O advogado Leonardo Lamachia, reeleito para presidir a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), com 76,9% dos votos válidos, inicia o próximo mandato a partir de 1º de janeiro, com duração de um triênio (2025-2027).
Ao Jornal do Comércio, Lamachia detalha futuros planos da OAB/RS relacionados ao uso de Inteligência Artificial na área da advocacia, tanto em termos de regulação da ferramenta quanto se tratando dos limites da tecnologia, assim como o uso dela para combater a morosidade de processos, por exemplo, com a criação do Observatório da Prestação Jurisdicional.
O advogado relata as dificuldades do setor, e descreve uma atual crise do segmento com excesso de contingente no mercado de trabalho e empobrecimento da profissão. Lamachia comenta também acerca da perda do espaço das prerrogativas da classe, como a supressão da sustentação oral nos tribunais.
Jornal do Comércio - Quais serão as medidas executadas para combater a morosidade no judiciário?
Leonardo Lamachia - Continuaremos lutando por elevação de entrância, pela nomeação de mais juízes, porque ainda temos um déficit de magistrados no Estado. Não são todas as comarcas e varas que têm juiz titular. Isso é uma outra causa da morosidade. E vamos criar o Observatório da Prestação Jurisdicional, com o uso de inteligência artificial e obtendo dados do poder judiciário. Nós queremos poder ter indicadores objetivos que digam qual é a vara que mais demora, qual é a comarca com mais problemas e um número maior de processos. Então tentaremos entender as causas da morosidade, porque às vezes há uma vara com um número muito expressivo de processos, mas ela é mais ágil porque ali há dois ou três juízes. Em contrapartida, pode haver outra com um número menor de processos com uma complexidade maior, e há menos magistrados e servidores, resultando em mais demora. A ideia do observatório, portanto, é trabalhar com indicadores. Utilizar mecanismos tecnológicos que nos ajudem a identificar os principais problemas de morosidade e, junto ao Poder Judiciário e o tribunal, atuar objetivamente em cima das causas.
JC - Acerca da inteligência artificial no Direito. A gente pode esperar, daqui a alguns anos, por parte da OAB/RS, algum tipo de regulação sobre o uso?
Lamachia - Criamos o primeiro grupo de trabalho para debater o uso ético da inteligência artificial, porque diferentemente da Europa, não há, ainda, uma lei regulamentando o uso dela. Há um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional. Fizemos uma reunião junto ao presidente do Tribunal de Justiça, do TRT e do TRF, além do procurador-geral de Justiça, o defensor público-geral e a OAB. Todos integrantes do sistema de justiça estavam aqui. A ideia é ter um protocolo de uso ético, enquanto não há uma legislação regulamentando a matéria. Tanto para advogadas e advogados, quanto para magistrados, membros do Ministério Público e defensores.
JC - E já há previsão de quais diretrizes vão estar nesses protocolos?
Lamachia - Uma das diretrizes é que nós queremos que conste em qualquer decisão judicial e qualquer documento público que tenha usado inteligência artificial, de forma expressa neste documento, o uso da ferramenta. Mais ou menos como é feito hoje nas embalagens de produtos que dizem “contém glúten”. Um outro parâmetro, objetivo ou diretriz para este documento é que as decisões judiciais não podem ser produzidas por inteligência artificial. O nosso entendimento é que é uma ferramenta importante que pode contribuir para dar celeridade para os processos, e que pode ajudar a todos os operadores do direito, mas que não pode substituir o ato humano. E o ato de julgar é um ato eminentemente humanista.
JC - O senhor comentou que a advocacia passa por um momento de dificuldade e restrição ao exercício profissional. Que cenário é esse?
Lamachia - São duas coisas distintas. Não há nenhuma dúvida de que nós estamos vivendo uma crise na advocacia. Há 1.900 cursos de direito e quase um milhão e meio de advogados. Evidentemente que houve um empobrecimento da profissão ao longo dos anos, em razão do número excessivo de cursos, de muita gente no mercado, com exame de ordem mesmo com má formação. Muitos desses cursos são ruins, e alguns deles são de baixíssima qualidade, e ainda sim o sujeito consegue passar no exame de ordem. Evidentemente que o empobrecimento da advocacia não é culpa da OAB. São uma série de fatores. Quanto às restrições ao exercício profissional e dificuldades de outras naturezas temos, por exemplo, o caso da sustentação oral. O STF começou tendência de restringir o direito de sustentação oral, e criou uma ferramenta chamada plenário virtual. Quando vou ao tribunal e peço para usar da palavra, é em nome do constituinte, que me outorgou uma procuração. O plenário virtual impõe a gravação de um vídeo, ao invés de fazer a defesa oral e a sustentação oral, presencial ou tele presencial. Nós somos a favor dos dois modelos. Porém, em formato tele presencial, farei a sustentação oral e verei o debate entre os procuradores. Se houver algum equívoco na condição do julgamento, eu tenho a oportunidade de produzir algum esclarecimento. O vídeo gravado não me produz isso. O plenário virtual é uma ferramenta importante para ajudar a desafogar o Poder Judiciário, desde que seja opção da parte e do seu advogado. Porque os julgamentos se pautam pelo princípio da publicidade e da transparência. Isso está na Constituição Federal.
JC - O senhor chegou a dizer ao JC, em entrevista anterior, que a entidade deve se posicionar sobre temas de impacto social, desde que envolvam questões jurídicas. E recentemente houve o indiciamento do ex-presidente e mais 37 pessoas, entre políticos eleitos e oficiais de alto escalão das forças armadas. Como a OAB se posiciona nesse caso?
Lamachia - Deve se posicionar de forma isenta, apartidária, longe das paixões ideológicas, tendo como norte a Constituição Federal. Esse é o primeiro requisito de posicionamento de uma instituição como a OAB. Ultrapassada essa preliminar, e entrando no mérito do tema, digo com muita tranquilidade e com muito orgulho, que desde 2022, tenho feito uma defesa integral da democracia. Dizer não a qualquer espécie de golpe, de tentativa de implantação de ditadura, de rompimento da Constituição. É dizer que se houve esse tipo de tentativa e isso caracterizou a prática de um crime, as pessoas que fizeram devem ser punidas na forma da lei, depois de uma investigação, do devido processo legal e da ampla defesa. Mas, se fizeram isso, devem ser punidas. Ainda, ao mesmo tempo que condenamos com muita clareza e veemência, também denunciamos com veemência os excessos praticados pelo Supremo Tribunal Federal em algumas decisões, não generalizando, que violam o devido processo legal. Um exemplo é o Inquérito do Fim do Mundo (anteriormente batizado como Inquérito das Fake News). Um inquérito que não termina e que o relator e presidente do inquérito é vítima, juiz, e em algumas decisões, não observou a denúncia do Ministério Público e, portanto, também fez às vezes de acusador. Isso é uma violação ao devido processo legal gravíssima. E quando a Suprema Corte realiza essa violação, também atenta contra o Estado Democrático de Direito e a Democracia. Porque a Suprema Corte é o farol do Poder Judiciário Brasileiro.