A população de Porto Alegre vive, nesta véspera de feriado de Corpus Christi, uma quarta-feira (18) de tensão e lembranças amargas. A chuva incessante que atinge a Capital desde o início da semana tem reativado na memória coletiva os traumas da enchente histórica de maio de 2024. Mesmo que o cenário atual não seja devastador como o do ano passado, a cidade voltou a sentir na pele os efeitos de um sistema de drenagem sobrecarregado, de uma rede urbana ainda fragilizada e de um tempo instável que se intensifica a cada hora.
Desde segunda-feira (16), os volumes de precipitação registrados em diversos bairros são expressivos. A região da Vila Farrapos, por exemplo, já acumula 187,3 milímetros de chuva. No Sarandi, tanto na área da Nova Brasília quanto na Assis Brasil, os acumulados também ultrapassam os 160 mm. Lomba do Sabão, tradicionalmente vulnerável, soma mais de 159 mm, enquanto o bairro Passo das Pedras chegou a 181,2 mm. Os dados, monitorados pela rede de estações do CEMADEC, mostram que quase toda a cidade já superou a média histórica de chuva para o mês de junho, que é de 130,4 mm.
A estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Jardim Botânico registrou, apenas entre meia-noite e 6h da manhã desta quarta - no auge da instabilidade - 61 mm. Nas cidades vizinhas, o caos se repetiu: em Sapucaia do Sul e Canoas, os volumes chegaram a 136 mm e 135 mm, respectivamente. Gravataí, Eldorado do Sul e Novo Hamburgo também somaram entre 99 e 116 mm.
A sequência de temporais veio acompanhada de raios, trovões e pancadas torrenciais. A água invadiu casas, bloqueou vias e forçou o fechamento de estabelecimentos em áreas tradicionalmente afetadas. No bairro Farrapos, moradores relataram que a água subiu rapidamente por volta da 1h, atingindo ruas repletas de bares frequentados por torcedores nos dias de jogo na Arena do Grêmio, como a Luiz Carlos Pinheiro Cabral.
Já na alça de acesso da avenida Sertório para a rua Voluntários da Pátria, no bairro Navegantes, agentes da EPTC informaram que o bloqueio foi realizado ainda na madrugada. O problema, recorrente na região, teve origem em uma falha na casa de bombas da Trensurb. O acúmulo de água, que se estendeu à via férrea, interrompeu o serviço de trens entre as estações São Pedro e Farrapos.

Acumulo de água bloqueou a alça de acesso da avenida Sertório para a rua Voluntários da Pátria e atingiu a via férrea
BRENO BAUER/JC
Outros trechos frequentemente afetados por alagamentos são os acessos às Ilhas, que, em alguns casos, também já estavam interditados para a passagem de veículos. Até às 18h30 desta quarta, a EPTC registrava nove pontos com bloqueio total por acúmulo de água, entre eles a Ernesto Neugebauer (próxima à Arena), Dona Teodora com A.J. Renner, e trechos da Sertório. Outros 14 locais seguiam com bloqueio parcial. Semáforos de ao menos 16 cruzamentos estavam fora de operação por falta de energia.
A prefeitura de Porto Alegre disponibilizou dois abrigos emergenciais, um na Zona Sul e outro na Zona Norte da cidade. Até a publicação desta matéria, porém, ainda não havia estimativa oficial de pessoas desalojadas na cidade.
Em nota, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) informou que as 23 casas de bombas da cidade estão operando ininterruptamente desde o início do evento climático. No entanto, a chuva intensa superou a capacidade da rede de drenagem especialmente nos bairros Humaitá e Sarandi, áreas que segundo o órgão passarão por obras estruturais de longo prazo, atualmente em fase de projeto.
As projeções para os próximos dias não aliviam a tensão. O Guaíba deve atingir níveis próximos aos 3 metros no fim de semana, conforme o grupo de Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/Ufrgs). Ainda que abaixo da cota de inundação (3,6 metros na Usina do Gasômetro), o nível pode oscilar com a ação do vento Sul. Moradores de áreas baixas, como as Ilhas e Eldorado do Sul, devem, portanto, manter atenção redobrada.

Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs prevê que o lago Guaíba deve atingir níveis próximos aos 3 metros no fim de semana
BRENO BAUER/JC
A chuva não dá trégua: a previsão é de continuidade da instabilidade nesta quinta-feira (19), com volumes menores, mas ainda significativos. Na sexta (20), o tempo começa a dar sinais de melhora, e no sábado (21) a chegada de ar mais seco e frio deve finalmente trazer alívio. Até lá, Porto Alegre segue em alerta.