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Reportagem especial

- Publicada em 29 de Outubro de 2023 às 16:00

Agricultura familiar inova para incrementar a renda

Produtores buscam alternativas mais rentáveis

Produtores buscam alternativas mais rentáveis


/freepik/divulgação/jc
Ana Esteves, especial para o JC*
Ana Esteves, especial para o JC*
Agricultores familiares estão diversificando as matrizes produtivas das propriedades, buscando cada vez mais a profissionalização, focando na criação de agroindústrias, no investimento em novas tecnologias, na busca por novos nichos de mercado e canais de comercialização para incrementar renda e se manterem economicamente viáveis. Depois de perdas consideráveis durante o período da pandemia aliadas aos três períodos consecutivos de episódios climáticos que assolaram os campos gaúchos, a alternativa foi sair do convencional e apostar em estratégias para driblar a crise.
 

Empresas inovam para se diferenciar no mercado e buscam novos canais de vendas

Empresas inovam para se diferenciar no mercado e buscam novos canais de vendas


freepik/divulgação/jc
A crise provocada pela pandemia de Covid-19, aliada aos três períodos consecutivos de estiagem, além de ciclones, enchentes e temporais que seguidamente assolam os campos gaúchos, obrigaram muitos agricultores a se reinventarem para conseguir sobreviver frente a um cenário de escassez e perdas.
Foi preciso sair do convencional e ousar, apostando na diversificação produtiva das propriedades: "não bastava cultivar as frutas e vendê-las in natura, era preciso incrementar, pensar no novo, no diferente, em algo que ninguém fizesse igual e que chamasse a atenção dos consumidores", afirma o proprietário da agroindústria Sítio das Goiabeiras, de Canela, Estevão Lopes Biz.
Esse tem sido o caminho de uma grande fatia dos agricultores familiares gaúchos que apostam não apenas em diversificar aquilo que produzem, como também em buscar novos investimentos em termos de canais de vendas, como os digitais, que se popularizaram durante a pandemia, redes sociais e sites e a participação em feiras que têm se multiplicado em todo o Estado, proporcionando maior inserção das empresas familiares no mercado.
"As condições climáticas adversas, junto com custos de produção cada vez mais altos, têm impactado negativamente as atividades rurais, resultando em dificuldades para obter renda das culturas e criações, além de levar ao endividamento dos agricultores", diz o engenheiro agrônomo do departamento de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Kaliton Prestes.
O professor do Departamento de Economia, Administração e Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Jaboticabal, São Paulo, José Giacomo Baccarin, ressalta a importância de trabalhar com a diversificação, com a procura de outros mercados, aproveitando nichos existentes, o que inclui pensar em exportação de produtos.
"Essas alternativas só são possíveis se a agricultura familiar se viabilizar economicamente por meio de investimentos em tecnologia que respeitem a questão ambiental, de informática e de comunicação". Prestes cita ainda tecnologia de máquinas e equipamentos adaptados a pequenas áreas. "Também é necessário investir em genética, pois ela faz com que a produtividade dos animais e das culturas aumente e, junto com isso, vem a diversificação produtiva", pontua.
O especialista acrescenta que há espaços importantes para ocupar nos mercados de hortaliças, de frutas, de verduras e de legumes, pois o consumo interno desses produtos é muito pequeno. Há espaço também para investimentos em genética voltada para aumento de produtividade de bovinos de leite, uma vez que está cada vez mais difícil produzir leite em pequenas áreas.
"Há um leque de atividades possíveis e, com tecnologias avançadas que sejam de base ecológica, e não a voltada a uma agricultura tradicional, que não terá competitividade", avalia.
O movimento de diversificação também se verifica em função da volatilidade dos preços dos produtos agrícolas. A estratégia busca enfrentar os desafios impostos pelo clima ou pelo mercado. No Rio Grande do Sul, é comum as propriedades terem uma atividade principal e outras secundárias visando a obtenção de renda.
Propriedades que se dedicam ao gado de leite geralmente também produzem grãos, as que plantam tabaco também investem em hortigranjeiros e milho. Outro exemplo são as agroindústrias familiares associadas ao turismo rural. "Diversificar as atividades permite que as famílias rurais reduzam os riscos financeiros e aumentem sua resiliência", pondera Prestes.
Os dados nacionais disponíveis sobre a agricultura familiar e que permitem avaliá-la em relação aos outros tipos de empresas agrícolas, grandes e médias são do censo agropecuário de 2017. Nele, os agricultores familiares continuam sendo a grande maioria dos agricultores brasileiros, quase 80%, mas com uma participação na área bem mais reduzida, próximo dos 25%.
"E o que é mais preocupante entre os censos de 2006 e 2017 é que a agricultura familiar perdeu importância na geração da renda bruta da agricultura. Em 2006, era 38%, em 2017, isso caiu para em torno de 26%", aponta Baccarin. Ou seja, a agricultura familiar perdeu espaço na agricultura brasileira, até porque as condições econômicas, as condições de exposição brasileira ao mercado internacional e a política agrícola não dão conta de encarar a agricultura familiar de uma maneira mais ampla.
O pesquisador afirma que essa perda de importância da agricultura familiar que está acontecendo na maior parte dos estados, inclusive no Sul do País, tem que ser encarada e enfrentada.
Segundo ele, é preciso preservar um espaço para os pequenos agricultores com renda suficiente para se manterem na agricultura, caso contrário as pequenas propriedades serão esvaziadas. "É preciso ter muito cuidado, pois há uma tendência de que o setor entre em crise. Para reverter esse cenário é preciso dar maiores condições para ele continuar existindo", alerta Baccarin.

Raio-X da atividade

Na pecuária, as propriedades familiares são responsáveis por 70% do total do rebanho nacional de caprinos

Na pecuária, as propriedades familiares são responsáveis por 70% do total do rebanho nacional de caprinos


/IVO GONÇALVES/arquivo/JC
Envolve trabalho de 10,1 milhões de pessoas no Brasil, que corresponde a 67% da força de trabalho ocupada em atividades agropecuárias, das quais 67,2% são homens e 32,8% são mulheres.
Movimenta R$ 107 bilhões na economia que corresponde a 23% da produção agropecuária do Brasil.
77% dos estabelecimentos rurais no Brasil são de agricultores familiares.
 
Divisão da produção no campo
Grãos         Familiar     Não Familiar
Cacau               57%          43%
Café                 33%          67%
Feijão               23%          77%
Pecuária
Caprinos           70%          30%
Suínos              51%          49%
Frango              46%          54%
Bovinos             31%          69%
Frutas
Morango            80%          20%
Maracujá           70%          30%
Banana             48%          52%
Hortaliças
Mandioca          80%          20%
Pimentão          73%          27%
Tomate             47%          53%
Fonte: Censo agropecuário IBGE 2017

Recursos do Plano Safra são considerados insuficientes

Haverá redução da taxa de juros por parte do governo federal, de 5% para 4% ao ano, para quem produzir alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite e ovos, entre outros

Haverá redução da taxa de juros por parte do governo federal, de 5% para 4% ao ano, para quem produzir alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite e ovos, entre outros


/ISABELLE RIEGER/arquivo/JC
Os recursos do Plano Safra 2023/2024, disponibilizados pelo governo federal, são considerados insuficientes pelos especialistas, diante de um cenário de grande endividamento dos produtores. "O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) contribuiu para que o agricultor familiar tenha mais crédito, mas ainda é pouco", avalia o professor do Departamento de Economia, Administração e Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Jaboticabal, São Paulo, José Giacomo Baccarin.
A previsão é de que, pelo Plano Safra, 18% do crédito rural no Brasil sejam destinados para agricultura familiar, patamar que está abaixo do que o setor contribui para a renda da agricultura brasileira, que é 25%. Para ele, as medidas continuam sendo uma política fundamental para a agricultura brasileira, com juros mais baratos que outros do mercado. O problema é a forma como o crédito rural é distribuído pelos bancos privados e públicos, que tendem a favorecer os grandes e médios agricultores.
"Se quisermos promover a agricultura familiar, ter uma política que a favoreça, deveria ser mais que 25%. É mais dinheiro do que nos anos anteriores, mas ainda a participação da agricultura familiar continua aquém do que ela deveria receber", avalia.
Neste ano, o governo federal destinou R$ 71,6 bilhões em crédito rural para agricultura familiar, volume que é 34% superior ao do ano passado e o maior da série histórica. Ao todo, o crédito rural, somado a ações como compras públicas, assistência técnica e extensão rural, Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), Garantia-Safra e Proagro Mais, resulta em um montante de R$ 77,7 bilhões para a agricultura familiar.
Também haverá redução da taxa de juros, de 5% para 4% ao ano, para quem produzir alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite e ovos, entre outros. Na safra 22/23, os agricultores gaúchos contrataram cerca de R$ 15 bilhões em custeio e investimento no Pronaf. Para a safra 23/24, a projeção da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS) é de que esse montante deva ultrapassar os R$ 19 bilhões.
O engenheiro agrônomo do departamento de Política Agrícola da Fetag/RS, Kaliton Prestes, diz que a diversificação de culturas na agricultura familiar desempenha um papel fundamental na oferta de alimentos, sendo um dos principais pilares da segurança alimentar e nutricional do Brasil.
De acordo com o IBGE, 70% dos alimentos que chegam na mesa dos brasileiros todos os dias são oriundos de propriedades familiares. Por isso, diz ele, investir e fortalecer a agricultura familiar é uma estratégia eficaz para combater a fome e promover uma alimentação saudável.
Outra vantagem é que a produção familiar possibilita reduzir a dependência de alimentos processados e industrializados, melhorar a condição nutricional das pessoas e reduzir as doenças causadas pela má alimentação que atualmente são sérios problemas de saúde pública.
"Além disso, agricultura familiar desempenha um papel crucial no combate à fome, não apenas fornecendo alimentos, mas também gerando emprego e renda no campo e contribuindo para o combate à pobreza rural", acrescenta Prestes.
Outro ponto importante se refere à distribuição de produtos da agricultura familiar para produção da merenda escolar, realizada por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que determina que 30% do valor repassado a estados e municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) devem ser obrigatoriamente destinados para a compra de alimentos da agricultura familiar.
"Porém, isso não acontece como deveria. É necessário reforçar a fiscalização para o cumprimento da lei, e também melhorar a orientação de como fazer as chamadas públicas da compra institucional dos alimentos", assinala Prestes.
 

Da fruticultura à produção de receitas de geleias que esbanjam criatividade

Clair e Biz optaram por se diferenciar apostando em combinações inusitadas de sabores e sua harmonização gastronômica

Clair e Biz optaram por se diferenciar apostando em combinações inusitadas de sabores e sua harmonização gastronômica


/ana terra/arquivo/jc
Que tal uma geleia de figo com aceto balsâmico e manjericão, ou uma de banana com maracujá? Morango com cravo e canela ou laranja com gengibre e canela também podem ser uma boa pedida. Esses são apenas alguns exemplos das receitas criadas pela agricultora Clair Cavalli que esbanja criatividade na hora de produzir as geleias do Sítio das Goiabeiras, agroindústria familiar que ela mantém junto com o marido, Estevão Biz, em Canela.
O casal conta que tudo começou há mais de 30 anos, quando Biz comprou a propriedade que hoje abriga o sítio com a intenção de cultivar frutas. "A atividade com frutas logo se inviabilizou, pois tínhamos um excedente enorme que não conseguíamos comercializar. Foi aí que tivemos a ideia de mudar tudo e começar com a produção das geleias", conta Biz. Só que eles foram além, e resolveram produzir com base nas demandas dos consumidores: geleias diet, com baixos teores de açúcares, além das receitas diferentes, muitas delas surgidas da imaginação dos clientes.
"Fomos visionários e, muito antes da lei que obriga colocar no rótulo a informação de 'alto em açúcares', já reduzimos muito a quantidade nos nossos produtos, sendo que muitos deles contam apenas com o açúcar da fruta", conta Clair. Foi o caso da uva que, neste ano, ficou muito doce devido à seca. A adição de açúcar não ultrapassa os 32% e tem como função conservar as geleias, as quais têm validade de dois anos, livres de conservantes, corantes e estabilizante.
A demanda por uma linha gourmet também foi intensa e levou à criação de dois sabores exóticos: laranja, gengibre e canela para harmonizar com carnes brancas e uva com pimenta para as carnes vermelhas, queijos e embutidos. Biz relata que produz a maioria das frutas que utiliza na confecção das geleias, à exceção da uva e do morango, cujas exigências de cultivo são mais altas.
"Planto de tudo e até umas coisas difíceis de se adaptarem aqui no Sul, como a Mangueira, que neste ano produziu mais de 500 frutos", diz. E o cuidado na produção das geleias começa nos pomares, cujo plantio e colheita são feitos por ele, passa pela cozinha, onde Clair coloca em prática suas receitas e é finalizado com os detalhes dos tecidos que enfeitam as tampinhas dos frascos.
 

Viabilidade dos pequenos depende de tecnologias

Baccarin acredita que a saída está na capacidade pública de validar e transferir as tecnologias de uma maneira mais ampla

Baccarin acredita que a saída está na capacidade pública de validar e transferir as tecnologias de uma maneira mais ampla


josé Giacomo Baccarin/arquivo pessoal/JC
O pesquisador da Unesp Jaboticabal, José Giacomo Baccarin, acredita que os investimentos em tecnologia no campo são essenciais para a viabilidade econômica das propriedades familiares. "Existe uma visão de que na cidade pode ter tecnologia de vanguarda, mas no meio rural a tecnologia tradicional deve ser preservada, o que é um equívoco. Não podemos desprezar os avanços como da genética, por exemplo, que fez aumentar muito a produtividade".
O especialista acrescenta que, há algumas décadas, a assistência técnica e a extensão rural têm sido a política pública e agrícola menos valorizada no Brasil, especialmente no tocante à produção familiar. "Para o grande agricultor isso não é um problema, porque ele tem dinheiro suficiente para contratar assistência técnica e extensão rural. É problema para o pequeno, que não tem verba para contratá-las", pondera.
O pesquisador defende programas fortes tanto de assistência quanto de extensão, usando tecnologias modernas e acessíveis para todos. Baccarin acredita que a saída está na capacidade pública de validar e transferir as tecnologias de uma maneira mais ampla, sempre levando em consideração a questão ambiental.
Para o engenheiro agrônomo do departamento de Política Agrícola da Fegat/RS, Kaliton Prestes, um dos pontos-chave é o aumento do emprego de tecnologia nos sistemas de produção, caso de investimentos em máquinas e equipamentos modernos, como estratégia viável para aumentar a produtividade e reduzir custos.
Prestes diz que o estereótipo do agricultor atrasado está cada vez mais ultrapassado e que a internet e as tecnologias da informação estão cada vez mais presentes nos sistemas produtivos da agricultura familiar. "Os agricultores utilizam recursos online para vender, acessar informações sobre mercado, novas técnicas de cultivo, manejo de pragas e doenças, além de se conectarem com outros produtores e especialistas, compartilhando experiências e conhecimentos", aponta.
 

Cultivo de alho negro é alternativa rentável

Costa relata que a caponata faz grande sucesso na alta gastronomia

Costa relata que a caponata faz grande sucesso na alta gastronomia


/Ana Terra/arquivo/jc
Há mais de 20 anos, a produção de cogumelos shimeji da família Costa vinha se mantendo razoavelmente bem, a comercialização sempre regular, mas parecia que faltava algo para efetivamente alavancar as vendas. E esse algo a mais surgiu do diferente, exótico e inusitado alho negro, oriundo da fermentação do alho comum.
"Tudo começou com meu pai, no início dos anos 2000, meio que errando, meio que acertando, até que tivemos a ideia de acrescentar o alho negro e criar a caponata, que faz grande sucesso na alta gastronomia", afirma o proprietário da agroindústria De Costa, de Monte Belo do Sul, Felipe de Costa.
O produtor conta que tudo começou por acaso, depois de descobrirem a receita para elaboração do alho negro e iniciarem a produção na propriedade, há uns três anos. Depois da produção consolidada, foi a vez de apresentar para os consumidores e usar a criatividade para criar receitas à base da iguaria. "E as feiras são a melhor opção para se ter esse contato com o público, por isso, neste ano, participamos pela primeira vez da Expointer", conta.
Além da caponata, a agroindústria produz outras combinações do alho negro com geleias e mel. A ideia de diversificar e produzir receitas inéditas e peculiares resultou em tanto sucesso que fez aumentar a produção anual de shimeji para 15 mil toneladas e a de alho chega a uma tonelada. Há três anos, a agroindústria foi formalizada e os frutos são colhidos agora, com planos de expansão das vendas para outros estados. O processo de produção da iguaria consiste na fermentação do alho, na qual a acidez vai se convertendo em açúcar, abandonando o paladar marcante do alho convencional. "Ele passa por um período de maturação de três meses, dentro de uma sala com temperatura e umidades controladas", explica.
 

Agroindústrias se tornaram ótimas opções para diversificação

Fabiana relata que 472 municípios têm agroindústrias cadastradas

Fabiana relata que 472 municípios têm agroindústrias cadastradas


/SDR/divulgação/JC
A criação de novidades e o caminho da diversificação na agricultura familiar aparecem em momentos em que é preciso gerenciar crises, mostrar resiliência e se reinventar. Para isso, muitos produtores têm optado por beneficiar e processar a matéria-prima que cultivam para depois comercializá-la, a partir da implantação de uma agroindústria familiar rural.
O extensionista rural da Emater-RS Fernando Schmidt diz que a diversificação vai muito além do plantio, pois engloba a propriedade como um todo e todas as alternativas que estão dentro desse contexto, considerando os potenciais e as vocações de cada família.
"Um exemplo é o turismo rural, que tem sido uma das alternativas para diversificar, em muitos casos, em agroindústrias já consolidadas que enxergam a possibilidade de ampliar oferecendo outros serviços e agregando renda."
A diretora do Departamento de Agroindústria Familiar da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Fabiana Durgant, explica que, por meio do Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf), já foram cadastradas mais de 3,8 mil agroindústrias familiares no Estado, das quais mais de 1,7 mil efetivamente incluídas, ou seja, estão totalmente legalizadas num um tripé socioeconômico e ambiental.
"O programa é o alicerce de toda a caminhada, de toda a trajetória de uma agroindústria para ela se tornar de fato legalizada em questões tributárias, sanitárias e ambientais", explica Fabiana. Ao todo, são 472 municípios com agroindústrias cadastradas ou inclusas no Estado e 300 agroindústrias trabalham com a produção de base ecológica, orgânica ou estão em transição para tal.
Por meio do programa, foi lançado o selo Sabor Gaúcho Orgânico, que demonstra que a agroindústria está legalizada no Peaf e que o produto é de origem orgânica. "Já tínhamos o Selo Sabor Gaúcho, e agora contemplamos os orgânicos como um diferencial a mais para agregação de valor ao produto".
Sobre diversificação produtiva, ela acrescenta que é uma tendência que vai além do produto em si, chegando inclusive nas embalagens, gosto e aromas. "A agricultura familiar é feita de criatividade e resiliência, da geleia de erva-mate e de rosas, passando pela caponata de alho negro com cogumelo shimeji, até as barras de cereal orgânicos", completa a diretora.
 

Estado fomenta realização de feiras para facilitar comércio das agroindústrias

Expointer é um dos principais palcos para que agricultores familiares possam apresentar seus produtos ao público

Expointer é um dos principais palcos para que agricultores familiares possam apresentar seus produtos ao público


/Gustavo Mansur/ Palácio Piratini/JC
Ano após ano, o Pavilhão da Agricultura Familiar na Expointer tem batido recordes de vendas, expositores e público: neste ano, foram comercializados R$ 8,6 milhões em produtos de 372 expositores. Esses resultados reforçam a importância da realização de feiras como opção para que as agroindústrias familiares possam comercializar aquilo que produzem.
De olho nessa tendência, o governo do Estado tem ampliado o número de feiras em todo Rio Grande do Sul. A diretora do Departamento de Agroindústria Familiar da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Fabiana Durgant, diz que os espaços de comercialização da agroindústria familiar são realmente uma forma importantíssima de geração de renda para as pequenas propriedades, pois são um canal curto de comercialização, ou seja, o alimento vai direto das propriedades rurais para a mesa do consumidor.
"Além disso, são espaços que despertam a memória afetiva das pessoas em relação aos alimentos. Quando vão comprar uma geleia, um doce de leite, um queijo, um embutido, isso remete a alimentos que consumiam na casa da avó, na casa dos pais", diz Fabiana. No segundo semestre de 2023, foram realizadas 19 feiras de agricultura familiar no Estado, nas quais foram comercializados R$ 9 milhões, além dos R$ 8,6 milhões da Expointer, ultrapassando os R$ 18 milhões em vendas de produtos da agroindústria familiar do Estado.
"Isso faz girar a economia local e seus respectivos arranjos produtivos, gerando renda aos agricultores". Segundo ela, os novos canais de comercialização também dialogam com a questão da sucessão rural, pois tem aumentado o número de jovens e de mulheres que participam das feiras. "As mulheres têm a característica de querer comercializar diretamente os produtos e os jovens saem das suas propriedades para estudar e voltam cheios de novidades", diz Fabiana.
O extensionista rural da Emater-RS Fernando Schmidt diz que, quando o agricultor tem a agroindústria em sua propriedade, ele percebe a importância da cadeia curta, que é vender o produto processado direto ao consumidor e essa visão, muitas vezes, parte dos jovens. "Podemos até dizer que a agroindústria familiar pode ser vista como uma tecnologia social, pois o empreendimento começa a provocar o diálogo entre os jovens e os pais", acrescenta.
Muitas vezes, esse diálogo se dá pela necessidade de desenvolver a agroindústria e acaba resultando em mudanças até mesmo na questão de sucessão familiar, envolvendo pais e filhos que gerenciam o empreendimento rural. "Sob esse aspecto, a agroindústria aparece como uma ferramenta de desenvolvimento social e econômico", afirma Schmidt.
O especialista acrescenta que a unidade rural familiar também desempenha um papel importante no sentido da inclusão de membros da família, como é o caso dos idosos. "Percebemos que os mais velhos já não conseguem desenvolver suas atividades de rotina dentro da propriedade,
pela questão da saúde ou da limitação. Porém, em unidades em que se tem a agroindústria familiar, esse idoso começa a ver uma outra possibilidade de trabalho e envolvimento na produção", diz.
Então, o trabalho passa a ser feito em atividades que não demandam tanta força, como no processamento dos produtos ao invés de participarem da etapa de campo: plantio, cultivo e colheita. "Ocorre uma nova integração dessas pessoas na rotina da propriedade. Isso faz um bem tremendo à saúde física e mental dos mais idosos", completa Schmidt.
 

*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.