Nas últimas semanas, 24 famílias foram citadas para retirada pela CEEE Equatorial na Vila Nossa Senhora Aparecida e na Vila São Borja, no bairro Sarandi, onde moram há quase 50 anos. No local, estão situadas mais de 1 mil famílias, e cerca de 70 residem em suposta área de alta tensão da rede elétrica da empresa de energia.
Segundo a Associação Comunitária Nossa Vila Aparecida (Aconvi), apesar da moradia confirmada há 48 anos, a empresa não apresentou no novo processo, até a publicação desta matéria - quinta-feira, 25 de setembro -, qualquer alternativa de negociação, realocação ou apoio às comunidades da Vila São Borja e da Rua do Povo.
A busca pela retirada das famílias do local não é nova, e já foi tentada há cerca de 20 anos pela CEEE, quando ainda era estatal, e em outras ocasiões pela gestão da Equatorial, mas não foi levada adiante. Neste ano, a CEEE Equatorial indicou que o processo de reintegração de posse é motivado pela área de risco aos moradores e por inviabilizar a adequada manutenção do sistema elétrico.
Diante da ação de despejo, lideranças comunitárias se reuniram para discutir a necessidade de intervenção do Ministério Público e da Defensoria Pública pela ampla defesa das famílias, que estão em situação vulnerabilidade socioeconômica e não apresentam recursos para residência em outra localidade.
Segundo Nelsa Inês Fabian Nespolo, costureira, relações públicas da Aconvi e presidente da Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens), a Defensoria foi procurada para que a ação seja contestada. "O que não queremos é que as pessoas com menos poder aquisitivo, com situação mais difícil, sejam retiradas. [Elas] tem uma vida construída aqui. É difícil você aceitar, mesmo que colocado em outro lugar, se afastar de tudo que construiu dentro de uma comunidade", explica. "[As famílias] estão aqui há 48 anos, desde que a vila surgiu. Tem pessoas que nasceram já quando as famílias estavam morando embaixo da rede. E, inclusive, a CEEE, e depois a Equatorial, acabaram regularizando [a moradia] no sentido de estender luz - eles têm conta de luz, inclusive."
Para Rafael Pedro Magagnin, defensor público responsável pelo caso, será elaborada uma peça defensiva baseada na situação das famílias da região e será pedido um estudo do nível de risco das linhas de transição de alta tensão da CEEE Equatorial. Se constatado o risco, serão delimitadas alternativas para a segurança das famílias, como mitigação ou retirada do risco do local para que seja possível a permanência. Se necessário, o município será chamado para realocação digna.
"Percebemos nos atendimentos das famílias que elas têm uma história de vida naquele local, estão há muitos anos por ali e a intenção delas é permanecer. O nosso trabalho é poder fazer isso, se for o caso, de maneira segura para as famílias. Não queremos trabalhar com nenhuma hipótese que as exponham a qualquer situação a risco", explica Magagnin.
A Rua do Povo, na Vila Aparecida, foi o local mais afetado pelas cheias de 2024
Associação Comunitária Nossa Vila Aparecida/Divulgação/JC
Solidariedade comunitária
Segundo Nelsa, a região foi amplamente afetada pelas inundações de 2024 e apenas recentemente começou a se reerguer economicamente. "No período da enchente, exatamente nessa área da vila, a água chegou a um metro e meio de altura. As famílias perderam praticamente tudo ali, na Rua do Povo."
Em busca de auxiliar a comunidade no momento de calamidade, a Aconvi reuniu doações entre os moradores e parcerias externas, realizou mutirões para cadastramento dos afetados nos planos de reconstrução do governo do Estado, realizou uma manifestação pela limpeza das redes de esgoto que impediam a limpeza do bairro pós-enchente, e continuou os seus trabalhos comunitários. Após a manifestação, neste ano, as equipes do Dmae e do DMLU estiveram em ruas das vilas São Borja e Nossa Senhora Aparecida para fazer limpeza de focos de lixo, hidrojateamento de redes de esgoto, revisão de bocas de lobo e poços de visita.
Entre as atividades da Aconvi, estão oficinas e cursos de qualificação profissional, a comitiva de costura Univens e o banco comunitário Justa Troca. Ela denuncia que o movimento foi muito necessário pela sensação de falta de ação do município na periferia. "Da prefeitura não teve presença nenhuma. Não chegou uma doação aqui. Não chegou ninguém. Não perguntaram como que a gente estava. Chegou uma hora, na cooperativa, que pensávamos: puxa vida, estamos fazendo isso porque amamos a nossa comunidade. A gente pertence a ela. A gente ama nossos vizinhos, precisamos nos levantar juntos. Mas você não faz ideia de como sentimos essa ausência", lamenta.
De acordo com a prefeitura, o bairro Sarandi foi o mais assistido pelo município durante a enchente, com o recolhimento de entulhos e limpeza após a água abaixar. Em nota ao Jornal do Comércio, a prefeitura de Porto Alegre informa que foi instalado no bairro Sarandi o Posto Avançado de Atendimento Região Norte, oferecendo serviços, mutirões e esclarecimentos sobre auxílios estaduais e federais relacionados à enchente - o posto funcionou até dezembro de 2024. Atualmente, a comunidade é atendida pela subprefeitura Norte, no Sarandi.
Manifestação na Vila Nossa Senhora Aparecida pela limpeza da rede de esgoto
Nelsa Nespolo/Instagram/Reprodução/JC
De acordo com a líder comunitária, a subprefeitura esteve fechada no período das inundações e não foi de auxílio aos moradores. Após muita articulação, parcerias e organização interna, a comunidade conseguiu o Auxílio Reconstrução, do governo federal, e doações pela Cruz Vermelha.
Segundo Nelsa, ninguém quer viver em área de risco, o que faltam são alternativas e auxílio. "É lógico que seria melhor estarmos em lugares melhores da cidade, mas a população faz aquilo que é possível dentro daquilo que ela tem condições e que, pela falta da política pública, consegue. [Se não houver] programas de moradia em lugares que possam dar condições, a população vai estar ocupando os lugares possíveis."
Confira a íntegra da nota da CEEE Equatorial
A CEEE Equatorial esclarece que a ação judicial em curso trata da reintegração de posse de área sob a linha de distribuição de energia no bairro Sarandi, em Porto Alegre. A situação teve origem ainda na antiga CEEE Pública.
Antes de ingressar com a medida judicial em 2023, a companhia buscou soluções administrativas junto aos entes públicos, que previam o reassentamento das famílias. No entanto, não houve avanços concretos.
A área em questão não pode ser ocupada, pois está sob rede de alta tensão, cuja permanência de moradias representa risco à vida e inviabiliza a adequada manutenção do sistema elétrico. A CEEE Equatorial reforça que a medida judicial tem como objetivo resguardar a segurança da população e a confiabilidade da rede de energia.
Antes de ingressar com a medida judicial em 2023, a companhia buscou soluções administrativas junto aos entes públicos, que previam o reassentamento das famílias. No entanto, não houve avanços concretos.
A área em questão não pode ser ocupada, pois está sob rede de alta tensão, cuja permanência de moradias representa risco à vida e inviabiliza a adequada manutenção do sistema elétrico. A CEEE Equatorial reforça que a medida judicial tem como objetivo resguardar a segurança da população e a confiabilidade da rede de energia.