O consenso de que qualquer pessoa com uma arma nas mãos seja capaz de se defender é contestado por Angeli. "As pessoas imaginam que, na intuição, conseguirão agir. Mas é preciso treino e aptidão para manusear uma arma de fogo. Quem não os possui, dificilmente vai fazer algo, ou pior, pode causar danos a si mesmos". O advogado e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) Rocke Reckziegel atribui à vigência do estatuto a preservação de cerca de 30 mil vidas, de acordo com a progressão evidenciada pelo Mapa da Violência. "A arma não dá segurança a ninguém. Ela foi feita para matar, não para defender. Todos os estudos demonstram que, quanto maior o acesso às armas de fogo, maiores são os índices de criminalidade e violência. O bandido não vai se dissuadir do crime só porque a pessoa que vai atacar está armada", comenta.
O promotor do MP-RS discorda dessa visão. Vaccaro concorda que alguns aspectos do projeto de lei são brandos demais, como a intenção de permitir que o registro de posse e porte seja permanente - atualmente, é preciso renová-lo a cada três anos. "É bom que as autoridades competentes tenham contato com a pessoa e que ela responda sempre aos requisitos. Um prazo de três anos é muito curto, mas quem sabe cinco ou dez?", pondera. Vaccaro também discorda da redução da pena do comércio ilegal de armas, fixada em quatro a oito anos, para três a cinco. Quanto à redução da idade mínima de 25 para 21 anos, o promotor ainda não está decidido. "Do ponto de vista legal, se o cidadão de 21 anos comprovar capacidade mental e tiver os documentos necessários, estaria apto. A criminalidade de armas tem maior incidência entre os jovens e também vitima mais jovens. Mas há muito tráfico de armas também. Baixar a restrição para 21 não quer dizer que vai haver mais homicídio, mas tenho minhas dúvidas."
Ainda assim, Vaccaro aponta a diminuição do preço de R$ 60,00 para R$ 50,00 da taxa para obter o registro e a manutenção das penas dos principais crimes relacionados a armas de fogo, como posse e porte ilegal, disparo em via pública e tráfico de armas, como aspectos positivos. O projeto também apresenta uma definição do conceito de porte e do "prazo de validade" do instrumento, considerados válidos pelo promotor. Evidentemente, em um país violento como o Brasil, a sensação de insegurança existe. "É algo muito grave, mas não cabe ao cidadão decidir a prevalência da vida de outra pessoa. Isso pode gerar linchamentos, como o que houve há um ano, no Guarujá, em que uma mulher foi condenada e morta, sem julgamento, quando a comunidade a confundiu com uma pessoa que raptava crianças", argumenta Angeli.
Em maio do ano passado, Fabiane de Jesus foi linchada em Guarujá, no litoral de São Paulo. A foto dela foi divulgada nas redes sociais junto a um boato que a associava à utilização de crianças em rituais de magia negra. Ela foi agredida até a morte. Cinco pessoas foram presas pelo crime.
Reckziegel considera que a alteração do estatuto é um retrocesso. "As mortes ocorrem mais entre a faixa etária dos 15 aos 29 anos, e vamos armá-los? Vamos colocar lenha na fogueira em vez de reduzir o número de homicídios. Quanto mais jovem, mais audaciosa é a pessoa. Além de crimes, vemos acidentes, crimes de paixão, suicídios, tudo com arma de fogo. Todos eles só ocorrem porque há, de fato, uma arma de fogo à mão", defende. Para o advogado, a tentativa de revisão da lei está ligada ao lobby da indústria de armamentos.