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Reverter privatização da Corsan é possível, diz Geraldo Da Camino
Há 15 procurador-geral do Estado, Geraldo Da Camino deixará comando do MP de Contas
O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Da Camino, deixará o comando do cargo após 15 anos. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Da Camino relembra os principais momentos à frente do cargo e também fala sobre as ações mais recentes do MP de Contas, principalmente em relação ao processo de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan).
Enquanto a câmara técnica do Tribunal de Contas do Estado (TCE) não julga o mérito do processo que analisa o cálculo feito para valuation da companhia, vendida em leilão para o grupo Aegea por R$ 4,1 bilhões em dezembro de 2022, Da Camino avalia que há espaço para a reversão do processo.
Jornal do Comércio - Após 15 anos à frente do MP de Contas, o que destacar ao longo da carreira?
Geraldo Da Camino - O importante de registrar é que estes 15 anos decorreram da lei anterior, que estruturou a carreira de uma forma, com um cargo de procurador e três adjuntos de procurador, que fizeram com que o que tem o cargo de procurador fosse o chefe da instituição, necessariamente. No final de 2022, depois de 11 anos de tramitação de três projetos de lei, nós obtivemos a aprovação, pela Assembleia, de um novo modelo, instituindo mandato de alternância na chefia. Entendíamos que este era o modelo mais republicano e democrático. É o coroamento de um longo processo. Acredito que seja um trabalho progressivo - não é pessoal, é institucional -, e foi possível, com o apoio dos colegas, ao longo desse período, intensificar a atuação conjunta com os demais órgãos de controle. Diria que esse talvez seja o principal legado: intensificar a atuação conjunta com a Polícia Civil, com a Polícia Federal, com o MP do Estado, com o MP Federal, permitindo então que esta sinergia de esforços resulte em benefício da sociedade, que é para quem nós trabalhamos.
JC - Por que tomou a decisão de deixar o comando do MP de Contas?
Da Camino - É uma questão de coerência. Passei 11 anos nos gabinetes dos deputados defendendo a alternância do poder. Não faria sentido, agora, quando existe a possibilidade jurídica de implementar esta alternância, se eu quisesse concorrer, me apresentar como um nome para tanto. Fora isso, a questão republicana em si. A oxigenação, a renovação é importante.
JC - Com a paridade de votos e tempo de carreira, a ordem da lista tríplice foi definida pela posição no concurso?
Da Camino - Exato. A antiguidade é a mesma, já que o ingresso deles foi simultâneo, e o critério de desempate é a classificação no concurso. Como são três candidatos elegíveis e três as vagas na lista, e como temos a sorte de termos colegas capazes e sérios, não haveria porque um de nós deixar de votar nos outros três. Por isso, todos os três elegíveis têm quatro votos.
JC - Acredita que, neste cenário, o governador Eduardo Leite (PSDB) vai se sentir mais à vontade para escolher entre um ou outro da lista tríplice, ou deve respeitar a ordem, indicando a primeira da lista?
Da Camino - Sou um defensor da lista tríplice. Mas tenho que reconhecer que, se é dada ao chefe do Executivo a atribuição de escolher um dos integrantes da lista tríplice, ele não é adstrito à ordem da classificação. Acredito que a ordem da lista seja tão mais decisiva quanto maior seja a diferença de votos, que não é o caso, já que os três têm a mesma votação. Mas essa é uma decisão política, e não me cabe questionar.
JC - O MP de Contas recentemente tem tido destaque, principalmente em relação aos processos de privatização. Acredita que esse seria o momento correto para fazer a troca na chefia?
Da Camino - Não se trata do momento correto, é o momento que a lei determina. Não é um juízo de valor que eu deva fazer. E quanto à atuação ter sido mais intensa, até diria que houve períodos de atuação mais intensa e essa não é uma opção. É uma questão de demanda. Em determinados momentos históricos, há uma demanda maior pela atuação MP do que em outros.
JC - E quais momentos foram mais intensos nesses 15 anos?
Da Camino - Logo no início, talvez. Em 2008, 2009. Uma conjunção de elementos, até um pouco de eu assumir, mas em consequência da Operação Rodin, uma operação conjunta do MP de Contas, do MP Federal, da Polícia Federal, principalmente, além de outros órgãos de controle, e que produziu desdobramentos inclusive no âmbito do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Logo que eu assumi, recebemos informes, a partir da Polícia Federal, que levaram a que eu representasse em relação ao então presidente do TCE. Então este foi um momento bastante intenso. Logo em seguida também teve uma denúncia em relação à casa da governadora (Yeda Crusius, PSDB, 2007-2010), que também produziu uma representação do MP de Contas.
JC - Como avalia todo o imbróglio jurídico que se tornou o processo de privatização da Corsan?
Da Camino - Não vou fazer um juízo sobre o processo que está ainda em andamento. A posição do MP de Contas está muito clara dentro do processo nas peças que produziu. Houve uma representação no MP de Contas, no ano passado, que redundou, na medida cautelar, em suspender o processo. E ela tem um embasamento muito claro, que é a divergência quanto ao valuation da companhia, calcada principalmente nas dúvidas levantadas quanto à atual cobertura de esgoto hoje no Estado, e a relação disso com o montante necessário de investimentos para que se atinja o Marco Legal de 90% de esgoto tratável em 2033, este é o ponto. O julgamento na Primeira Câmara não foi concluído. O que ocorreu foi uma suspensão da medida cautelar, por decisão do presidente (do TCE, Alexandre Postal). Neste período em que foi suspensa a cautelar, foi assinado o contrato, os atos foram praticados, mas o processo não está concluído no TCE e, em tese, pode haver uma decisão da Primeira Câmara que produza alguma reversão no caso, ainda que sujeito a recurso ao pleno do TCE.
JC - Então o senhor foi contra a queda da liminar que permitiu a assinatura do contrato?
Da Camino - Sim. Entendo que ela foi contrária ao regimento interno.
JC - É possível que haja alguma reversão no processo de privatização da Corsan?
Da Camino - Em tese, é possível. É possível que a decisão da câmara, se for de acolhimento ao voto da relatora (Ana Cristina Moraes), que determina exatamente isso, que seja anulado o leilão. No entanto, não ignoramos que o regimento do TCE prevê que os recursos quanto às decisões da câmara tenham efeito suspensivo. Então, supondo-se que, se a Primeira Câmara assim determinar, abre recurso por parte das partes que dispõem da decisão, e enquanto o plenário não julgar este recurso, a decisão não tem executoriedade imediata.
JC - Acredita que a decisão do pleno, que corroborou a decisão do presidente Postal e determinou a queda da liminar, pode antecipar o voto deste mesmo pleno em relação ao mérito do processo?
Da Camino - É um raciocínio válido. Mostra uma tendência. Mas, em qualquer tribunal, os julgadores podem mudar de ideia conforme os argumentos que se apresentam. Não é algo que impeça o recurso, nem que torne o julgamento desnecessário. As questões serão novamente discutidas, embora haja uma tendência.
JC - Na questão de valuation, e sobre as dúvidas levantadas quanto à real cobertura de esgoto no Estado, é possível realizar uma auditoria para verificar se o cálculo está correto?
Da Camino - É possível, verificando todos os insumos que levaram àquele cálculo. Esse cálculo não é uma abstração, ele se baseia em dados concretos. O que nós questionamos desde o início é se os dados concretos apresentados estão corretos ou não. Este é o ponto.
JC - O senhor se posicionou, representando o MP de Contas, contra a aprovação das contas do governador referentes ao ano de 2021. O que baseou seu posicionamento?
Da Camino - Basicamente os mesmos motivos que me levaram, nos últimos 14 anos, em relação a vários governadores, a opinar desta forma: o não atingimento dos índices constitucionais em educação e saúde. Fora uma série de outros apontamentos, dos mais variados, mas esses são os principais índices. Mais do que isso: não apenas o não atingimento, mas a não apresentação de um plano de ação para o atingimento gradual. Ninguém espera que de um dia para outro seja possível chegar ao índice desejado, mas no mínimo o Estado deve sinalizar um caminho a tomar para atingir isso.
JC - Se os governos tivessem respeitado esse mínimo constitucional, a saúde e a educação estariam em um outro patamar?
Da Camino - Acredito que esse seria um fator importante, certamente, assim como acredito que se o TCE e os órgãos de controle tivessem ainda maior vigor, ao longo de décadas, no controle das contas públicas, talvez a situação do Estado estaria melhor. Acho que precisamos evoluir em relação aos índices, que desempenham um papel importante para a destinação de recursos. Há várias críticas, mas devemos evoluir para indicadores. Em determinados momentos, ao longo do tempo, pode ser que investir 12% ou 15% seja muito, e em outros casos será pouco. Para definir se é muito ou pouco temos que saber aonde queremos ir. Quais são os indicadores a atingir? Na educação, o que é? É taxa de analfabetismo, é desempenho escolar? Como mensurar isso? É importante que se faça uma análise qualitativa e não apenas quantitativa.
JC - Outro tema que o MP de Contas teve destaque recentemente foi a questão do Parque Harmonia, pedindo uma auditoria, e as obras foram paralisadas.
Da Camino - O que paralisou as obras foi uma decisão judicial, de uma ação popular. O MP de Contas pediu uma auditoria para verificar se deveria ou não ser expedida uma cautelar para paralisar as obras. Essa decisão ainda não ocorreu, está para análise pela área técnica.
JC - O que motivou o MP de Contas a pedir essa auditoria?
Da Camino - As denúncias que recebemos de vereadores e de organizações não-governamentais. Como é uma matéria bastante técnica, não achei que havia elementos para, de imediato, pedir a suspensão, por isso pedi auditoria e a verificação - o TCE tem auditores engenheiros, especialistas nas mais diversas áreas, que poderiam garantir se isso está ou não correto. Aguardaremos agora a avaliação da auditoria.
JC - O senhor recorda alguns outros momentos marcantes à frente do MP durante estes 15 anos, além da Operação Rodin?
Da Camino - Foram diversas operações, não apenas essa. A operação Cartola - em relação à prefeitura, em 2011 -, antes disso a Operação Mercari - sobre a área publicitária do Rio Grande do Sul -, e outras tantas. Mas fora isso o dia a dia no tribunal. O TCE inspeciona, fiscaliza 497 municípios - prefeituras e câmaras de vereadores -, toda a administração estadual. Então, temos uma atuação bastante intensa, porque cada processo do TCE tem a opinião do MP de Contas, e não apenas esta atuação reativa, de opinar, sobre o que o TCE faz, mas a atuação proativa - de representar, de pedir cautelar, de recorrer -, também consome bastante da energia do MP de Contas. Recebemos, quase que diariamente, denúncias da sociedade. Queremos crer que isso provém de uma legitimidade que se granjeou perante a sociedade pela atuação do MP de Contas. Recebemos parlamentares, organizações não-governamentais, pessoas, cidadãos, que trazem matérias abertas ao controle. Também destaco a atuação em defesa das cotas raciais nos concursos públicos. Foi com recurso nosso que mudamos a jurisprudência no tribunal que não permitia as cotas raciais.
JC - Acredita que o papel do MP de Contas mudou, evoluiu, nesses 15 anos?
Da Camino - Sim. Certamente há 20, 30, 40 anos era um órgão muito mais opinativo, e hoje, além de ser um órgão opinativo, é um órgão proponente - provoca a jurisdição de contas. É um perfil que vem sendo alterado ao longo dos anos.
JC - Daqui para frente, o que pode evoluir na sua atuação?
Da Camino - A evolução necessária é no rumo da autonomia administrativa e financeira. O MP, embora tenha independência funcional, depende dos meios fornecidos pelo TCE para a concepção das suas atividades. O caminho para o aperfeiçoamento das ações do MP de Contas passa pela sua autonomia. A necessidade de ter serviços auxiliares promovidos mediante concurso, o aumento do quadro de procuradores. Somos quatro procuradores para 497 municípios, inclusive a Capital, e toda a administração estadual.
JC - Essa autonomia pode ser buscada, da Assembleia Legislativa, na formulação de uma lei?
Da Camino - Sempre pela via legislativa. Estamos trabalhando em uma minuta de projeto de lei para que, em conjunto com o TCE - espero que este seja o entendimento também dos conselheiros -, possamos em breve remeter o projeto à Assembleia Legislativa.
Perfil
Geraldo Da Camino é procurador-geral do Ministério Público de Contas desde 2008 e atua no Ministério Público de Contas desde 2000. É pós-doutorando em Controle Externo na Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mestre em Direito e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Ufrgs. Atua como membro efetivo e avaliador do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi). Integra ainda o Conselho Catedrático do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE). Possui extensão em Investigação econômica e financeira (2003) pela École Nationale de la Magistrature à Paris (França). Também é ex-professor substituto de Direito Financeiro e de Direito Previdenciário (2003-2005) na Ufrgs e ex-procurador federal do Instituto Nacional do Seguro Social (1997-2000). Deve deixar o cargo de procurador-geral do Estado no final de setembro.