Marcos Quadros
Avalizado por uma vitória acachapante, Donald Trump toma posse para seu mandato como 47º presidente dos EUA. Trata-se de um retorno emblemático ao poder que pode afetar muitas questões atuais. Assim, é fundamental compreendermos os valores que Trump representa.
Antes de tudo, Trump tece laços com a "América Profunda", cujos sentidos vão além das áreas interioranas onde recebeu enorme votação. Evoca o modo de vida tradicional dos americanos, uma visão de mundo familista, religiosa, patriótica, comunitarista, zelosa pelos costumes locais, pela liberdade das ideias, pela livre iniciativa, pelo rigor da lei.
Nasce daí uma aversão ao cosmopolitismo e ao espírito mesmo da pós-modernidade. O que se busca proteger é a identidade americana historicamente forjada, em tese ameaçada pela imigração recente. A cultura Woke, diversitária e progressista, é rechaçada, apostando-se antes em bandeiras como união nacional e valorização da herança ocidental e cristã.
Mas o trumpismo é hostil ao establishment em si, propondo rupturas que serviriam às pessoas comuns. Eis o populismo, empregado a fim de criar uma ligação direta entre o povo e o líder, prescindindo das instituições e das elites que as ocupam (não é à toa que Trump recebeu 6,6% dos votos no Distrito de Columbia, o centro do poder nos EUA).
Apela-se à supremacia do cidadão em face do Estado. O indivíduo toma as decisões e o Estado interfere o mínimo possível também na economia, como no liberalismo de Locke.
Por outro lado, o mercado interno é priorizado, o que explica o protecionismo e o renome de Trump entre os white trash, os perdedores de uma globalização que gerou zonas decadentes nos EUA (o caso de Detroit é sintomático). É o America First, que tem reflexos decisivos também na política externa.
Por fim, vale destacar que o fenômeno supera Trump e compõe um movimento: a chamada "nova direita". Dadas as particularidades de cada caso, temos Bolsonaros, Mileis, Orbáns, Melonis e novos partidos antissistema espalhados pelo mundo, muitos deles com considerável êxito eleitoral.
Desconfio que se as elites instituídas continuarem a não oferecer respostas assertivas às demandas postas, a nova direita tende a seguir prosperando.
Cientista político e gestor acadêmico na Estácio