A tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul em maio deste ano deixou um legado de heróis e vilões no imaginário coletivo. Seja por questões partidárias ou técnicas, são poucos os gaúchos que não têm uma opinião definida sobre os agentes públicos envolvidos naquele momento. Entre esses, poucos foram mais criticados do que Mauricio Loss, diretor-geral do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae), que deixa o cargo no final deste ano.
Apesar dos questionamentos, Loss não demonstra arrependimentos em relação à sua passagem pelo Dmae. Em entrevista ao Jornal do Comércio, ele avalia sua gestão como positiva, destacando os avanços alcançados, mesmo diante de limitações burocráticas e a necessidade de redirecionar prioridades. O diretor-geral atribui as críticas a questões políticas e não a falhas na gestão.
Jornal do Comércio - Como você avalia sua passagem pelo Dmae?
Mauricio Loss - De forma bastante positiva. Desde o início de 2023, quando fui indicado para o cargo de diretor-geral, houve um alinhamento com o prefeito e o partido sobre a necessidade de fortalecer a relação institucional do Departamento com as comunidades, principalmente por meio do orçamento participativo. Conseguimos realizar diversas entregas importantes, visitamos e recebemos muitas comunidades, ouvimos suas demandas e encaminhamos soluções para problemas que, em alguns casos, estavam pendentes há décadas, como redes de água, esgoto e drenagem. Saio do cargo com a sensação de dever cumprido e muito realizado com o que conseguimos fazer.
JC - A saída foi em comum acordo?
Loss - Foi algo construído de forma muito tranquila e bem alinhada. O prefeito já vinha conversando comigo sobre essa transição e, ao mesmo tempo, buscando um nome no mercado para a sucessão. Quando foi decidido que Bruno Vanuzzi assumiria, iniciamos imediatamente o processo de transição, com reuniões e visitas a diferentes unidades do Dmae para que ele pudesse se inteirar das operações. O Bruno é uma pessoa extremamente capacitada, com experiência em gestão e concessões, algo que será muito relevante para o futuro do Departamento.
JC - Quais projetos você considera que foram os mais marcantes da sua gestão?
Loss - Em agosto do ano passado, estruturamos o Programa de Aceleração de Investimentos (PAI), com um orçamento de R$ 342 milhões destinado a projetos de água e esgoto. Até abril deste ano, antes das enchentes, já havíamos licitado e contratado aproximadamente R$ 150 milhões. Além disso, entre os projetos mais marcantes, destaco a ampliação do acesso à água em comunidades com abastecimento irregular. Priorizamos áreas em processo de regularização fundiária, garantindo um fornecimento de água adequado para centenas de famílias. Concluímos o primeiro contrato, que implantou 20 km de redes de abastecimento, e estamos executando um segundo, que prevê a instalação de mais 35 km.
JC - Como foi enfrentar o período das enchentes?
Loss - Os primeiros dias foram os piores. Extremamente desafiadores. Sem um sistema avançado de monitoramento, não tínhamos noção da magnitude da tragédia. Trabalhamos incansavelmente, mas a força da água superou nossas ações. Com apoio de parceiros e do Exército, começamos a estabilizar a situação e recuperar áreas essenciais pouco a pouco. Após 35 dias, conseguimos secar o bairro Sarandi, finalizando aquela etapa de retomada da cidade. Mas, apesar das dificuldades, acredito que o episódio nos trouxe aprendizados que nos tornaram mais preparados. Porto Alegre inteira aprendeu com aquilo.
JC - Você foi muito criticado durante aquele período. Como encara isso?
Loss - A proximidade do período eleitoral foi um fator que intensificou as críticas ao Dmae e ao meu nome durante as enchentes, muitas vezes sem compromisso com a verdade. Foram tentativas claras da oposição de explorar politicamente a tragédia. Lidamos com um sistema que tem mais de 50 anos e apresenta limitações graves, como diques e comportas construídos de forma incompleta e trechos vulneráveis. Apesar disso, trabalhamos para esclarecer a população e corrigir os problemas e, mesmo com as várias críticas, recebemos elogios pela transparência, por exemplo.
JC - Quanto as enchentes interferiram nos serviços do Dmae?
Loss - Ela mudou nossas prioridades. Daquele momento até agora, tivemos que redirecionar esforços para o sistema de proteção contra cheias, especialmente a manutenção e ampliação de estações de bombeamento e outras estruturas críticas. Mesmo assim, conseguimos realizar diversas entregas importantes tanto em infraestrutura quanto no dia a dia do Dmae, como a aquisição de equipamentos essenciais — motores, bombas, painéis, caminhões e vans —, melhorando o abastecimento e as condições de trabalho dos servidores.
JC - Como você recebeu e como está deixando a situação financeira do Dmae?
Loss - Quando assumi, em janeiro de 2023, tínhamos R$ 370 milhões em caixa. Ao final daquele ano, subiu para cerca de R$ 410 milhões. Elaboramos o plano de aceleração de investimentos com cerca de 80% da verba disponível. Parte desses recursos precisou ser mantida para o dia a dia, mas se não fosse a enchente, as licitações e contratos já teriam sido concluídos. A isenção de contas e os gastos adicionais durante a enchente impactaram a arrecadação, com perda aproximada de R$ 70 milhões. No entanto, o Dmae ainda mantém cerca de R$ 250 milhões, grande parte comprometida para obras de proteção contra cheias, que ultrapassam R$ 500 milhões. Acredito que a concessão do saneamento é necessária, dado o ritmo lento do setor público.
JC - Olhando para trás, você se arrepende de algo?
Loss - Não. Meu período à frente do Dmae foi curto e marcado por desafios intensos, como as enchentes que redirecionaram nossas prioridades. Trabalhar em um órgão público exige lidar com burocracia complexa, prazos longos e uma grande quantidade de demandas. Ainda assim, saio muito realizado com o que conseguimos entregar nesse tempo. Nos primeiros meses, atuamos de maneira mais fluida, avançando em projetos importantes. Apesar das limitações impostas, deixo muitos avanços encaminhados e um legado de entregas significativas para a cidade e suas comunidades.
JC - Você já sabe qual será seu próximo passo na prefeitura?
Loss - Ainda não. Mas o prefeito está organizando a composição do governo e garantiu que meu espaço está assegurado. Nossa relação de confiança é sólida, e ele sabe que pode contar comigo. Nos próximos dias, devemos definir meu papel para 2025. Tenho a promessa de um cargo em que continuarei contribuindo para os avanços da gestão municipal.