Crimes macabros que fogem do cotidiano costumam atrair uma atenção exacerbada da sociedade, perplexa pela gravidade do ocorrido. Foi assim com o caso da mala, que ainda repercute e levanta debates entre autoridades sobre as falhas do sistema penal e da segurança pública. Entende-se que o principal problema está na legislação brasileira, que nas palavras do secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Sandro Caron, é “frouxa” e “só traz benefícios para o criminoso”. O tema foi debatido no "Tá na Mesa", da Federasul, realizado nesta quarta-feira (17).
O forte posicionamento do secretário parte do pouco tempo de pena cumprida no regime fechado por aqueles que cometeram crimes hediondos. Hoje, após passar 40% da sentença no presídio — sem contar recursos como o trabalho prisional, que reduz um dia da sentença a cada três trabalhados —, o apenado pode progredir para o regime semiaberto.
“Temos uma séria dificuldade em manter alguém efetivamente preso”, explica Caron. E foi assim que o publicitário Ricardo Jardim saiu da prisão, não cumpriu os combinados com a Justiça para estabelecer o monitoramento eletrônico, se tornou um foragido e esquartejou a namorada, distribuindo parte do corpo pela cidade.
O procurador-geral de Justiça do Estado, Alexandre Saltz, relembra que crimes hediondos eram insuscetíveis de progressão de regime. “Mas houve um movimento capitaneado por advogados, exercendo, evidentemente, o direito de defesa, que começaram a insistir na inconstitucionalidade disso, até que o Supremo reconheceu”, infere.
Saltz alega que falta o entendimento de que a lei é o ponto definitivo e deve ser aplicada na exata medida em que foi aprovada pelo Congresso Nacional. Ele se mostra favorável, assim como o secretário, ao projeto aprovado em julho na Câmara dos Deputados que visa dificultar a progressão de regime para condenados por crime hediondo. O texto prevê o cumprimento de 80% da pena em cárcere e seguiu para o Senado.
“Quando se fala em crimes hediondos, quanto mais tempo o autor ficar preso, melhor. Primeiro porque para ressocializar alguém que praticou um crime gravíssimo, é preciso muito tempo. E também devemos passar uma sensação de punibilidade, dar o exemplo para quem pensa em praticar esses atos”, comenta Caron.
Por outro lado, o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Cristiano Flores, alega não saber se o caminho seria dobrar a permanência, mas frisa que algo deve ser feito. “A pena é fundamental. Mas também tem a responsabilidade do Estado de reeducar o apenado. Talvez a solução seja deixar ele mais tempo na prisão, mas também temos que ter as condições necessárias para que ele possa realmente evoluir e retornar ao convívio social”, completa.
O presidente da Federasul, Rodrigo Costa, que mediou esse debate nesta quarta-feira (17), em mais uma edição do Tá na Mesa, intitulada "Lei, Jurisprudência e Impunidade nos crimes violentos", questiona sobre “o que fazer com o maníaco que matou e continua dizendo que pretende matar”.
Saltz cita o exemplo dos Estados Unidos, onde existem estudos sobre a permanência nos presídios e o afastamento natural do crime, com a devida supervisão. Outro ponto está no cuidado com os processos realizados na progressão do regime. “Identificamos um abrandamento dos laudos psiquiátricos, que dão um argumento jurídico para a progressão. Já começamos um projeto do Ministério Público junto com a Secretaria do Serviço Penal e Socioeducativo para a qualificação desses laudos. Para que se entenda a responsabilidade de assinar esse documento”, detalha.
Flores exalta a evolução do sistema com investimentos como a reinauguração da Cadeia Pública de Porto Alegre, "uma virada de chave a respeito da questão penitenciária", complementa que o caso da mala é um alerta de como melhorar o sistema como um todo, e enfatiza a necessidade de colaboração entre polícia, Ministério Público e Poder Judiciário.