Não se trata de herdar somente o negócio e o sucesso em si, mas também dar continuidade a sonhos, trabalho, expectativas e histórias da geração que deu início ao negócio

DNA nos negócios: filhos dão continuidade ao legado dos pais à frente de empresas gaúchas

Não se trata de herdar somente o negócio e o sucesso em si, mas também dar continuidade a sonhos, trabalho, expectativas e histórias da geração que deu início ao negócio

Qual o maior desafio: começar um negócio do zero ou seguir com um legado de sucesso? Iniciar uma jornada empreendedora dá trabalho, mas manter a régua alta de um negócio de êxito, que existe há anos, não é tarefa fácil. A passagem de bastão de uma geração para outra vem com uma série de desafios. Quando a passagem acontece de pai para filho vem acompanhada por muitas emoções. Não se trata de herdar somente o negócio, mas também sonhos, trabalho, expectativas e histórias da geração que deu início ao empreendimento.
Entre tantas histórias, está a de Luiz Carlos, 69 anos, e Leonardo Achutti, 39, pai e filho à frente de quatro lojas das Farmácias Associadas. São 30 anos que separam uma geração da outra, mas a história da família com o empreendedorismo iniciou há 40 anos. O empreendedor esteve à frente de algumas franquias da Panvel, quando a marca ainda era franqueada. Aos 14 anos, Leonardo passou a trabalhar com o pai, realizando as entregas dos pedidos. "Eu era skate boy, fazia as entregas de skate, mas não deu muito certo, pois quebrava alguns produtos", brinca o empreendedor, que atualmente faz a gestão comercial das farmácias.
Luiz deixou a Panvel quando a própria encerrou o modelo de franquias e optou por dar continuidade ao seu negócio entrando para as Farmácias Associadas. Ao se associarem, as farmácias têm benefícios como a capacidade de compra em grupo, o que permite negociações favoráveis devido ao grande volume da rede, aumentando a competitividade no mercado. Atualmente, pai e filho estão à frente de quatro farmácias da rede, localizadas no Centro Histórico, Menino Deus, Zona Norte e uma em Alvorada, na Região Metropolitana.
A passagem de bastão de Luiz para o filho começou de forma gradual. "Ele trabalhou por um tempo, saiu por um período e sempre quis voltar ao ramo. Então, comecei a dar um caminho, um norte e ele engrenou rápido. Sempre mantinha ele em uma loja para aprender com a equipe, e, com o tempo, ele passou a realizar as compras e a visitar todas as lojas", explica. De acordo com Leonardo, o auxílio e a convivência com os funcionários antigos das lojas, alguns com mais de 20 anos de experiência, foi fundamental para o sucesso do processo de sucessão. "Tem funcionários que conhecem ele desde guri, acompanharam todo o crescimento", comenta Luiz, afirmando que é uma conquista manter uma equipe há tanto tempo. "Cobro da equipe, mas temos uma relação afetuosa, de amizade. Eles sempre foram muito importantes para meu crescimento e sempre me deram um respaldo. Quando comecei como trainee, eu tinha uns 16 anos, e a Janete, uma das colaboras, me ajudou muito. Juntos, abrimos a loja do Centro", conta Leonardo.
O processo de sucessão é formalmente incentivado pela Associadas, que chega a oferecer um treinamento com foco em gestão de sucessão. Isso permitiu que a transição ocorresse de forma mais orgânica. Atualmente, Leonardo cuida mais da parte comercial, incluindo compras e negociações com fornecedores, enquanto Luiz foca no administrativo e financeiro. As decisões principais são tomadas em conjunto. Apesar dos pontos positivos, como qualquer outro processo, a sucessão traz desafios. Diferenças de geração e a necessidade de constante inovação e adaptação são alguns dos obstáculos.
O conceito de legado é central na transição do negócio de Luiz para Leonardo. Para o filho, a continuidade da farmácia representa a responsabilidade de levar adiante o nome da família no mercado, mantendo a ética, o comprometimento e a responsabilidade. Leonardo expressa orgulho em dar sequência ao trabalho do pai, que é seu parceiro e professor, e ambiciona retribuir os ensinamentos recebidos. "É um orgulho para mim receber o bastão da mão dele, que é um grande parceiro, professor. Sempre dizemos que, além de pai e filho, somos melhores amigos. É um orgulho aprender em vida com ele, pois ele é um cara que construiu uma representatividade muito importante no mercado. Quero seguir o mesmo padrão de qualidade, de ética e retribuir tudo que ele me passou", afirma.
Para Luiz, o sentimento não é muito diferente. Apesar dos desafios, o orgulho em passar o bastão para o filho é motivo de alegria. "Fico muito feliz, porque o que pude ensinar, ele aprendeu e trouxe coisas novas. Aprendi muito com ele. Temos uma troca de experiências, porque a geração dele já vem com outro gás. Confio no trabalho dele e agradeço por estar comigo, porque o pique que a gente está agora, com essa competitividade, eu não conseguiria sozinho. Estou largando o bastão para ele e sei que a coisa vai andar bem."

Marca de calçados infantis chega à terceira geração

Fundada por Albino Eloy Schweitzer, a empresa testemunhou a passagem do legado para as mãos de seu genro, Marlin Kohlrausch, e, mais recentemente, para a neta, Andrea Kohlrausch, atual representante do negócio

A Calçados Bibi, uma marca nascida em Parobé, no Rio Grande do Sul, celebra a trajetória de 76 anos de mercado e de consolidação como uma pioneira no segmento de calçados infantis. Fundada por Albino Eloy Schweitzer, a empresa testemunhou a passagem do legado para as mãos de seu genro, Marlin Kohlrausch, e, mais recentemente, para a neta, Andrea Kohlrausch, atual presidente e representante da terceira geração à frente do negócio familiar
Com uma produção anual superior a 2,6 milhões de pares de sapatos, a Bibi mantém presença global, exportando 22% de sua produção para mais de 60 países.
O projeto de franchising, iniciado há 17 anos, foi um marco estratégico para o varejo, e hoje a rede conta com mais de 150 lojas, incluindo 19 operações internacionais em países como Peru, Equador, Guatemala e Chile. A marca também se faz presente em mais de 3 mil multimarcas e oferece um canal de e-commerce próprio aos seus clientes [referência na sua query]. Para sustentar essa operação robusta, a Bibi emprega 1,2 mil funcionários em suas fábricas localizadas em Parobé (RS) e Cruz das Almas (BA).
Para Andrea Kohlrausch, a sua jornada no universo Bibi não foi uma escolha, mas um destino quase inato. "Como estamos na terceira geração, quando estava ainda na barriga, ou antes de eu nascer, a Bibi já estava na minha vida", brinca ela. Desde a infância, a marca já fazia parte de sua rotina, não apenas pelo negócio, mas pelos calçados que usava. Andrea recorda uma predisposição natural para o business, que se manifestava em suas brincadeiras. "Os meus brinquedos na época já eram voltados para um negócio. As minhas bonecas estavam empreendendo." Enquanto uma de suas irmãs enveredou pela medicina, Andrea sentia que "não me imaginava na área de saúde", e essa inclinação para os negócios era evidente. Seus pais, embora nunca a tivessem obrigado a seguir esse caminho, deram-lhe total liberdade para escolher.
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Após o ensino médio, Andrea buscou formação em administração e internacionalização, e logo pediu uma oportunidade para trabalhar na empresa. No início, foi oficegirl, com funções como ir ao banco e fazer cheques, nos tempos do final da década de 1990, antes da era digital, recorda. Andrea garante que a imersão permitiu que ela passasse por diversas áreas da empresa, compreendendo cada detalhe da operação. Seu pai, por sua vez, foi um mentor ativo na jornada. "Me sinto privilegiada pelo contato com essas áreas de uma forma diferente, mesmo muito nova, ter expandido o meu olhar."

Para a marca, um dos projetos mais transformadores foi o de franchising, há 17 anos iniciado em conjunto entre pai e filha e, posteriormente, passado a liderança de Andrea. Na época, a Bibi era predominantemente uma indústria. A empreendedora liderou a pesquisa de mercado, a contratação de consultoria e a implementação dessa nova frente de negócio, que resultou em um crescimento exponencial. "Praticamente dobramos como marca em um projeto que tive o prazer de tocar."

A ascensão de Andrea à presidência ocorreu por meio de um processo de sucessão estruturado. Ela foi uma das quatro candidatas, e após planos de desenvolvimento individuais, foi convidada pelo conselho consultivo a assumir o cargo. De acordo com ela, a herança familiar da Bibi é profundamente marcada por valores inegociáveis. Seu avô, o fundador, sempre prezou pela longevidade e perpetuidade do negócio. E, para a filha de Marlin, o papel do pai foi ainda mais desafiador. "Foi mais heróico, ele assumiu a sucessão em um momento de crise, de quase quebra no década de 1980. Ele conseguiu salvar o negócio implementando uma nova cultura empresarial e fortalecendo a marca. Andrea ressalta que os valores da empresa – transparência, agilidade, valorização das pessoas e horizontalização.
Para a empreendedora, esses valores permanecem muito atuais. Além disso, ela destaca a importância da governança corporativa para separar os círculos de família, sociedade e gestão, com reuniões e conselhos específicos. Para a empreendedora, ter regras claras é fundamental para a longevidade do negócio, inclusive definindo como as futuras gerações poderão ou não entrar na empresa. Andrea cita os desafios de manter um empreendimento familiar, mas pontua que a dinâmica reflete uma forte conexão com a empresa. Mesmo com a transição, o pai de Andrea permanecesse na ativa, presidindo o Conselho Consultivo da empresa.
Olhando para o futuro, Andrea enfatiza que a empresa está no mercado porque não abandona a busca por inovações. "Queremos pintar o Brasil e mundo de laranja. Desde 2019, o canal digital cresceu quatro vezes e 40% das vendas online são geridas pelas lojas físicas", descreve. A presidente reitera a influência de seu pai. "Um homem muito motivador, um cara muito visionário e aberto também." Para ela, uma frase que ecoa na cultura da Calçados Bibi, e, para ela, descreve a essência dessa transmissão de valores é "o seu exemplo é a melhor forma de radiação".

Pai e filha comandam rede de supermercados com seis lojas em Porto Alegre

Respeito às diferenças geracionais é a chave de Jacinto da Luz Machado e Patrícia Machado Tamelini, pai e filha, para tocarem juntos o Supermago, rede de supermercados de Porto Alegre. O negócio, fundado em 1998, conta hoje com seis lojas na Capital.
Patrícia conta que assumir o negócio ao lado do pai foi um movimento natural, já que foi criada em meio às gôndolas do supermercado. "Na época em que meus pais fundaram o negócio, eu tinha 12 anos e meu irmão, Rodrigo, 15. Como não podíamos ficar sozinhos em casa, íamos para a escola de manhã e à tarde para a loja. Sempre fui supermercadista, desde a minha adolescência até hoje", brinca a empreendedora, que, a partir dessa vivência, cursou administração de empresas.
Com 250 funcionários, Patrícia conta que a gestão é dividida entre ela e o pai. O segredo de uma relação tranquila, pontua Patrícia, é o respeito entre as gerações. "Faço a administração do negócio com o meu pai. Não tivemos a passagem de bastão, trabalhamos juntos", destaca Patrícia, ressaltando a importância de preservar a cultura do negócio. "Os pais têm que ter uma sabedoria maior para conduzir, porque, muitas vezes, os filhos entram para a faculdade, têm várias ideias, querendo implementar na empresa, e o pai tem que ter essa habilidade de não desmotivar, mas também não motivar tanto a ponto de prejudicar o negócio. Isso sempre foi muito bem conduzido pelo meu pai. Temos uma relação de respeito, não temos atritos. Ele tem o papel de fundador, então muito da cultura da empresa foi ele quem implementou e cabe a mim saber conduzir de uma forma que eu possa perpetuar essa cultura e ter esse respeito pelo meu pai", acredita.
A última loja inaugurada pelo Supermago abriu as portas no fim de 2023, no bairro Boa Vista, com foco no público familiar. "Uma loja voltada para o público infantil era um sonho. Hoje, o nosso maior desafio é captar clientes e consolidar o ponto", afirma sobre o espaço, que foi pensado para receber o público das escolas do entorno. "A localização é ao lado de duas escolas, Província de São Pedro e Monteiro Lobato. Fizemos uma casa na árvore, com escorregador. Então, chega umas 17h e fica cheio de criança na loja. Temos alguns elementos lúdicos que atraem o público infantil, além das nossas ações voltadas para as crianças", explica.
Frente às inovações, Patrícia conta que leva os valores ensinados pelo pai para a sua rotina empreendedora. "Muito da cultura que eu levo aprendi com ele, como o respeito pelos colaboradores. Falamos que o Supermago são os três reis magos: fornecedor, colaborador e cliente. Então, a balança nunca pode estar pesando só para um lado, porque vai desequilibrar. O respeito por todos os públicos é o maior exemplo do meu pai, e tenho muito orgulho de perpetuar isso."


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