No Rio Grande do Sul, estima-se que mais de 850 mil pessoas convivam com o diabetes, entre eles, cerca de 9 mil crianças e adolescentes com o tipo 1 — a forma mais instável da doença. Ainda assim, o Estado segue sem qualquer política pública para fornecer sensores de monitoramento contínuo de glicose pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que compromete a segurança e a qualidade de vida desses pacientes.
Enquanto mais de 40 cidades brasileiras e unidades da federação, como o Distrito Federal e Paraná, já a incorporaram, no Rio Grande do Sul a decisão sobre o uso da tecnologia é municipal. Na prática, isso tem significado depender de emendas parlamentares e iniciativas pontuais, sem garantia de continuidade. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) afirma que não há estudos em andamento sobre a implementação da ferramenta. A Assembleia Legislativa gaúcha, por sua vez, não discute nenhum projeto com esse objetivo.
Conviver com o diabetes exige vigilância constante. São necessárias múltiplas medições diárias, controle da alimentação, prática regular de exercícios e manejo do estresse. Qualquer desequilíbrio pode causar hipoglicemias graves, hospitalizações ou, nos casos mais extremos, risco de morte. A endocrinologista Márcia Punales, do Instituto da Criança com Diabetes (ICD), afirma que a rotina é exaustiva e que os sensores de glicose representam um avanço significativo neste tratamento.
"Estamos falando de uma tecnologia que reduz internações, melhora o controle da doença e dá mais dignidade a quem convive com o diabetes. O que buscamos é que esse monitoramento deixe de ser exceção e passe a integrar o cuidado público", afirma a médica. O ICD tem articulado reuniões com a Famurs, o Ministério Público e secretarias municipais na tentativa de sensibilizar gestores públicos.
Tecnologias como o FreeStyle Libre, que registra as variações da glicose 24 horas por dia e envia os dados para um celular ou leitor, mudaram o cenário do controle glicêmico em muitos países. O sensor tem duração de 14 dias e armazena até oito horas de dados, permitindo respostas rápidas, mesmo antes do aparecimento de sintomas mais graves. É especialmente útil para crianças e pacientes com hipoglicemias recorrentes.
Em alguns municípios gaúchos, como Santa Maria, Erechim e Capão da Canoa, o dispositivo chegou a ser distribuído — sempre por meio de emendas parlamentares, sem garantia de continuidade, segundo o ICD. Caxias do Sul é uma rara exceção: desde outubro de 2024, o município oferece o sensor gratuitamente para crianças e adolescentes com diabetes tipo 1, com recurso próprio.
Já em Porto Alegre, um estudo de viabilidade feito pela Secretaria Municipal de Saúde apontou que o custo anual com o fornecimento do sensor para todos os pacientes com diabetes tipo 1 saltaria de cerca de R$ 20 mil para R$ 10 milhões. Sem cofinanciamento estadual ou federal, a proposta não avançou.
Em outras partes do País, iniciativas mais estruturadas mostram que é possível avançar. O Distrito Federal oferece o sensor desde 2020 em um programa específico. No Paraná, uma lei estadual aprovada ano passado garante o fornecimento gratuito a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, embora ainda dependa de regulamentação.
Para Steffane Pazetto, de 29 anos, que convive com o diabetes tipo 1 desde a infância, o sensor representa mais do que comodidade: é segurança. "Ver a glicose em tempo real ajuda a tomar decisões mais conscientes e seguras. Traz autonomia, previsibilidade, qualidade de vida e menos sofrimento", diz. "Muitas vezes um diabético precisa furar o dedo seis, sete, oito vezes por dia. Com o sensor, isso acaba".
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Além do impacto na rotina, Steffane ressalta a importância do sensor para pais e responsáveis. "Ele envia os dados em tempo real para o celular do pai ou da mãe. Isso salva vidas. Uma mãe pode saber como está a glicose do filho enquanto ele está na escola. Isso te dá uma tranquilidade que não tem preço. Estamos falando de dignidade. De também poder sair na rua sem medo de ter uma crise", continua.
Embora reconhecida por médicos e pacientes, a tecnologia ainda é tratada como um artigo de luxo no Brasil. Com custo médio entre R$ 650,00 e R$ 700,00 por unidade, o Libre está fora do alcance de boa parte da população. "Ele não é supérfluo, é uma necessidade. Mas acaba sendo tratado como luxo por causa do preço", finaliza Steffane.