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Publicada em 27 de Agosto de 2025 às 16:40

'Se derem oportunidade, a deficiência não vai limitar', afirma mãe atípica

Há 36 anos, Kinder auxilia no desenvolvimento de crianças

Há 36 anos, Kinder auxilia no desenvolvimento de crianças

/BRENO BAUER/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
Um dia de cada vez. É assim que Andreza Hoffmann, de 48 anos, encara os diferentes capítulos de uma história que começou no dia em que sua filha nasceu. “Para uma mãe atípica, o futuro é muito incerto”, diz.
Um dia de cada vez. É assim que Andreza Hoffmann, de 48 anos, encara os diferentes capítulos de uma história que começou no dia em que sua filha nasceu. “Para uma mãe atípica, o futuro é muito incerto”, diz.
Após o parto, a pequena Manuela, a “Manu”, passou sete meses internada no hospital. Para a mãe, foi um momento angustiante. A filha apresentava dificuldades motoras e não aceitava nenhum tipo de contato físico ou estímulo. Quando teve alta, seu primeiro destino foi o Programa de Estimulação Precoce do Centro de Integração da Criança Especial Kinder, em Porto Alegre.
Depois de dez anos, veio o diagnóstico: Síndrome de Cornélia de Lange, uma desordem genética rara, caracterizada por múltiplas anomalias congênitas. “Ela é um caso raro, com características raras, de uma síndrome que já é rara. E a gente precisou de muito apoio para investigar isso”, explica Andreza. 
Hoje, Manu, que é apelidada pela mãe como “o furacão” da Kinder, é uma criança bastante ativa. Ela frequenta aulas diariamente e realiza acompanhamentos semanais com fonoaudióloga e terapeuta ocupacional. E essa vitória vai muito além de uma conquista individual.
“Eu acho que a deficiência não limita. Tudo é questão de oportunidade. Se te derem oportunidade, a deficiência não vai limitar”, afirma Andreza. Para a mãe, esse deve ser o principal aprendizado nesta Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, que ocorre entre os dias 21 e 28 de agosto.
Sancionada pela Lei nº 13.585, a data tem o propósito de fomentar a conscientização, estimular a acessibilidade e combater estigmas no Brasil, que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), abrigava cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiências em 2022.

Caminhos para a inclusão

Há 36 anos, o Centro de Integração da Criança Especial Kinder amplia a janela de oportunidades para crianças e jovens com deficiências múltiplas, assim como a Manu. Acima disso, a instituição evidencia que a inclusão social precisa ir além desses últimos dias do mês de agosto. 
Atualmente, há cerca de 50 crianças inscritas na Estimulação Precoce, e outras 205 matriculadas no programa de Educação Especial da Kinder. Em sala de aula, as atividades são adaptadas de acordo com as necessidades de cada aluno. Segundo a coordenadora pedagógica Saionara Schilling, trata-se de um trabalho intenso e desafiador, que demanda uma relação bastante próxima entre professores, familiares e estudantes.
No Centro de Integração da Criança Especial Kinder, Andreza e Manuela Hoffmann encontraram apoio para enfrentar desafios | BRENO BAUER/JC
No Centro de Integração da Criança Especial Kinder, Andreza e Manuela Hoffmann encontraram apoio para enfrentar desafios BRENO BAUER/JC
Para a educadora, o esforço é recompensado pelo sorriso no rosto de cada pequeno. “A escola é o único lugar onde eles realmente são eles. É um espaço que pertence somente às crianças, afinal estão sem a mãe e sem o cuidador. Precisam se virar do jeitinho deles”, explica. 
O estímulo à autonomia vem acompanhado de um olhar atento de uma equipe multidisciplinar"É uma rotina diferenciada. Associamos habilitação e a reabilitação ao processo pedagógico, para favorecer um desenvolvimento com mais potencialidades", explica a diretora-executiva da Kinder, Denise Ries Russo.
"É uma rotina diferenciada", explica a diretora-executiva da Kinder, Denise Ries Russo | BRENO BAUER/JC
"É uma rotina diferenciada", explica a diretora-executiva da Kinder, Denise Ries Russo BRENO BAUER/JC
Foi pensando nisso, que o Centro de Integração lançou, nesta semana, o Programa Psicologia na Escola - Elos na Educação Especial. A iniciativa propõe estratégias para o aprimoramento do Plano de Ensino Individualizado (PEI), com o intuito de reduzir barreiras que dificultam a aprendizagem dos alunos.
Nessa e em todas as etapas do processo, a rede de apoio desempenha um papel essencial. "Todas as crianças que estão aqui passaram por muitas coisas e são muito vencedoras. O principal foco no nosso serviço de psicologia é o fortalecimento rede de apoio, que infelizmente ainda é escasso", explica a psicóloga Suellem Rodembusch.
Não foi à toa que a instituição se tornou sinônimo de acolhimento para Bruna e Murilo da Fontoura. Entre eventos, aulas, oficinas e terapias, mãe e filho encontraram uma rede de apoio, que se tornou parte essencial da rotina.

Nem todos os heróis usam capa…

“O Murilo é uma pessoa que me ensina”, afirma a mãe atípica Bruna da Fontoura, de 33 anos. Para ela, cada dia traz um aprendizado. “Até hoje eu descubro coisas novas em relação a ele. Depois, vou pra casa e fico emocionada, sabe? Porque todos os dias ele mostra evolução”, explica. 
Murilo, que completou 13 anos na segunda-feira (25), tem paralisia cerebral e frequenta a Kinder desde 2020. Foi lá que recebeu o diagnóstico de disfagia. A condição, caracterizada pela dificuldade de engolir alimentos líquidos e sólidos, demandou um procedimento de gastrostomia, que trouxe melhorias significativas para o seu cotidiano. 
Murilo da Fontoura, que completou 13 anos na segunda-feira (25), tem paralisia cerebral e frequenta a Kinder há cinco anos | BRENO BAUER/JC
Murilo da Fontoura, que completou 13 anos na segunda-feira (25), tem paralisia cerebral e frequenta a Kinder há cinco anos BRENO BAUER/JC
Para ela, a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla é uma oportunidade para reivindicar direitos que deveriam ser a regra, não a exceção. “O Murilo é meu herói. Eu falo pra ele antes de dormir. Ele me dá muito orgulho. Me ensina a ser melhor todos os dias”, completa a mãe. 
Essa luta por condições dignas - que, para Bruna, não deveria nem sequer precisar existir - ainda não está perto de acabar. De acordo com a diretora-executiva da Kinder, a importância dessa semana está na conscientização. "É trazer essa luz para essa temática e, principalmente, para a necessidade de mais políticas públicas diferenciadas", completa Denise.  



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