Entre 2018 e 2024, o número de adolescentes internados em unidades socioeducativas no Rio Grande do Sul caiu 63%. A queda, registrada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, sugere, à primeira vista, uma redução drástica da criminalidade juvenil. No entanto, segundo pesquisadores e operadores do sistema de justiça, os números podem esconder uma realidade mais sombria: a substituição do acompanhamento institucional por repressão informal, especialmente nas periferias.
Essa é a principal hipótese de um estudo conduzido pelo Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação da Ufrgs (Ciess), coordenado pelo professor Maurício Perondi. A pesquisa, realizada em cinco estados brasileiros, aponta que a diminuição das internações não decorre de melhorias no sistema nem de queda na prática de atos infracionais. Em vez disso, está associada ao esvaziamento do sistema de justiça juvenil, à intensificação de abordagens policiais fora dos marcos legais e aos efeitos da pandemia.
“Nosso grande desafio atualmente é garantir que essa redução não esteja mascarando práticas ilegais, como violência policial ou exclusão institucional”, afirma Perondi, que há quase 30 anos acompanha de perto as medidas socioeducativas em meio aberto no Estado.
Dados do próprio estudo mostram que o número de apreensões de adolescentes no Brasil caiu de mais de 400 mil em 2013 para cerca de 12 mil em 2022. Segundo o professor, isso indica que os adolescentes não estão nem sequer chegando ao sistema de justiça. Parte da explicação está na descrença de policiais quanto à eficácia das medidas socioeducativas. “Não adianta apreender, porque eles são soltos no dia seguinte”, disseram alguns agentes aos pesquisadores.
Como consequência, essa percepção estaria gerando soluções informais e violentas. Em vez de registrar boletins de ocorrência e encaminhar os jovens à delegacia, há casos em que a situação é “resolvida” no local. Foram relatadas, nesse sentido, agressões físicas, ameaças e abordagens sem qualquer registro legal.
A diretora do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do RS (Nudeca), Paula Simões, confirma a tendência. Em 2025, o órgão recebeu, durante o primeiro semestre, 12 denúncias formais de violência policial contra adolescentes - número que, segundo ela, está longe de refletir a realidade.
“Há muita subnotificação. Muitos jovens naturalizam a agressão ou têm medo de denunciar”, diz. Em relatos colhidos pela Defensoria, adolescentes já descreveram espancamentos, sufocamentos com sacos plásticos e ameaças de represálias. Muitos não enxergaram isso como algo "anormal".
Relatos da violência
L.M., de 15 anos, voltava da casa de um amigo na Restinga, em Porto Alegre, quando foi abordado por policiais. Carregava uma mochila com roupas e uma chuteira. Durante a revista, foram encontrados dois pequenos pacotes de maconha. “Um me deu um soco, o outro me deu um chute e eu caí de joelhos”, relata. Liberado com uma ameaça, não contou nada à família. “Apanhei calado, para não piorar, mas nem levado para delegacia fui".
Situação parecida viveu M.O, então com 17 anos. Voltava de bicicleta do curso técnico no bairro São José, na Zona Leste, quando foi parado por uma viatura. “Me chamaram de ‘nego folgado’, me empurraram contra o muro. Levei um tapa no rosto. Eu só tinha um lanche e uns cadernos”, recorda. Foi liberado após 15 minutos. Não tinha nada ilícito, mas mesmo assim nunca contou aos pais.
Situação parecida viveu M.O, então com 17 anos. Voltava de bicicleta do curso técnico no bairro São José, na Zona Leste, quando foi parado por uma viatura. “Me chamaram de ‘nego folgado’, me empurraram contra o muro. Levei um tapa no rosto. Eu só tinha um lanche e uns cadernos”, recorda. Foi liberado após 15 minutos. Não tinha nada ilícito, mas mesmo assim nunca contou aos pais.
Casos como esses não são exceção. De forma ainda mais grave, em 2024, o Brasil registrou 6.393 mortes por intervenção policial, sendo que 72% das vítimas tinham entre 12 e 29 anos e mais de 82% eram negras. No RS, a taxa foi de 2,8 por 100 mil habitantes, porém muito concentrada em regiões periféricas.
Outro fator identificado pela pesquisa é a reorganização das facções criminosas. A partir de 2014, houve maior recrutamento de adolescentes para atividades no tráfico. Com isso, muitos passaram a atuar sob proteção das grupos, em funções que os expõem menos à repressão. Isso reduz a chance de apreensão, mas também aprofunda o vínculo com o crime.
“Observamos uma queda nos furtos e roubos, e aumento de casos ligados ao tráfico e a crimes contra a pessoa”, diz Paula Simões. “Isso mostra que os jovens estão mais integrados às facções, que criam seus próprios mecanismos para evitar que sejam pegos.”
Ainda, a pandemia de Covid-19 também contribuiu para o esvaziamento do sistema. O isolamento reduziu os atos infracionais, e medidas judiciais orientaram, na época, a substituição de internações por sanções menos severas. Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 62, que recomendava a reavaliação das medidas privativas de liberdade. Nesse sentido, há possibilidade de que o sistema ainda não tenha retomado à normalidade.
Procurada, a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) reconhece que o contexto da pandemia, a criação da Central de Vagas e a decisão do STF contra a superlotação influenciaram na queda das internações. Em nota, também foi citada a redução da população jovem e o impacto de programas sociais como o Bolsa Família e o Primeira Infância Melhor.
Ainda, a pandemia de Covid-19 também contribuiu para o esvaziamento do sistema. O isolamento reduziu os atos infracionais, e medidas judiciais orientaram, na época, a substituição de internações por sanções menos severas. Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 62, que recomendava a reavaliação das medidas privativas de liberdade. Nesse sentido, há possibilidade de que o sistema ainda não tenha retomado à normalidade.
Procurada, a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) reconhece que o contexto da pandemia, a criação da Central de Vagas e a decisão do STF contra a superlotação influenciaram na queda das internações. Em nota, também foi citada a redução da população jovem e o impacto de programas sociais como o Bolsa Família e o Primeira Infância Melhor.