Cirurgiões bariátricos de três dos principais hospitais do Rio Grande do Sul consideram positivas as mudanças anunciadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para a realização de cirurgias bariátricas e metabólicas. As novas diretrizes, publicadas no Diário Oficial da União nesta terça-feira, atualizam critérios de indicação, ampliam o número de técnicas autorizadas e reduzem a idade mínima permitida para adolescentes com obesidade grave.
Renato Souza, responsável técnico do Centro Integrado de Tratamento da Obesidade e Cirurgia Metabólica do Hospital Divina Providência, considera as atualizações um “divisor de águas” no combate à obesidade no Brasil. “É uma decisão baseada em evidências científicas robustas, com respaldo internacional. Ampliar os critérios é fundamental diante do crescimento alarmante da obesidade, especialmente entre crianças e adolescentes”, afirma.
Com as novas regras, pacientes com índice de massa corporal (IMC) entre 30 e 35 passam a ser elegíveis para a cirurgia, desde que apresentem comorbidades como diabetes tipo 2, apneia do sono, doenças cardíacas ou esteatose hepática. A cirurgia também poderá ser realizada em adolescentes entre 14 e 16 anos, em casos excepcionais, mediante avaliação clínica criteriosa.
Para Claudio Mottin, coordenador do Centro de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS, as mudanças eram esperadas desde a publicação de consensos internacionais em 2022, que ampliaram o reconhecimento da cirurgia como parte do tratamento de doenças metabólicas, além da perda de peso. “São diretrizes necessárias, mas ainda com pontos pouco claros. Termos como ‘cardiopatia grave’, por exemplo, carecem de definição objetiva na prática clínica”, pondera.
Ainda assim, ele destaca avanços importantes, como o reconhecimento de técnicas antes classificadas como experimentais. “Hoje temos mais opções seguras e eficazes para tratar a obesidade severa. Isso amplia o leque terapêutico, sem comprometer a segurança do paciente”, observa.
Apesar do avanço técnico, os especialistas apontam entraves fora do campo clínico. Embora o CFM e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) tenham aprovado as novas diretrizes, a adoção prática depende da atualização de normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda seguem critérios antigos. “Hoje, cerca de 90% das cirurgias no Divina são feitas por convênios. A adaptação dos planos de saúde pode levar tempo”, explica Souza.
Para o cirurgião Giovani Barum, do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa, as mudanças representam um avanço ao reconhecer a cirurgia bariátrica como ferramenta terapêutica também para o controle de doenças metabólicas. “Mesmo pacientes com obesidade grau 1 podem ter condições graves, como apneia do sono ou problemas cardíacos, que se beneficiam do procedimento”, destaca. Segundo ele, a ampliação das indicações reflete a compreensão atual de que a cirurgia vai além da redução de peso e deve ser considerada quando o tratamento clínico não for suficiente.
Barum também ressalta que a implementação ainda enfrenta obstáculos. “Enquanto a ANS não incorporar essas mudanças no rol de procedimentos obrigatórios, os planos de saúde não terão obrigação de cobrir essas cirurgias”, afirma. Na rede pública, o cenário é ainda mais restritivo, com longas filas de espera e capacidade limitada. “A tendência é que as novas regras sejam aplicadas de forma gradual, com priorização dos casos mais graves, especialmente no SUS”, avalia.
No Hospital São Lucas, porém, a equipe já se prepara para adotar as novas diretrizes. Claudio Mottin relata que os profissionais do serviço foram atualizados e que um dos maiores desafio será convencer outros especialistas. “A própria comunidade de endocrinologistas ainda mostra resistência. Muitos médicos não estão familiarizados com os dados mais recentes. É ciência”, enfatiza.
Nos últimos anos, a popularização de medicamentos para emagrecimento, como semaglutida e tirzepatida, também influenciou o cenário. “Esses remédios funcionam enquanto são utilizados. A cirurgia, por outro lado, tem impacto metabólico duradouro. Mesmo assim, percebemos uma leve redução na procura”, avalia Renato Souza.
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Entre 2020 e 2024, foram realizadas cerca de 291 mil cirurgias bariátricas no Brasil, segundo a SBCBM. O Rio Grande do Sul integra o grupo de estados com maior volume de procedimentos, ao lado de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Minas Gerais, Ceará e Pernambuco.