Com tecnologia desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e operação assumida pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), entrou em funcionamento no final de junho o primeiro Sistema de Alerta Hidrológico (SAH) da bacia do Guaíba. A iniciativa marca uma mudança estrutural na prevenção de desastres climáticos na Região Metropolitana de Porto Alegre, permitindo a previsão de inundações com até uma semana de antecedência, um avanço significativo frente às 12 horas de horizonte oferecidas pelos sistemas anteriores.
O SAH foi concebido após a enchente histórica de maio de 2024, quando mais de 180 pessoas morreram e milhares ficaram desabrigadas no Rio Grande do Sul. Na ocasião, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs assumiu voluntariamente a responsabilidade de gerar previsões de cheias para o Guaíba. Agora, com financiamento federal e coordenação do SGB, a tarefa passa a integrar uma política pública oficial.
"A partir de agora, temos uma instituição federal, oficial, assumindo de forma consistente a previsão hidrológica da bacia do Guaíba. É uma ação que o IPH vinha fazendo de forma voluntária e que agora ganha um novo patamar", resume Fernando Meirelles, professor do Instituto.
O projeto foi viabilizado por um crédito emergencial de R$ 4 milhões da Casa Civil e uma emenda parlamentar de R$ 500 mil do senador Paulo Paim (PT). Com esses recursos foi possível não apenas desenvolver os modelos de previsão, mas também recuperar e ampliar a rede de monitoramento hidrometeorológico do Estado, especialmente nas bacias do Caí, Taquari, Jacuí, Sinos e Gravataí.
"O sistema já está em operação e foi liberado ao público emergencialmente durante o evento de chuva do final de junho. Começamos com previsão para Porto Alegre, mas a meta é atender ao menos 20 municípios até o fim de 2026", afirma Emanuel Duarte, chefe da Divisão de Hidrologia Aplicada do SGB.
Na prática, o sistema utiliza dados em tempo real das estações de monitoramento, somados a previsões meteorológicas, para alimentar o modelo hidrológico MGB — uma tecnologia nacional desenvolvida pelo IPH. O modelo transforma os dados de chuva prevista em vazão e, depois, em nível dos rios, com destaque para pontos críticos como a Usina do Gasômetro.
A cobertura atual já contempla 33 estações com transmissão automática de dados, e outras sete devem ser incorporadas nos próximos meses. As informações estão disponíveis ao público no site do SGB (sgb.gov.br/sace), onde é possível consultar os níveis dos rios em tempo real, registros de chuva e boletins com a previsão para os próximos dias.
Além do avanço tecnológico, o sistema representa uma resposta institucional a uma lacuna histórica no monitoramento da bacia do Guaíba. Até então, apenas as bacias do Caí, Taquari e Uruguai contavam com previsão hidrológica. A inclusão da região de Porto Alegre — responsável por cerca de 30% do território do Estado — preenche uma área crítica ainda desassistida. Para Meirelles, a operação oficial do sistema não diminui o papel da universidade no futuro. Pelo contrário: "seguimos desenvolvendo pesquisa, aprimorando os modelos e fornecendo apoio técnico. A diferença é que agora as previsões saem com o selo do SGB, o que dá mais autoridade e amplitude ao sistema".
A expectativa é de que o sistema contribua para decisões mais ágeis por parte das defesas civis municipais e estadual, ampliando o tempo de resposta para evacuações, proteção de infraestruturas e salvamento de vidas. Ainda assim, o especialista alerta: os modelos hidrológicos dependem fortemente da qualidade das previsões meteorológicas. E, para funcionar em sua plenitude, o sistema exige integração com outras iniciativas de monitoramento, como a Sala de Situação do Estado.
O custo de operação anual da rede de monitoramento é de cerca de R$ 1 milhão. Até o momento, os municípios atendidos são Porto Alegre, Lajeado, Estrela, Muçum, Encantado, Montenegro e São Sebastião do Caí. Até o final do ano que vem, cidades como Taquari, Gravataí e São Leopoldo também serão contempladas.