Eduardo Jordão
Recente estudo empírico que coordenei sobre as 29 agências estaduais brasileiras concluiu: a promessa de independência dessas entidades em relação ao poder político está longe de ser cumprida.
Recente estudo empírico que coordenei sobre as 29 agências estaduais brasileiras concluiu: a promessa de independência dessas entidades em relação ao poder político está longe de ser cumprida.
Criadas há três décadas, paralelamente a retração da intervenção direta do Estado na economia, as agências reguladoras prometiam-se independentes por supostamente pairarem equidistantes aos interesses do governo, do mercado e dos usuários dos serviços concedidos à iniciativa privada. A independência funcionava como mecanismo essencial para atrair a iniciativa privada a investir na infraestrutura nacional: correspondia a um compromisso de não interferência nos direitos dos investidores, a despeito dos interesses eleitorais dos governantes de turno, para a qualificação dos serviços públicos aos usuários.
A realidade tem sido toda uma outra coisa. São múltiplos os sinais de que as agências funcionam sob influência do poder político. De acordo com o estudo, 59,34% dos dirigentes das agências já haviam passado por outros cargos públicos. 30% dos dirigentes são filiados a partidos políticos. 1/3 dos dirigentes abandona o seu mandato antes do fim.
Os dados, que revelam uma realidade já preocupante, deveriam servir de alerta num momento em que governantes ameaçam novos avanços sobre essas entidades. No âmbito federal, o governo acena com propostas para (i) criar um órgão supervisor das agências e (ii) eliminar o escalonamento dos mandatos dos seus dirigentes.
No âmbito estadual, o PL 365/24, enviado há pouco pelo Palácio Piratini à Assembleia Legislativa, duas mudanças propostas (para pior) na Agergs chamam a atenção. A primeira desmonta uma originalidade gaúcha: hoje, apenas três dos sete conselheiros são indicados pelo governador; os outros são indicados por servidores da agência, concessionários, consumidores e pelos conselhos regionais de desenvolvimento. O governo quer ampliar o seu próprio número para 5 e quer eliminar a indicação feita pelos servidores da agência. Aumenta o número de dirigentes tendencialmente sujeitos à interferência política, ao tempo em que diminui o número tendencialmente técnico - a boa prática recomendaria justo o inverso.
A segunda substitui o corpo jurídico da agência, que sempre foi independente, à Procuradoria-Geral do Estado. Esta alteração tende a gerar dois graves problemas. De um lado, permite ao poder político maior ingerência sobre a atuação da agência. Sendo o direito frequentemente tão indeterminado, é problemático que a interpretação das possibilidades jurídicas de atuação da agência seja realizada por entidade vinculada ao governo. Haveria espaço não negligenciável para imposição de caminhos por meio da mera interpretação jurídica. De outro lado, compromete a imparcialidade necessária da agência para arbitrar conflitos entre os concessionários e o Estado. No caso de pleitos realizados à agência pelo parceiro privado contra o Estado, é preocupante que o aconselhamento jurídico da agência caiba ao advogado do próprio Estado.
Como se vê, as mudanças vão na direção contrária ao que seria desejável para atrair investimentos para o Rio Grande do Sul, em momento tão sensível. A boa notícia é que ainda dá tempo de evitá-las.
Professor da FGV Direito Rio. Doutor pelas Universidades de Paris e de Roma. Mestre pela USP e pela LSE. Foi pesquisador visitante em Harvard, Yale, MIT e Institutos Max Planck