Um estudo publicado pela Pucrs verificou grandes quantidades de microplásticos na Praia Grande, em Torres. As partículas são provenientes desde eletrônicos e materiais de construção civil, até sacolas de mercado e embalagens comuns. Os efeitos em animais ainda estão sendo estudados, mas envolvem impactos neurotóxicos, de crescimento, na morfologia e comportamentais.
Evidências sugerem ainda que o problema com microplásticos é global, sendo que o material pode ser carregado para vários locais pelas correntes marítimas. Somente agora, porém, que a questão foi quantificada no Estado. O projeto se inseriu dentro de uma linha de pesquisa na Universidade que avalia a degradação dos plásticos comuns nestes fragmentos menores.
A pesquisa foi idealizada por Kauê Pelegrini, engenheiro ambiental e pesquisador, e Maurício Reis Bogo, professor da Escola de Ciências e Saúde da Vida da Pucrs. Ao Jornal do Comércio, Reis explica como essas partículas chegam às praias, e o que já foi descoberto pela comunidade científica sobre implicações para a saúde humana e marinha.
Jornal do Comércio - Como ocorre o processo de degradação do plástico para microplástico e nanoplástico?
Maurício Reis - O entendimento da comunidade científica é que há duas origens: uma delas é quando partículas de micro ou nanoplásticos são incorporadas a produtos, como cosméticos, e quimicamente dão uma característica desejável a eles. Por exemplo, em uma pasta de dente, esse microplástico vai pelo ralo, e acaba acumulando na natureza. Existe um número razoável de produtos que usam dessa estratégia. A segunda, que talvez seja ainda impossível quantificar, mas que tenho certeza que seria a maior fonte geradora, é a degradação dos plásticos do dia a dia. Quando largados, não são reciclados, e são encaminhados ao ambiente. Sofrem uma série de ações decorrentes, por exemplo, da radiação ultravioleta, que induz um ressecamento e fragmentação desses tipos de plástico. Também o atrito, vento e assim por diante. Há uma série de processos que levam a essa fragmentação em tamanhos cada vez menores, que vão chegar às escalas micro e nano, que é o que está acontecendo.
JC - A comunidade científica já tem ideia dos efeitos desse plástico na flora, fauna e em humanos?
Reis - No final de 2023 publicamos uma revisão que tratava de diferentes plásticos. O que havia na literatura até então foi compilado de uma forma didática para a comunidade científica sobre os efeitos tóxicos da exposição. Nesse tipo de estudo, vários aspectos são controlados, e se faz basicamente exposição a diferentes concentrações de um determinado nanoplástico, num organismo, comparado com um organismo controle. E pegamos os marcadores dessas alterações, que podem ser neurotóxicos, de crescimento, morfológicos e comportamentais. É possível fazer uma translação para humanos que a exposição a essas micro e nanopartículas de plástico, tem consequências na saúde. Não é uma relação direta, mas que deve ter efeitos que precisam ser citados. A gente pode esperar que isso vá acontecer.
JC - Materiais inorgânicos tendem a acumular entre camadas de uma cadeia alimentar. No caso dos microplásticos, isso acontece? Como funciona esse processo?
Reis - Sim. Microplásticos são absorvidos por algas. Essas algas são digeridas por peixes pequenos. Esses peixes pequenos são comidos. É muito esperado que isso vá acumulando em cadeia. Então, quando chegar lá na frente, já passou de nível trófico para nível trófico, pelo menos uma parte daquilo que foi, no início, absorvido e levado até os níveis mais elevados da cadeia alimentar. Isso é esperado do ponto de vista teórico, mas creio que já foi demonstrado, comprovado que é verdade.
JC - Esse processo pode ter um impacto comercial e de saúde pelo consumo, a partir da pesca, dependendo do nível de toxicidade que atingir?
Reis - Se forem esses peixes que saíram da natureza, com certeza há impacto. Esse processo poderia estar aumentando a concentração [de microplásticos] naquele peixe, que acaba sendo utilizado na pesca e servido para humanos. Com certeza tem algum impacto.
JC - Segundo o estudo, o local próximo ao rio de Mampituba tem maior contaminação em comparação ao restante da praia, provavelmente porque o rio carrega essa contaminação ao longo do curso e deposita os resíduos. Há chance de haver contaminação, além das praias, nos rios das bacias gaúchas?
Reis - Essa é uma interpretação [do estudo], pode ser verdadeira ou não, mas seria uma possível explicação para essa maior quantidade próximo ao rio. Com certeza [há chance de haver contaminação]. No solo também. A maior parte dos lixões que atiram lixo são em terrenos. E então se não é algo bem feito, há uma degradação ou produção de gás. E quando é enterrado, o plástico vai fragmentando, e parte disso escapa quando tem uma chuva forte. O primeiro local que vai é para o curso da água doce, não há dúvida nenhuma. O ponto final acaba sendo o oceano, mas com certeza começa bem antes.
JC - Foram achados vários tipos de plástico, como polietileno, polipropileno, PET e poliamida na Praia Grande. Esses diferentes tipos de plásticos possuem diferentes impactos?
Reis - Do ponto de vista de efeitos tóxicos, com certeza. Em laboratório conseguimos fazer um experimento controlado. Então, pegamos só o plástico A, em diferentes concentrações e comparamos. Ou só o B ou só o C. Mas, na verdade, quando eles estão juntos, misturados em concentrações variáveis, têm efeitos que a gente pode afirmar que, se não são somados, há uma sobreposição deles, e de complicadores, digamos assim.
JC - E como saber que efeitos são esses?
Reis - Teríamos que se aprofundar, fazer essas exposições com diferentes concentrações e variações. Realizarmos a exposição a um tipo e fazer uma mistura, para simular se existe um efeito aumentado. Ainda assim, isso simula o que pode estar acontecendo na natureza, porque temos que cuidar para não sermos reducionistas. Esses plásticos estão na natureza, então pode ser que tenha poluição por agrotóxicos também, e metais, ou por outras coisas. É difícil simular, em laboratório, um cenário de ambiente. Para entender, tentamos fazer por partes e mostrar o efeito direto. Mas sempre deve-se levar em consideração que esse efeito, na natureza, tem outras influências.