Entre a Campanha e a Fronteira Oeste estão algumas das maiores áreas de plantio de soja atualmente no Rio Grande do Sul. Dados de 2023 mostram que Dom Pedrito, na Campanha, registrou a maior área plantada do Estado, com 160 mil hectares (5,6% a mais do que no ano anterior), e também o maior volume colhido de soja gaúcha, com 367,5 mil toneladas.
Entre os 10 municípios com maior produção da soja, quatro já são das duas regiões. Um avanço produtivo que, durante muito tempo, conflitou com a vocação da região na pecuária. Áreas de pasto, pela rentabilidade, deram lugar à lavoura de soja.
Uma realidade que, a partir de pesquisa da Embrapa, tem mudado e garantido ganhos em qualidade e preço aos pecuaristas. É o caso do Francisco Guimarães Silveira, na sua Estância das Acácias, em Aceguá, na Campanha Gaúcha, que desde 2009 começou a experimentar a produção integrada entre a soja e a pecuária em uma mesma área.
"Começou como uma alternativa, porque estávamos enfrentando problemas com uma espécie invasora no pasto, que precisava ser controlada. A soja, além de representar uma nova renda, poderia limpar o solo. Hoje, temos garantido maior ganho de peso no novilho e ainda os recursos da safra de soja, são duas rendas no ano", conta o produtor.
A produção integrada, neste caso, significa, resumidamente, que, enquanto acontece a safra da soja, o gado está em outra área de pasto. E antes que a safra seja colhida, já é plantado no mesmo solo um novo pasto. O resultado é a garantia de cobertura de solo, rotatividade e a entrada do gado para uma área já coberta pelo novo pasto.
Segundo Silveira, antes da integração, o período de primavera/verão era a temporada de ganho de peso dos animais. Depois, havia perda de peso durante o inverno.
"Parou o efeito sanfona no gado, e isso representa maior qualidade na carne que vamos produzir. Hoje, tenho conseguido ganhar uma média que chega a 800 gramas por animal anualmente, e a nossa meta é chegar a 1 quilo. Considerando a relação de peso por hectare, antes não chegávamos, no ano, a garantir 90 quilos por hectare. Hoje, chega a 300 quilos por hectare no inverno", explica Francisco Silveira.
Tradicionalmente, a propriedade fazia o ciclo completo do gado até o abate. Hoje, a Estância das Acácias se especializou na engorda e na venda de novilhos jovens, com até dois anos. Uma especialização que, garante o produtor, só foi possível com a melhora do pasto.
A propriedade compra o terneiro devidamente rastreado e se encarrega do trato até o envio ao frigorífico. Economicamente, em média, o produtor garante estar ganhando em torno de 10% a mais no preço do novilho após toda a transformação na sua produção. Metade deste ganho é resultado da relação entre gordura e idade do animal.
Somente em Aceguá, conforme o IBGE, em 2023 o rebanho chegava a 105,5 mil cabeças de gado. Entre a Campanha e a Fronteira Oeste, justamente onde estão as maiores áreas de plantio de soja, está concentrado um terço do rebanho gaúcho, com pouco mais de 4 milhões de animais. O maior rebanho é concentrado em Alegrete, com 572,8 mil cabeças, um volume que tem se mantido estável nos últimos anos.
"Os produtores da região já começam a adotar algumas melhorias no manejo do solo para essa integração, com a rotação mais curta entre a soja e o azevém. Temos desenvolvido pesquisas para garantir, geneticamente, grãos de soja adequados ao solo trabalhado pelo gado. É algo que leva um pouco mais de tempo para desenvolvimento, por isso, a integração por enquanto tem garantido maiores ganhos na pecuária, no peso dos animais e uma estabilidade na soja", aponta o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, Naylor Perez.
Ele comanda nos últimos três anos o projeto Integra Pampa a partir do campo experimental de 300 hectares da entidade em Bagé, em uma parceria com a Associação dos Agricultores da Campanha (Agricampanha), que conta com mil produtores da região. Um ciclo, como comenta Perez, ainda curto, mas já possível para demonstrar que há uma relação ganha-ganha nesta integração, que é feita com grãos, mas também avança na relação entre o plantio florestal e a pecuária.
"Há uma
perspectiva de avanço na silvicultura nesta região do Estado, então, temos desenhado sistemas para preservar áreas de pasto nessas propriedades, unindo a produção florestal à do gado, com sistemas de longo prazo. Estamos avaliando materiais arbóreos e árvores que se adaptam melhor. A presença do gado pode, inclusive, aumentar a fertilidade desse solo", diz o pesquisador.
A estimativa é de que em até 50% das áreas produtivas na Campanha já se adota algum tipo de integração. E há potencial, assegura Naylor Perez, para ampliar muito mais. Além dos ganhos econômicos, essa relação entre o gado e os grãos ou a floresta pode render aos produtores locais mais pontos no desenvolvimento de uma marca conceito para a carne de baixo carbono.
"Especialmente na relação com a floresta, o impacto ambiental do gado é neutralizado localmente. Por isso, temos avançado na pesquisa para termos o gado entre as árvores, e não somente próximos aos maciços florestais", aponta.
E se para o Francisco Silveira, que era pecuarista, a integração com a soja lhe garantiu ganhos no gado e na renda, o avanço da integração enfrenta uma necessidade de mudança cultural na relação inversa: dos produtores de soja em relação ao gado. Por ser uma região de expansão da cultura da soja, boa parte das lavouras do grão são arrendadas em propriedades locais e de responsabilidade de produtores que não são familiarizados com a cultura da pecuária.
"É um processo de mudança de cultura. Encontrar um meio termo para que eles entendam a vantagem da integração. Porque não é só a pecuária que ganha. Por exemplo, o pecuarista extensivo vê, muitas vezes, no arrendamento de área para a soja uma oportunidade, mas o que verificamos é que, sem a integração, até mesmo as áreas possíveis de plantio da soja são subutilizadas. É possível avançar sem reduzir a área do gado, com o manejo adequado e com ganhos ao solo", avalia o especialista.
Maiores áreas por município
Dom Pedrito 160 mil hectares (1º no RS)
São Gabriel 136 mil hectares
(3º no RS)
Alegrete 100 mil hectares
(7º no RS)
São Borja 98 mil hectares
(8º no RS)
Santana do Livramento 75 mil hectares (13º no RS)
Maiores produções
por município
Dom Pedrito 367,5 mil toneladas (1º no RS)
São Gabriel 262,4 mil toneladas (2º no RS)
Santana do Livramento 180 mil toneladas (7º no RS)
Santa Vitória do Palmar 173,5 mil toneladas (10º no RS)
Rosário do Sul 162 mil toneladas (12º no RS)
Os maiores rebanhos
por município
Alegrete 572,8 mil cabeças
(1º no RS)
Santana do Livramento 528,8 mil cabeças (2º no RS)
Uruguaiana 368,1 mil cabeças (3º no RS)
Dom Pedrito 330,4 mil cabeças (4º no RS)
Rosário do Sul 311,7 mil cabeças (5º no RS)
Quaraí 254,05 mil cabeças
(6º no RS)
Bagé 243,1 mil cabeças
(7º no RS)