O PDT vive um momento de reafirmação. A polarização personificada em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) na política nacional dos últimos anos provocou instabilidade entre partidos de centro-esquerda à centro-direita.
Com o PDT não foi diferente. O novo presidente estadual da sigla, Romildo Bolzan Júnior, retorna ao posto que ocupou entre 2008 e 2014, com o objetivo de reposicionar a legenda perante à sociedade e recuperar espaços perdidos pelo partido.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o dirigente pedetista avalia os cenários estadual e nacional na perspectiva da disputa das eleições municipais do ano que vem.
Jornal do Comércio - Quais têm sido as prioridades do primeiro mês à frente do partido?
Romildo Bolzan Júnior - Temos feito um diagnóstico claro daquilo que a gente tem pelo Estado inteiro. Depois de um mês, já começamos alguns roteiros, algumas visitas, alguns acompanhamentos mais próximos e a preparação para eleição. O PDT vai ter como meta, em primeiro lugar, manter a representatividade que a gente tem. São em torno de 70 prefeitos, 70 vice-prefeitos, assim como 700 vereadores. Estamos vivendo uma certa reorganização visando às eleições, os diretórios municipais estão muito voltados para até ampliar essa representatividade. Eu vejo uma perspectiva boa, embora tenhamos muito trabalho a fazer.
JC - Percebe diferenças práticas do PDT de hoje em comparação ao antigo mandato?
Bolzan - Bastante. Está menor em relação àquilo que era antes. Perdeu receitas, perdeu quadros. Estamos numa situação politicamente na busca de reafirmação, de colocar o partido numa posição importante. Embora tenhamos posições muito claras no cenário estadual e nacional, o partido precisa também estabelecer algumas situações de discussão direta com a sociedade. Estamos em posição de buscar espaços perdidos. Essa é a verdade. Estamos com a autoestima mais baixa.
JC - Por que acredita que o partido perdeu espaço?
Bolzan - Diminuímos nosso nível de representação parlamentar, que afeta a estrutura de financiamento de campanha. Buscamos espaço onde o partido possa ser melhor contemplado no Interior. De certa forma, algumas brigas internas geraram desestabilização dos nossos quadros. Hoje, estamos consolidados, mas precisamos aguardar a janela de março para ver o que efetivamente vai acontecer.
JC - Teme perder quadros na janela partidária?
Bolzan - A gente vai ganhar e vai perder, como todos os partidos.
JC - Sobre eleições 2024, em qual cidade o parido não pode deixar de ter cabeça de chapa?
Bolzan - Grandes e médias cidades. Em grandes centros, como Guaíba, onde exista uma conglomeração metropolitana, acima de 80 mil ou 90 mil habitantes. Lugares estratégicos, que são capazes de movimentar cidades vizinhas.
JC - Onde já há nomes consolidados?
Bolzan - Reeleição em Santo Ângelo. Na eleição em Ijuí, também vamos com grande possibilidade de vitória. Em Santa Maria, estamos com uma perspectiva boa com a candidatura do Paulo Burmann. Temos uma candidatura boa também em São Borja. Em Guaíba tem o (Marcelo) Maranata. Temos regiões-polos, não tão populosas, como Osório. A conjuntura local vai nos levar a uma boa possibilidade.
JC - Boa possibilidade de concorrer?
Bolzan - Pequeníssima. Quase nenhuma. Na Região Metropolitana, em São Leopoldo temos acordo, talvez tenha candidaturas em Sapucaia. Caxias do Sul também é uma cidade extremamente importante nesse contexto. Vamos trabalhar muito para ter candidaturas fortes nessas cidades.
JC - Qual será o posicionamento em Porto Alegre?
Bolzan - A Capital tem algumas características diferentes. Em primeiro lugar, tem uma questão nacional, que envolve, vamos dizer, um acordo geral de partidos envolvendo eleições de capitais de estado. O PDT está discutindo. Pode compor ou ter candidatura própria. A tendência, hoje, internamente, é de candidatura própria através da Juliana Brizola e do Vieira da Cunha. São nomes que estão postos. Fora isso, podemos participar de uma frente de centro-esquerda.
JC - Por que o PDT tem tido dificuldade em performar bem em campanhas majoritárias?
Bolzan - Na eleição nacional, tivemos 10% dos votos com Ciro Gomes. Não havia um cenário de polarização política tão intenso como tem agora. Esse cenário de polarização, de certa forma, criou uma condição de afastamento das candidaturas mais ideologicamente de centro-esquerda. Criou dois polos, um da direita e um da esquerda. Bolsonaro ou Lula. Essa situação se transmitiu de uma maneira até grotesca do ponto de vista político. Se não estava com Lula, parecia que estava traindo a esquerda. Se não estava com Bolsonaro, parecia que estava traindo a direita. Como se não houvesse candidaturas de leques próximos. Isso excluiu do processo político todas as discussões de partidos alternativos, que têm vieses ideológicos próximos, mas que foram completamente excluídos.
JC - Na Capital, a ideia é se posicionar no polo de centro-esquerda?
Bolzan - Sim, acho que nós devemos ficar no polo de centro-esquerda.
JC - O partido é base do governo estadual de Eduardo Leite (PSDB). Em Porto Alegre, não vai se aproximar do PSDB?
Bolzan - Não. No momento, não vejo essa possibilidade.Não somo tão próximos. E eles têm uma tendência de candidatura própria porque o (Nelson) Marchezan (Júnior) foi o último prefeito. E principalmente porque, se tiveremos que estar próximos, vamos estar próximos do (Sebastião) Melo (MDB).
JC - Existe a possibilidade de o PDT compor com o Melo?
Bolzan - Acho que não estamos nesse campo político. Acho que não vamos nos orientar para uma candidatura que possa apoiar o prefeito Melo. A candidatura própria, nesse caso, seria muito mais viável.
JC - A posição do PDT no campo ideológico é muito debatida. Nesse mês à frente do partido, houve conversas dessa natureza?
Bolzan - Já tivemos conversa com o PT. Ainda essa semana eu vou ter conversas com o próprio governo (do Estado) para tratar de questões absolutamente administrativas e fica por aí. Nós tivemos conversa com o PT e já tivemos uma visita do PSB. Estamos discutindo com algumas situações desta natureza. Primeiro, estamos consolidando nosso processo interno. Depois vamos consolidar a abertura de leques. A discussão dos grandes centros e, principalmente, em Porto Alegre passa muito pelo acordo nacional. Eu não sei qual é que vai ser a posição do PSOL, não sei qual é que vai ser a posição do PSB, mas a nossa tendência pode ser uma reedição de uma orientação política próxima do PSB aqui no Rio Grande do Sul. Acho que estamos muito próximos, já que existe essa possibilidade de uma união Nacional, aqui também se reproduzir isso. Acho que é o campo que podemos estar mais próximo.
JC - A proximidade com PSB seria um acordo para eleição ou se discute uma federação nacional?
Bolzan - Eu conversei com o (Carlos) Lupi (presidente nacional) sobre isso, e ele entendeu que nesse momento, a federação talvez não seja o melhor caminho. Mas seria um pacto de convivência bastante alinhado e próximo para que não se desfaça, até mesmo mais adiante, a possibilidade de uma unificação partidária.
JC - O tom da convenção do PDT não parece ser refletido na prática, com muitas manifestações em relação à privatização da Corsan e a participação no governo Leite. Como é esse choque entre a base do partido e a atuação parlamentar?
Bolzan - O acordo passou muito por uma questão parlamentar, por um debate do partido naquela oportunidade em função da não existência de um diretório estadual, havia uma comissão provisória, que decidiu pela participação no governo do Estado. O PDT não abriu mão da discussão do debate da Corsan. Fez até o último momento, até que não teve mais solução. A única coisa que ainda daria para preservar seria um debate para a não venda do Banrisul, e o PDT condicionou dessa maneira. Somos contra a venda desses ativos, somos contra a venda da CEEE e fomos contra a venda da Corsan. No restante, são fatos consumados.
JC - Pessoalmente defende que a base do partido na Assembleia Legislativa faça adesão à CPI da Corsan?
Bolzan - Não vejo problema e nem ameaça em relação a isso. Não teria nenhuma dificuldade de encaminhar um debate interno para uma orientação da bancada no sentido de fazer isso. A bancada tem posição clara de ser contra porque é um processo que ela entende como esgotado, terminado. Se tiver uma situação bem fundamentada, que possa ser objeto de anulação, eu traria essa discussão para o partido.
JC - Ao tomar posse, afirmou que o PDT tem uma pequena participação no governo Leite.
Bolzan - Pequena.
JC - No sentido de que busca maior participação?
Bolzan - Era uma constatação que se tinha e cada vez mais confirmo isso. O acordo passa muito mais por uma questão parlamentar, mas o PDT não participa de nenhum núcleo de governança. Nenhuma esfera de decisão.
JC - Tem secretaria.
Bolzan - Tem secretaria, mas não participa do núcleo duro do governo. Nós já participamos, não há. O núcleo duro é propriamente do Palácio do Piratini.
JC - Por que não há participação maior nesse governo? Qual a diferença para José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018), por exemplo?
Bolzan - Chegamos depois, né? Chegamos bem depois e ideologicamente constrangidos. Precisamos ter essa noção muito clara. O apoio que o PDT dá é muito mais por conta da Assembleia, do apoio parlamentar, do que propriamente uma questão ideológica partidária.
JC - O senhor sente que o núcleo duro do governo Leite é mais fechado do que do governo Sartori ou Tarso Genro (PT, 2011-2014)?
Bolzan - Eu participei só do governo Tarso e posso te dizer que era bem amplificado. Do Sartori, eu não participei de absolutamente nada, mas pelos relatos que me passaram havia uma situação de participação. Nesse governo, por certeza absoluta, não há núcleo que o PDT participe.
JC - Como a base do partido enxerga a relação do PDT com o governo Lula?
Bolzan - O trabalhismo em geral sempre tem partidos muito divididos. Uma coisa são as questões locais do RS e os grupos políticos que se formam, mas não tem uma unidade. Fora Brizola, que transformou isso numa unidade muito profunda. Fora disso, o PDT sempre se divide nas eleições presidenciais. Nunca conseguiu reproduzir o voto do tamanho do partido que é. Temos gente que votou no Lula, gente que votou no Ciro Gomes e gente que votou no Bolsonaro. Para nós, esse é um momento encerrado. O que importa agora é ter foco nas eleições municipais. Deixamos esse debate um pouco de lado. Semana passada eu estive em cidades do Interior e houve cobrança, inclusive no sentido de estar no governo Lula. Mas é uma decisão nacional. Acho que é muito mais fácil estar no governo Lula do que estar no governo Bolsonaro. Isso seria impossível. Mas cada pessoa tem o seu ponto de vista e essa média política que o partido tem é uma média majoritária, de um partido de centro-esquerda, com posições que existem, mas não são influenciadoras nesse momento.
JC - Uma adesão maior ao governo Lula pode ser negociada em eventuais conversas nacionais para apoio em cidades-chave no Brasil?
Bolzan - Sim. Temos aqui com o PT, no RS pelo menos, a possibilidade de fazer uma avaliação para ver os municípios que podemos estar juntos. Fazer uma espécie de ranking. A nível nacional, vai acontecer com vários partidos, não apenas com PT. Todo mundo vai acabar debatendo com PSOL, PSB, PCdoB. Inclusive com partidos de direita - às vezes, administrativamente, se compõe. Sempre levo em conta que, quando o Brizola foi governador do Estado, se aliou ao PRP. Em um determinado momento, nós tivemos uma aliança com PDS. Sem se confundir, nem se intrometer nos outros partidos, o PDT de vez em quando faz alianças com partidos de direita.
JC - Para 2026, o PDT pretende retomar o protagonismo no RS?
Bolzan - Sim. Acho que temos que trabalhar e mobilizar nossa estrutura de representatividade municipal e levar o partido a uma conjuntura que possa estabelecer as condições de viabilidade para aumentar a bancada federal, aumentar a bancada estadual e ter candidato ao governo. Mas candidaturas competitivas e viáveis, que a gente possa trabalhar de uma maneira bem mais consolidada.
Perfil
Romildo Bolzan Júnior é advogado, graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Na política, estreou como vereador de Osório, eleito em 1982. Em 1989, tornou-se vice-prefeito da cidade. Em 1993, elegeu-se prefeito de Osório. Em 2004, foi eleito prefeito pela segunda vez e reeleito em 2008, completando assim três mandatos à frente do Executivo municipal. Filiado ao PDT desde a fundação do partido, exerceu diversos cargos na direção partidária. Foi presidente estadual de 2008 a 2014, quando precisou renunciar ao cargo para concorrer à presidência do Grêmio. A ligação entre Romildo e o Grêmio começou ainda na infância. Tinha apenas três anos quando o pai Romildo Bolzan o associou ao clube, em 1963. Em 1990, passou a integrar o Conselho Deliberativo e também o Conselho Consultivo do clube. No biênio 2013/2014, foi vice-presidente do Grêmio, na gestão Fábio Koff. Em outubro de 2014, foi eleito presidente do Grêmio para o biênio 2015/2016, com 6.398 votos (71,4%), posto que ocupou até novembro de 2022. Em setembro de 2023, voltou à presidência estadual do PDT, eleito em convenção partidária por consenso.


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