Na manhã desta quinta-feira (28), a Justiça suspendeu o pedido de desocupação da Casa Mirabal, local focado no acolhimento, suporte jurídico e psicológico de mulheres vítimas de violência na capital gaúcha. A decisão foi feita juíza de Direito Natasha Kolinski Camara, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que pediu esclarecimentos à prefeitura após a apresentação de recursos pela defesa no processo na noite anterior.
No dia 13 de agosto, a magistrada havia determinado o cumprimento de uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que acatou o pedido da prefeitura de Porto Alegre para determinar a reintegração de posse, com trânsito em julgado em junho deste ano.
Na decisão desta quinta, a juíza solicitou esclarecimentos à administração municipal a respeito de quantas pessoas estão abrigadas no local e o destino delas, com especificação das condições do espaço e as medidas que serão adotadas pela rede da prefeitura para dar continuidade ao trabalho realizado. O prazo para apresentar estas informações é de 15 dias.
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Segundo a Procuradoria Geral do Município (PGM), por meio de uma nota oficial, o Ministério Público do Estado já havia recomendado que o grupo interrompesse o atendimento. O texto ainda afirma que a decisão judicial para desocupação do imóvel está em processo desde 2018, e que o movimento Mirabal deve deixar o local voluntariamente até 10 de setembro.
Para Andressa Ribeiro, coordenadora da Casa Mirabal, o grupo recebeu a notícia da desocupação com uma mistura de sentimentos. Embora não tenha sido uma surpresa total, devido ao processo já se arrastar há muitos anos, houve um sentimento de desapontamento.
"Não ficamos tão surpresas de receber essa notícia, mas confesso que tínhamos o mínimo de esperança que isso não fosse ocorrer no momento. Então, a gente ficou bem chateada. Já estamos acostumadas com esse processo que está acontecendo há muitos anos, vindo da prefeitura de Porto Alegre, mas não deixa de chatear, de entristecer", lamentou Andressa.
Andressa afirma que a notícia da suspensão da determinação da prefeitura tranquiliza o movimento por hora, mas, apesar disso, o grupo permanece vigilante. Por essa razão, o movimento decidiu manter as plenárias e mobilizações que já haviam sido organizadas, como uma plenária para apoiadores cujo objetivo é fortalecer o trabalho da casa e a mobilização, convidando inclusive parlamentares para participar.
Assim, Andressa afirma que o grupo não tem pretensão de desocupar o imóvel, e que o movimento e sua equipe jurídica e seus apoiadores estão trabalhando ativamente para que a desocupação não aconteça.
“Acreditamos muito no nosso jurídico, mas também agradecemos muito às pessoas que fizeram muito barulho nas redes sociais, às pessoas que acompanham nosso trabalho há anos, que conhecem a nossa casa. Não é o nosso desejo sair do espaço onde estamos hoje. Já somos referência na região, conhecemos vizinhos, passamos pela enchente ali, e temos o desejo de ficar e de continuar o nosso trabalho ali”
Além disso, a coordenadora da casa afirma que a prefeitura de Porto Alegre não ofereceu nenhuma alternativa de imóvel para que a Casa Mirabal pudesse continuar fazendo seu trabalho. Andressa afirma que o grupo buscou o diálogo inúmeras vezes desde o início do processo de reintegração de posse para tentar um acordo, porém, sem sucesso.
"Esse diálogo nunca aconteceu de forma construtiva. Na verdade, o diálogo é sempre muito tenso, onde eles vêm com bastante agressividade para cima da gente, colocando que nós não somos capazes de fazer os atendimentos que a gente faz”, lamentou
Na nota oficial da PGM, a prefeitura alega que “Porto Alegre dispõe de uma rede estruturada de acolhimento para mulheres vítimas de violência e seus filhos”. Embora Andressa reconheça e valorize esses serviços como uma vitória, ela argumenta que eles não são suficientes diante do alto índice de violência e feminicídios no estado.
“Entendemos e valorizamos isso, inclusive a gente enxerga que é uma vitória nossa essas casas na prefeitura, mas também não é o suficiente. Estamos muito felizes que a prefeitura construiu casas nos últimos anos, mas não precisamos de menos, precisamos de mais, infelizmente”, afirmou.
Confira, na íntegra, a nota oficial da Procuradoria Geral do Município:
A decisão judicial para desocupação do imóvel da avenida Souza Reis atende a um pedido do Município em processo ajuizado em 2018, que já transitou em julgado, sem possibilidade de recurso. O movimento Mirabal ocupou irregularmente o imóvel do Município e deve deixar o local voluntariamente até 10 de setembro.
Em 2022, após vistoria, o Ministério Público do Estado recomendou que o grupo interrompesse o atendimento, o que não foi cumprido. Porto Alegre dispõe de uma rede estruturada de acolhimento para mulheres vítimas de violência e seus filhos:
- Casa Viva Maria – Criada há 33 anos, já acolheu mais de 3 mil mulheres. Tem capacidade para 11 famílias, com atendimento temporário para mulheres e filhos menores, encaminhados principalmente pela Delegacia da Mulher, pelo Centro de Referência em Atendimento à Mulher e pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social;
- Casa Lilás – Oferece atendimento para mulheres e filhos, mediante encaminhamento da rede de assistência social ou autoridades. Tem capacidade para 40 mulheres e seus filhos;
- Casa Betânia – Aberta em 2022, tem capacidade para 21 mulheres e seus filhos por até 30 dias, com possibilidade de prorrogação conforme necessidade. Este ano, já acolheu 128 mulheres.
Destinação – O imóvel da Souza Reis receberá um novo Centro Pop, serviço voltado ao atendimento de pessoas em situação de rua, com equipe multidisciplinar para adultos, idosos e famílias em vulnerabilidade. O atendimento é diurno, individualizado e coletivo, com encaminhamentos à rede de serviços e apoio para superação da situação de rua.