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Publicada em 26 de Janeiro de 2025 às 20:31

Reconstrução do RS não termina em 2025, diz deputado Marcon, coordenador da bancada gaúcha

A partir de fevereiro, Dionilso deixará a coordenação da bancada gaúcha

A partir de fevereiro, Dionilso deixará a coordenação da bancada gaúcha

Fotos: THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Bolívar Cavalar
Bolívar Cavalar Repórter
Diante do ano mais desastroso para o Rio Grande do Sul na história recente, a partir das cheias que atingiram o Estado em maio, o coordenador da bancada gaúcha na Câmara de Deputados em 2024, Dionilso Marcon (PT), teve o desafio de organizar ações parlamentares para mitigar as perdas humanas e materiais no momento mais sensível da catástrofe. Deputado federal em quarto mandato, Marcon conta nesta entrevista ao Jornal do Comércio as dificuldades enfrentadas, que foram desde o acesso ao RS com o fechamento do Aeroporto Salgado Filho até as disputas políticas travadas entre prefeituras, o Piratini e o Palácio do Planalto.
Diante do ano mais desastroso para o Rio Grande do Sul na história recente, a partir das cheias que atingiram o Estado em maio, o coordenador da bancada gaúcha na Câmara de Deputados em 2024, Dionilso Marcon (PT), teve o desafio de organizar ações parlamentares para mitigar as perdas humanas e materiais no momento mais sensível da catástrofe. Deputado federal em quarto mandato, Marcon conta nesta entrevista ao Jornal do Comércio as dificuldades enfrentadas, que foram desde o acesso ao
RS com o fechamento do Aeroporto Salgado Filho até as disputas políticas travadas entre prefeituras, o Piratini e o Palácio do Planalto.
Como parlamentar petista e aliado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Marcon aborda a relação do governo federal com o do Rio Grande do Sul, especialmente no âmbito dos anúncios realizados pelo Planalto para a reconstrução do Estado. "O governo anunciou, mas alguma coisa ainda deixou para entregar. Por quê? A burocracia", afirma o parlamentar, que também diz que os esforços no Congresso para a recuperação do RS ainda não encerraram e não irão terminar em 2025. Com o retorno aos trabalhos na Câmara a partir de 1º de fevereiro, após recesso, Marcon deixará a coordenação da bancada gaúcha nas mãos de Marcelo Moraes (PL).
Jornal do Comércio - Como foi assumir a responsabilidade de comandar a bancada gaúcha no contexto das cheias?
Dionilso Marcon (PT) - Primeiro, assumimos a bancada com o propósito de, a cada ano, trocar a coordenação. Eu recebi da mão da Any Ortiz (Cidadania) na época, e essa questão de um ano (por coordenador) tem que ser mantida. Em segundo lugar, tínhamos um planejamento de trabalho que nós já estávamos tocando, mas no final de abril, início de maio, a vida foi outra, totalmente diferente. Virou um pandemônio a vida da gente particular, quase abandonando o mandato para cuidar das ações do Rio Grande do Sul. E assim era pauta atrás de pauta, eram reuniões e reuniões online. A dificuldade de ir a Brasília, porque não tinha aeroporto. Audiências em Brasília houve semanas em que tivemos duas ou três, principalmente com ministros da Casa Civil, da Reconstrução, da Saúde, do Transporte, dos Aeroportos, da Defesa Civil. Eu tinha reunião todas as semanas com a equipe da Defesa Civil, que é excelente. E eu sou o coordenador da bancada; ou tu vai, ou não ajuda. E a outra coisa também era discutir as pautas que tinham que ter nas regiões e municípios, algo que outros deputados também faziam, mas tinha que arrumar transporte. Então eu ia na Casa Civil, arrumava um avião e dizia pro Covatti Filho (PP): "Olha, coordene quem vai viajar de avião". Isso porque, na minha opinião, líder é o coordenador que distribui tarefas para os outros. Não é só para a gente, mas também para os outros. O Alceu Moreira (MDB) era o nosso coordenador adjunto, mas trabalhou como coordenador. Então foi muito trabalho, e eu peço desculpas para a população gaúcha se eu não consegui corresponder como gostariam.
JC - Apesar das dificuldades, acredita que a bancada fez tudo que estava ao seu alcance?
Marcon - Os deputados e senadores podem ter divergências políticas, mas quando nos reuníamos era para discutir o Rio Grande. Este é o papel da bancada. O desespero era tão grande que muitas vezes os deputados não tinham passagem para voltar. Teve deputado que levou 24 horas para chegar em Brasília. Tiveram vezes que arrumamos carona com um avião do exército às 2h30 da manhã para chegar em Porto Alegre.
JC - O que o Congresso está fazendo e ainda pode fazer para ajudar na reconstrução do RS?
Marcon - Nós ainda temos muita coisa para fazer. Existem algumas questões, como a dos recursos necessários para reconstruir o Rio Grande, e vão aparecer. E tem as questões dos diques e da moradia popular, porque ainda tem muita gente que precisa ser contemplada. Há também escolas que estão sendo reconstruídas, além de questões burocráticas. Então tem muita coisa ainda que vai aparecer, e tenho certeza que não termina em 2025.
JC - E quanto aos investimentos para obras de proteção da Região Metropolitana de Porto Alegre, como a bancada tem acompanhado?
Marcon - Sim, o projeto que prevê a liberação de R$ 6,5 bilhões para a construção dos diques. Eu vejo que essa questão está na mão do Estado, e aqui eu falo do Estado, não falo do governador. O nosso estado é muito burocrático e devagar. Eu tenho medo que esse dinheiro, em cinco anos, não vai ser gasto. E tem que fazer uma programação, envolver as universidades nas discussões, porque a Ufrgs, as universidades do Rio Grande do Sul, têm comitês que ajudam a discutir isso. Tem que fazer os diques, na minha opinião, pensando o conjunto da região. Não dá para achar que vai ajudar uma cidade e afetar outra, então, tem que ser programado e estudado.
JC - Como a bancada pode trabalhar para que o impacto das cheias não caia no esquecimento em Brasília?
Marcon - A primeira coisa é a sociedade se manter mobilizada, porque o político age também quando é lembrado. Temos que cuidar das pautas relacionadas às enchentes tanto em Brasília como no governo do Estado, que também recebeu um volume grande de recursos do governo federal. Como vamos fazer para investir e executar esses recursos? Não adianta liberar em Brasília e não chegar na ponta. Os R$ 6,5 bi para os diques, por exemplo, como vão ser executados? Na questão do desassoreamento temos que ver qual é o papel dos municípios, o do Estado e o da União. Me parece que nas enchentes quem assumiu tudo isso foi o governo federal.
JC - No pós-cheias, houve disputas políticas entre prefeituras, o governo do RS e o governo federal, principalmente quanto aos anúncios de recursos da União. Como observa?
Marcon - Se fazem anúncios políticos, mas para operar aquele anúncio leva tempo, para executá-los na ponta. Então, o governo anunciou, mas alguma coisa ainda deixou para entregar. Por quê? A burocracia. E acho que os nossos políticos têm que deixar de lado as questões partidárias e as vontades para (as eleições de) 2026. Eu usei várias vezes a Câmara Federal para agradecer o apoio que nós tivemos, tanto do povo gaúcho, quanto do mundo inteiro. Mas eu acho muita pequenez transformar tudo em disputa eleitoral em um momento de tragédia. Não só os governos, como também alguns parlamentares.
JC - Então a justificativa para a demora na liberação de recursos é a burocracia?
Marcon - Sim. O governo liberou mais de R$ 100 bilhões para o Rio Grande do Sul se reconstruir. Entendeu também que a calamidade pública e situações emergenciais, principalmente na parte rural, foram a mesma perda. Isso porque alguns técnicos diziam que iriam atender somente a calamidade pública. E entramos firmes na tese de que a calamidade pública e a emergência, para quem perdeu, eram a mesma coisa. Então também entramos nessa questão para atender os endividamentos do meio rural, que se tratou da mesma forma.
JC - Outro assunto sensível ao RS é a dívida com a União. Há posições de que a dívida já foi paga. A bancada debate isso?
Marcon - A nossa dívida já foi paga várias vezes. Essa é a minha opinião. E outra, tem a Lei Kandir, que isenta o produto do agronegócio que é exportado, principalmente a soja, e o governo federal deve ao Rio Grande do Sul algo próximo de R$ 90 bilhões. A nossa dívida está em torno de R$ 100 bilhões, então, teríamos que fazer um encontro de contas. Nós devemos e vamos pagar, mas também temos que receber. Não é porque eu sou do partido do Lula que eu não vou defender o meu estado. No tempo do governo (José Ivo) Sartori (MDB), quando era a Dilma (Rousseff, PT) a presidente, ele ia lá negociar. Quando foi o Michel Temer (MDB), ele parou de negociar. Não podemos fazer disputa político-partidária, e sim o encontro de contas.
JC - O Congresso tem travado um embate com o ministro do STF Flávio Dino no âmbito da liberação de emendas Pix. Como tem acompanhado?
Marcon - Há exagero nos dois lados, mas ultimamente o Flávio Dino tem razão. Tu pega o que a gente vê na imprensa sobre o Arthur Lira (PP-AL) liberar milhões de reais para Alagoas, sendo que o dinheiro é público. E outra, tu libera dinheiro para os municípios, e eles não executam aquilo que está no acordo. Então, também tem problema na ponta com os prefeitos. O que eu acho? A emenda Pix é muito importante manter, porque tem uma agilidade muito grande por não passar por ministérios. O que tem que ser feito em primeiro lugar? É saber para onde vai, qual o objeto que será executado e qual o valor. Falta transparência, e por isso que o Flávio Dino tem razão. E o Parlamento tem que legislar. Hoje tem muito mais recursos o Congresso Nacional do que o presidente Lula, o Executivo. É uma vergonha. A porta está escancarada e aí se perde o controle. Então, precisamos ter fiscalização, mas eu defendo que as emendas Pix permaneçam, porque a agilidade é muito maior. E a fiscalização do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público e dos órgãos que têm que fiscalizar, isso é essencial.
JC - No ano passado, a bancada gaúcha indicou as emendas que receberão R$ 528 milhões em 2025. Qual é a situação do encaminhamento desses recursos?
Marcon - Desses R$ 528 milhões, mais ou menos 30% será para a saúde. Também tem equipamentos para a segurança pública, para a assistência social, e em algumas obras de infraestrutura, principalmente em estradas. Nós recebemos mais de 130 solicitações de emendas. Queríamos fazer, nos meses de maio e junho, na Assembleia Legislativa do RS, um debate sobre as emendas, mas não conseguimos. Depois, ouvimos mais de 100 entidades para receber as demandas dos municípios, das entidades, das universidades, dos hospitais. A maior demanda é na área da saúde, que vai receber, em uma emenda só, cerca de R$ 180 milhões.
JC - Neste ano o coordenador da bancada gaúcha será Marcelo Moraes (PL), que, ao contrário do senhor, é oposição ao governo. Lula Como avalia?
Marcon - Quando eu assumi no lugar da Any Ortiz, o chefe de gabinete me passou todas as informações, e quando eu precisava de informações eu ligava para ela. Vamos fazer o mesmo com o Marcelo Moraes. Quando se aceita ser coordenador, tem que saber o que irá encontrar pela frente. Eu tenho relação com todo o governo. Tivemos uma reunião urgente com o ministro dos Portos e Aeroportos, que conseguimos agendar de um dia pro outro. Vale o mesmo para o Ministério do Transporte, para o da Agricultura. O custo que ele vai ter de ser coordenador é de ser oposição ao governo. Mas eu vou manter a minha palavra de entregar o cargo, porque o acordo foi feito para cumprir. Se a bancada achar outra coisa, é a bancada que vai discutir, não eu.
JC - Depois das eleições de 2024, houve a avaliação interna no PT de que o resultado não foi bom. O que acredita que deve ser feito para o partido retomar forças no Estado?
Marcon - Como há muitas fake news, a imprensa batendo para cá e para lá, e uma parte da nossa militância, que não tinha informação, ficou escondida e teve medo de defender o projeto. Eu acho que o PT tem que voltar a dizer quem é o PT, e a não ter vergonha da nossa história. Acho que falta isso. Se somar o que nós tivemos (nas eleições de 2024), não foi só derrota. Nós já ganhamos aqui o governo do Estado com Olívio Dutra e Tarso Genro, mas nós tínhamos meia dúzia de prefeituras. E a direita não quer deixar o PT governar, porque o PT, quando governa, faz bem pro povo, e eles têm medo que o povo vire sujeito dessa história. Então, eu defendo que o PT tem que fazer bons debates e voltar a fazer aquilo que o PT sempre fez: defender os pequenos e aqueles que mais precisam. O partido também tem que fazer o debate da transparência. E nós precisamos aprovar na Câmara Federal o projeto das fake news. Não dá para o Nikolas Ferreira (PL) dizer que o governo vai taxar o Pix, que não tinha nada disso. Isso se transforma em um problema para o Brasil inteiro. Então tem que ser aprovado esse projeto da regulamentação das fake news, porque não dá mais essa 'mentiragem' em nível nacional.
JC - Acredita, então, que o PT se afastou de suas raízes?
Marcon - Quando tu é governo, facilita tudo. Muitos acham que só trazer dinheiro e não falar com o povo resolvem os problemas. Resolve, mas tem que organizar a população.
JC - O senhor já foi deputado estadual, e agora é deputado federal no quarto mandato. Pretende concorrer em 2026? Almeja outros cargos?
Marcon - Se o PT quiser, eu estou disponível para concorrer a deputado federal. A minha corda é só até aí, não é mais para frente.
 

Perfil

Dionilso Marcon é deputado federal gaúcho em quarto mandato. Entrou na política como agricultor assentado. Nasceu em Rondinha (RS), em 1964, e havia sido deputado estadual por três mandatos (1999-2010) antes de chegar ao Congresso Nacional. Marcon tem participação junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e é militante pela reforma agrária. Em 2024, assumiu a coordenação da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, função que deixará em fevereiro.

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