa Oriental e às margens do Mar Negro, é a origem de uma variedade tinta que tem potencial de sucesso no Rio Grande do Sul. É o que defende o vinhateiro James Martini Carl, que elabora vinhos com a Saperavi em sua pequena vinícola em Monte Belo do Sul, a Negroponte Vigna. A cor tinta está presente tanto na polpa da uva quanto na pele, uma das poucas variedades com essa característica, e gera vinho com coloração densa, acidez elevada e aromas complexos, com capacidade de ser envelhecido por um longo período.
Carl pertence a uma parcela de produtores de vinho que buscam produtos "autorais e com mínima intervenção", embora não seja uma classificação oficial dos órgãos reguladores - ao contrário de outras informações obrigatórias no rótulo como a variedade e o tipo de vinho. Segundo Carl, nesta técnica, o vinho tem de usar pouquíssimo sulfito, que é o conservante do vinho, seja numa mínima dose ou nenhuma, e não usar aditivos enológicos. "Não pode corrigir mosto de vinho com acidez, com açúcar, por exemplo", explica. A grande adoção desses princípios por outras vinícolas do município tornam Monte Belo do Sul, de acordo com Carl, a "capital" dos vinhos naturais no Estado.
No caso da Negroponte Vigna, o caráter autoral reside não só na produção de vinhos varietais de diferentes origens, mas que recebem nomes inusitados, como Urubu Pitanga (Pinot Noir), e Pomar das Estrofes (Alvarinho). Outra característica é o vínculo com a Geórgia: o nome da vinícola vem escrito também de acordo com os alfabetos georgiano e grego.
Da Geórgia vêm também as próprias mudas de Saperavi cultivadas por Carl, que ele importou do país europeu. Originária de um clima úmido e ameno, o vinhateiro crê em uma boa adaptação da variedade no Rio Grande do Sul, que, como no resto do mundo, passa pelas mudanças climáticas. "A Saperavi pode ser a 'uva emblemática' do Brasil daqui a alguns anos. O pessoal ri de mim, mas ela foi bem em todos os lugares onde foi plantada: na Campanha, nas Missões, nos Campos de Cima da Serra, até na Serra, em que os tintos têm um cultivo mais complicado", considera.
De fato, a variedade já chamou a atenção de vinícolas de grande porte no Estado: a Aurora, de Bento Gonçalves, disponibilizou o primeiro lote de seu vinho Saperavi elaborado com a safra de 2020; a Peculiare, do Vale dos Vinhedos, também tem um rótulo.
Os dados mais recentes do Ministério da Agricultura (Mapa) relativos à Saperavi datam de 2020, quando a produção foi de 1,8 toneladas vendidas para processamento. Em 2023, esse número saltou para 10,07 toneladas, uma evolução de 459%, levando a variedade a alcançar o 60º lugar entre as castas mais cultivadas no Estado.
A maior parte dos parreirais dedicados à variedade fica em Pinto Bandeira: são 2,3 hectares dedicados ao cultivo, 94,4% do total, enquanto 0,22 hectares fica em Montebelo do Sul, onde fica a maior parte dos fornecedores da Negroponte Vigna. Além de também trabalhar com outras variedades georgianas como a Alexandrouli e a Ojaleshi, outras variedades elaboradas na Negroponte passam pela italiana Teroldego, a Touriga Nacional, a grega Agiogitiko e as francesas Petit Verdot e Pinot Noir - com produção originária de Vacaria, considerada uma das melhores áreas para o plantio da variedade no Estado. O volume de produção é de cerca de 500 litros anuais por varietal.
A boa aceitação de seus produtos nos círculos de "connoisseurs", por meio de edições pequenas de seus vinhos, motivou Carl a ampliar a atuação e operações. Prestes a lançar o site da Negroponte Vigna, o empresário também vai abrir uma cantina em Monte Belo do Sul ainda no primeiro semestre, reforçando a pequena cidade como destino turístico e também como "terroir" para as várias atividades econômicas e culturais exercidas na região. "Não adianta ter um terroir sem que as pessoas que moram naquela região não estejam inclusas. Não é o solo: o grande tesouro é o elemento humano. A viticultura faz a região ficar rica", acredita.

Vinhedo experimental auxilia Vinícola Garibaldi no desenvolvimento de novos produtos

Agroindústria mantém o cultivo de cerca de 60 variedades europeias

Agroindústria mantém o cultivo de cerca de 60 variedades europeias

/Alessandro Manzoni/Exata Comunicação/Divulgação/JC
Por mais que a variabilidade das características das safras de uva seja natural e inevitável, mudando a cada ano, o clima, elemento que tem importância crucial em fatores como quantidade e qualidade da produção vitivinícola, vem sofrendo mudanças ao longo dos anos. Isso pressiona pelo desenvolvimento de técnicas de cultivo e produção que não só gerem vinhos melhores e mais vendáveis, mas também leva produtores a experimentarem novas variedades que poderão se revelar vocações regionais, como aconteceu historicamente na Serra Gaúcha.
Uma maneira de intensificar e otimizar esse processo, que é complexo e pode levar uma sequência de várias safras para que se constate a viabilidade de uma casta vinífera, ou então haja rejeição, vem sendo desenvolvida por indústrias da cadeia do vinho como a Cooperativa Vinícola Garibaldi. A agroindústria mantém, na propriedade de um de seus cooperados, um vinhedo experimental com o cultivo de cerca de 60 uvas europeias, em sua maioria de uvas voltadas à elaboração de espumantes, para as quais são feitos testes de resistência.
As castas vêm de oito países diferentes: República Tcheca, Geórgia, Itália, Alemanha, Ucrânia, França, Portugal e Espanha. Cada fileira do parreiral contém uma variedade distinta em uma área total de um hectare, o que torna o cultivo coletivo um desafio à parte, já que o tratamento e o período de cada processo produtivo variam conforme a época do ano, segundo o gerente da Assistência Técnica da Cooperativa, Evandro Bosa, que conduz o projeto implantado há cinco anos.
"Ao longo do tempo, fomos incorporando variedades, das quais fazemos toda uma análise, que envolve a produtividade, adaptabilidade na região, o potencial enológico de cada uma. Fazemos todas essas microvinificações, para de fato avaliar o comportamento da variedade ao longo de todo o ciclo, e também avaliando a incidência de doenças e problemas diversos", explica Evandro.
Além das castas viníferas, a experiência também utiliza variedades chamadas "resistentes", cultivadas em técnicas patenteadas que poderão também ser adotadas pela Garibaldi caso tenham um cultivo bem sucedido e uma vinificação de qualidade. Além dos rótulos tradicionais, a cooperativa tem linhas de vinhos orgânicos e de produção biodinâmica.
A iniciativa, que gerou uma variada brotação, foi exposta a um grupo de cooperados da Garibaldi no fim do ano passado, no interior do município de Santa Tereza, às margens do Rio Taquari e onde fica a propriedade da família Berra, que abriga o projeto.
Mesmo recente, o vinhedo experimental provou a qualidade de uvas que acabaram sendo lançadas no mercado pela Garibaldi em 2023, caso de duas variedades brancas: a portuguesa Alvarinho e a francesa Viognier, que geraram respectivamente um rótulo de vinho tranquilo e um espumante.
A ideia de um "vinhedo coletivo" também pode gerar interesse turístico. A Vinícola Dal Pizzol, de Pinto Bandeira, também possui desde 2011 o "Vinhedo do Mundo", que resulta, inclusive, em um vinho processado com todas as variedades que compõem o conjunto e é vendido como edição especial e limitada da casa, em safras esporádicas.

*Lívia Araújo é jornalista formada pela Unesp, no Estado de São Paulo. Trabalhou na editoria de política do JC entre 2014 e 2020 e atualmente é editora de livros e sócia na Diadorim Editora, de Porto Alegre.

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