O processo de revisão dos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDUs) de sete dos municípios do Vale do Taquari está sendo uma oportunidade de repensar o planejamento urbano de maneira integrada e participativa. É o que apontam os condutores desse processo na Universidade do Vale do Taquari (Univates), que lidera a tarefa em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do RS (Sedur), e com a participação ativa dos municípios envolvidos: Arroio do Meio, Colinas, Cruzeiro do Sul, Encantado, Estrela, Muçum e Roca Sales.
O investimento de R$ 3,1 milhões traz o trabalho de uma equipe multidisciplinar com mais de 40 profissionais vinculados à Univates, entre arquitetos, engenheiros, advogados, geólogos e especialistas em participação social. Também há o envolvimento de professores, alunos e ex-alunos da universidade, além de representantes de entidades civis, como sindicatos, associações comerciais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e conselhos profissionais da região.
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O primeiro passo técnico - o projeto teve início no segundo semestre de 2024 - foi a elaboração do zoneamento de risco, dividindo as áreas das cidades em quatro classificações: sem risco, de baixo risco, de médio risco e de alto risco. Esse mapeamento tem o objetivo de subsidiar decisões sobre infraestrutura, habitação, mobilidade urbana e uso do solo.
O projeto tem prazo de 20 meses e está estruturado em diferentes etapas. A fase atual corresponde ao desenvolvimento dos novos PDDUs com base nos diagnósticos realizados anteriormente, que mapearam as áreas atingidas por alagamentos e deslizamentos de terra. A próxima etapa, prevista para agosto, prevê o aprofundamento das audiências públicas em todos os municípios envolvidos, tanto em zonas urbanas quanto em áreas rurais, como forma de assegurar a escuta da população local sobre os rumos desejados para o planejamento urbano de suas cidades.
"Não podemos simplesmente reconstruir as cidades como eram antes", afirma Marcelo Airoli Heck, arquiteto e urbanista que coordena a parte técnica do projeto, ao lado da professora Jamile Weizenmann, coordenadora institucional. "É preciso reorganizar o território com base em critérios técnicos, participação popular e sustentabilidade, para que as próximas gerações tenham cidades mais seguras e preparadas para os impactos climáticos", pontua.
De acordo com Heck, o desafio é propor alternativas viáveis para situações distintas, respeitando as especificidades locais. "Não há uma única solução para todos os municípios. Algumas áreas vão precisar de reassentamento, outras podem ter soluções técnicas paliativas", afirma.
A revisão dos planos considera também a necessidade de reconfiguração de bairros inteiros e a criação de áreas públicas com capacidade de absorção de água, como os chamados parques lineares e zonas esponja. Esses espaços têm função estratégica para atenuar os efeitos de eventos climáticos extremos, facilitando o escoamento das águas e reduzindo os impactos de cheias.
As versões finais dos Planos Diretores devem ser entregues às prefeituras em novembro deste ano e, posteriormente, encaminhadas às Câmaras de Vereadores. Até março de 2026, serão concluídos estudos complementares sobre mobilidade urbana, parcelamento do solo e habitação.
União entre os municípios e participação popular pretendem fortalecer o projeto
Marcelo Arioli Heck e Jamile Weizenmann são os coordenadores técnico e institucional do projeto na Univates
/LIVIA ARAUJO/ESPECIAL/JCUm dos aspectos centrais do projeto é o incentivo à participação comunitária. Além das audiências públicas previstas, as etapas de diagnóstico incluíram oficinas com diferentes grupos da sociedade civil, com destaque para a diversidade de perfis ouvidos — desde crianças em idade escolar até moradores idosos das zonas rurais.
Coordenadora institucional do projeto pela Univates, Jamile Weizenmann destaca que a intenção é incorporar propostas que expressem os anseios reais dos moradores. "Queremos construir planos que tenham a cara de cada cidade, mas que também dialoguem com a região como um todo".
Segundo Weizenmann, essa é uma iniciativa inédita no Estado em termos de abrangência e metodologia. "É a primeira vez que sete municípios trabalham coletivamente, com a mesma equipe técnica, alinhando diretrizes regionais sem perder de vista as peculiaridades locais. Isso é um diferencial importante do projeto."
A abordagem regional considera, por exemplo, a dinâmica de deslocamento da população, que muitas vezes vive em uma cidade e trabalha em outra, além das conexões logísticas e das dependências econômicas entre os municípios. Essa interdependência orienta parte das decisões sobre mobilidade, estrutura viária e desenvolvimento socioeconômico, salienta a coordenadora.
Processo de atualização considera características de cada território
Em Roca Sales, discussão trata sobre realocação de pessoas atingidas
/TÂNIA MEINERZ/JCApesar da coordenação integrada, os sete municípios apresentam diferentes cenários e desafios, reforçam os coordenadores. Encantado e Estrela, os maiores do grupo, enfrentam demandas relacionadas à verticalização e à habitação social, enquanto Muçum e Roca Sales, altamente atingidos pelas enchentes, discutem a definição de vetores sustentáveis de crescimento e realocação de populações vulneráveis.
Colinas, município de menor porte, busca soluções que garantam a permanência dos jovens no campo e valorizem sua identidade ligada à agricultura familiar. Já Arroio do Meio, com ocupação mais dispersa, concentra sua atenção em conflitos de uso entre zonas urbanas e rurais. Cruzeiro do Sul possui vasto território e potencial para crescer de forma ordenada, buscando preservar áreas mais seguras para expansão.
O planejamento urbano passa também por propostas como a melhoria da permeabilidade do solo, a previsão de sistemas de drenagem urbana e a adoção de soluções baseadas na natureza. A verticalização de áreas urbanas e a flexibilização do Código de Obras são instrumentos que estão sendo debatidos para permitir construções mais seguras e compatíveis com as novas demandas climáticas.
A experiência de Blumenau (SC), que passou a conviver com inundações após eventos climáticos extremos, foi uma das referências analisadas pela equipe técnica e vem sendo citada pelos gestores municipais como um exemplo positivo. A cidade austríaca de Viena também foi citada como modelo em políticas públicas de habitação e gestão comunitária. A Univates mantém parceria com a Universidade Técnica de Viena, o que tem possibilitado a troca de experiências em planejamento urbano e sustentabilidade.
Outro ponto recorrente no trabalho é a preocupação com a evasão populacional. O impacto das enchentes, somado à falta de infraestrutura adequada em algumas localidades, tem provocado o deslocamento de moradores para outros centros. Weizenmann destaca que o desafio é manter as pessoas em seus territórios de origem, garantindo condições dignas de vida, mobilidade e acesso a serviços básicos.