A declaração final do G20 foi recebida com otimismo por apoiadores do multilateralismo na governança global - a assinatura em consenso indicou pautas prioritárias para o grupo, entre elas a transição energética, o financiamento climático e o combate a fome. A consolidação do pacto da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo Brasil e assinada em conjunto por todas as partes foi, entre outras, vitória diplomática para o país anfitrião, protagonista no avanço da temática.
A cúpula ocorreu, no entanto, sob expectativa que prioridades estabelecidas em 2024 possam perder espaço no próximo ano, com a volta de Donald Trump no governo dos Estados Unidos. Conhecido pela sua oposição a fóruns multilaterais e políticas de governança global, o republicano indica, desde a sua última campanha, a intenção de retirar os EUA de tratados e grupos que trabalham com temas como a crise climática, entre eles o Acordo de Paris.
O economista e professor de Relações Internacionais da ESPM de São Paulo, Roberto Uebel fala sobre o tema e analisa como a volta de Trump para o cenário internacional pode mudar os rumos das relações internacionais dos próximos anos.
Jornal do Comércio - Qual o papel do multilateralismo na governança global?
Roberto Uebel – O multilateralismo define as agendas das relações internacionais e o dia a dia do que acontece no mundo, até os efeitos práticos no nosso cotidiano. O que está na prateleira do supermercado, digamos assim. Ele é papel das instituições multilaterais e dos fóruns multilaterais na definição das relações internacionais. Então hoje, por exemplo, o G-20, o Brics, a própria ONU, a Organização Mundial do Comércio, o Mercosul, são instituições e fóruns multilaterais que vão definir temas sobre questões comerciais, ambientais e econômicas – regulação de vários temas, como governança digital, questões climáticas. Esses fóruns têm um peso muito grande porque é um momento que os países têm de o chefe de estado, chefe de governo, se encontrarem e buscarem construir consensos.
JC - Como é possível construir consensos entre países e blocos com realidades e agendas tão diferentes?
Uebel – Pela boa e velha diplomacia, pela negociação. Todo o consenso é uma vitória num jogo em que ambos os lados ganham. Por exemplo, no [Acordo de Paris] de 2015 muitos países tiveram que fazer concessões para chegar ao consenso. Muitas vezes os países têm que acabar cedendo algum tipo de posicionamento, algum tipo de preferência, para que atenda a todos os interesses.
Cada país obviamente tem os seus interesses a nível internacional, em termos de comércio internacional e que necessitam buscar este equilíbrio. O consenso, nesse caso, pode até ser um sinônimo de equilíbrio – o equilíbrio de agendas, de pautas. Essa busca constante pelo equilíbrio não é algo fácil, mas é possível.
Roberto Uebel – O multilateralismo define as agendas das relações internacionais e o dia a dia do que acontece no mundo, até os efeitos práticos no nosso cotidiano. O que está na prateleira do supermercado, digamos assim. Ele é papel das instituições multilaterais e dos fóruns multilaterais na definição das relações internacionais. Então hoje, por exemplo, o G-20, o Brics, a própria ONU, a Organização Mundial do Comércio, o Mercosul, são instituições e fóruns multilaterais que vão definir temas sobre questões comerciais, ambientais e econômicas – regulação de vários temas, como governança digital, questões climáticas. Esses fóruns têm um peso muito grande porque é um momento que os países têm de o chefe de estado, chefe de governo, se encontrarem e buscarem construir consensos.
JC - Como é possível construir consensos entre países e blocos com realidades e agendas tão diferentes?
Uebel – Pela boa e velha diplomacia, pela negociação. Todo o consenso é uma vitória num jogo em que ambos os lados ganham. Por exemplo, no [Acordo de Paris] de 2015 muitos países tiveram que fazer concessões para chegar ao consenso. Muitas vezes os países têm que acabar cedendo algum tipo de posicionamento, algum tipo de preferência, para que atenda a todos os interesses.
Cada país obviamente tem os seus interesses a nível internacional, em termos de comércio internacional e que necessitam buscar este equilíbrio. O consenso, nesse caso, pode até ser um sinônimo de equilíbrio – o equilíbrio de agendas, de pautas. Essa busca constante pelo equilíbrio não é algo fácil, mas é possível.
Podemos esperar um esvaziamento de instituições multilaterais, afirma professor
Roberto Uebel/Arquivo Pessoal/Divulgação/JC
JC - Tu acreditas que o multilateralismo saiu fortalecido do G20?
Uebel – Foi uma vitória histórica para a diplomacia brasileira construir a declaração do Rio de Janeiro. Teve China, Rússia, Estados Unidos, todos os 41 países que estavam no G2 assinaram a declaração. Mas a gente tem que entender o que vem depois. O papel aceita tudo, né? Essa declaração é uma vitória, um marco para a diplomacia brasileira, mas daqui dois meses terá um novo governo nos Estados Unidos, que será 180 graus oposto. Então, talvez tenha essa vigência muito curta de dois meses, porque a partir de janeiro, muito provavelmente os Estados Unidos não vão seguir o que foi decidido em consenso pelo próprio G20. E se os Estados Unidos não seguem, tu tens um efeito cascata. Por que a China precisa cumprir? Por que a Rússia precisa cumprir? Se a maior potência econômica e militar do mundo não vai. O governo Trump é um governo protecionista, é um governo muito fechado, nacionalista, que não dá margem para o multilateralismo – assim como os governos de extrema-direita em vários países. O próprio Milei na Argentina, os governos ultranacionalistas na Europa. Cada vez mais tem se afastado do multilateralismo, que está perdendo espaço, justamente por causa da ascensão desses governos ultranacionalistas.
JC - Qual a perspectiva para os acordos recém firmados no G20, como a Aliança Contra a Fome, e temas como a mudança do clima, com a volta de Trump no governo dos EUA?
Uebel - Podemos esperar uma fragmentação do multilateralismo e da própria multipolaridade, ou seja, um esvaziamento destas instituições, um esvaziamento destes consensos. E no caso climático ambiental, tudo se leva a crer que o governo de Trump vai deixar novamente o Acordo do Clima de Paris. E que [os Estados Unidos] não terão comprometimento assertivo com as pautas climáticas ambientais. O que significa isso? Cada país vai decidir se cumprirá ou não. Esse é o recado que os Estados Unidos darão para o mundo a partir de janeiro. Claro, a gente olha muito para o Trump em campanha, o primeiro governo Trump.
JC - Como é possível não perder de vista acordos e pautas de interesse global, quando há recusa de um país? Há como avançar decisões sem o apoio dos Estados Unidos?
Uebel - Vemos uma preocupação muito grande dos países da União Europeia, principalmente com relação ao comportamento dos Estados Unidos. Três pontos principais: primeiro, teremos uma pressão muito grande da União Europeia para que os Estados Unidos não abandone completamente estes compromissos; segundo, eu vejo que a China também tem sido muito pragmática, o próprio Presidente Xi Jinping disse que espera que o presidente Trump esteja aberto ao diálogo. Um terceiro elemento são estes fóruns multilaterais laterais como os Brics. Como acaba ganhando o Trump, e naturalmente podemos esperar um afastamento de uma agenda multilateral, e por consequência do próprio Brasil, eu vejo que esse terceiro elemento é justamente um fortalecimento dos Brics, talvez até em substituição do G20 como principal fórum multilateral de decisão de temas de governança global.
JC - Qual a perspectiva para a presidência do G20 de 2026, com Trump?
Uebel - Isso depende de uma série de fatores. Primeiro, como é que vai ser a política externa do Trump; segundo, até que ponto os europeus e a China conseguirão exercer algum tipo de pressão no governo Trump; terceiro, como é que serão as midterms – as eleições de meio período nos Estados Unidos em 2026, se os republicanos continuarem liderando a câmera e o senado. Pelo contexto atual, há um enfraquecimento do G20 desde agora. Acho que a gente vai sentir saudades do G20 e do Rio de Janeiro, que talvez tenha sido o último grande momento deste multilateralismo global. Porque se Trump não dá nem relevância nem importância para a Otan, que é a organização militar, imagina para o G20 que representa praticamente tudo aquilo que ele combate em campanha.
Uebel – Foi uma vitória histórica para a diplomacia brasileira construir a declaração do Rio de Janeiro. Teve China, Rússia, Estados Unidos, todos os 41 países que estavam no G2 assinaram a declaração. Mas a gente tem que entender o que vem depois. O papel aceita tudo, né? Essa declaração é uma vitória, um marco para a diplomacia brasileira, mas daqui dois meses terá um novo governo nos Estados Unidos, que será 180 graus oposto. Então, talvez tenha essa vigência muito curta de dois meses, porque a partir de janeiro, muito provavelmente os Estados Unidos não vão seguir o que foi decidido em consenso pelo próprio G20. E se os Estados Unidos não seguem, tu tens um efeito cascata. Por que a China precisa cumprir? Por que a Rússia precisa cumprir? Se a maior potência econômica e militar do mundo não vai. O governo Trump é um governo protecionista, é um governo muito fechado, nacionalista, que não dá margem para o multilateralismo – assim como os governos de extrema-direita em vários países. O próprio Milei na Argentina, os governos ultranacionalistas na Europa. Cada vez mais tem se afastado do multilateralismo, que está perdendo espaço, justamente por causa da ascensão desses governos ultranacionalistas.
JC - Qual a perspectiva para os acordos recém firmados no G20, como a Aliança Contra a Fome, e temas como a mudança do clima, com a volta de Trump no governo dos EUA?
Uebel - Podemos esperar uma fragmentação do multilateralismo e da própria multipolaridade, ou seja, um esvaziamento destas instituições, um esvaziamento destes consensos. E no caso climático ambiental, tudo se leva a crer que o governo de Trump vai deixar novamente o Acordo do Clima de Paris. E que [os Estados Unidos] não terão comprometimento assertivo com as pautas climáticas ambientais. O que significa isso? Cada país vai decidir se cumprirá ou não. Esse é o recado que os Estados Unidos darão para o mundo a partir de janeiro. Claro, a gente olha muito para o Trump em campanha, o primeiro governo Trump.
JC - Como é possível não perder de vista acordos e pautas de interesse global, quando há recusa de um país? Há como avançar decisões sem o apoio dos Estados Unidos?
Uebel - Vemos uma preocupação muito grande dos países da União Europeia, principalmente com relação ao comportamento dos Estados Unidos. Três pontos principais: primeiro, teremos uma pressão muito grande da União Europeia para que os Estados Unidos não abandone completamente estes compromissos; segundo, eu vejo que a China também tem sido muito pragmática, o próprio Presidente Xi Jinping disse que espera que o presidente Trump esteja aberto ao diálogo. Um terceiro elemento são estes fóruns multilaterais laterais como os Brics. Como acaba ganhando o Trump, e naturalmente podemos esperar um afastamento de uma agenda multilateral, e por consequência do próprio Brasil, eu vejo que esse terceiro elemento é justamente um fortalecimento dos Brics, talvez até em substituição do G20 como principal fórum multilateral de decisão de temas de governança global.
JC - Qual a perspectiva para a presidência do G20 de 2026, com Trump?
Uebel - Isso depende de uma série de fatores. Primeiro, como é que vai ser a política externa do Trump; segundo, até que ponto os europeus e a China conseguirão exercer algum tipo de pressão no governo Trump; terceiro, como é que serão as midterms – as eleições de meio período nos Estados Unidos em 2026, se os republicanos continuarem liderando a câmera e o senado. Pelo contexto atual, há um enfraquecimento do G20 desde agora. Acho que a gente vai sentir saudades do G20 e do Rio de Janeiro, que talvez tenha sido o último grande momento deste multilateralismo global. Porque se Trump não dá nem relevância nem importância para a Otan, que é a organização militar, imagina para o G20 que representa praticamente tudo aquilo que ele combate em campanha.