Em meio a mudanças climáticas, é preciso pensar e agir de forma mais sustentável. O descarte correto é parte fundamental nisso, já que o ciclo dos resíduos vai desde a extração da matéria-prima, produção nas indústrias, passando pelo consumidor e a destinação após o uso. Quando o consumidor descarta o resíduo de forma correta, os materiais podem voltar às indústrias para reutilização sem que haja a extração de mais recursos naturais e evitando o acúmulo de lixo em aterros sanitários.
Empresas, especialmente as que recebem público, são responsáveis por boa parte da produção de resíduos que são coletados. Por isso, a legislação exige cada vez mais cuidados dos empreendimentos no descarte, o que leva vários negócios a procurarem empresas especializadas na gestão de resíduos.
Uma das iniciativas pensadas para solucionar esses problemas é a Arco Resíduos. Nascida em 2018, a empresa faz toda a gestão dos resíduos de seus clientes, que são pequenas e médias empresas. "Chamamos de serviço 360, que vai desde o treinamento, adesivação, organização do espaço de armazenamento dos resíduos, coleta. Só exigimos que eles separem previamente nos locais corretos o que é orgânico, rejeito e recicláveis", explica Natália Pietzsch, cofundadora da Arco.
Após a coleta, a Arco aprimora a separação. Resíduos orgânicos vão para compostagem, viram adubo e voltam para o ciclo. Os rejeitos são encaminhados para o aterro sanitário, e os resíduos recicláveis vão para a triagem, onde é feito um trabalho parecido com o das cooperativas, que é a separação dos materiais. "Só não coletamos os resíduos perigosos. De saúde, construção civil, inflamáveis. Mas o resto a gente coleta, até mesmo resíduo têxtil. Só cerca de 20% do que a gente recebe aqui vai para o aterro. Os outros 80% conseguimos dar alguma destinação", ressalta Natália.
O processo de logística reversa fica bastante evidente na parceria de recolhimento de cápsulas de café entre a Arco e a Três Corações. "Temos uma máquina que separa a borra do plástico ou do alumínio. A borra vai para a compostagem, e o alumínio e o plástico conseguimos encaminhar para a reciclagem. É um processo de lixo zero, mas, para isso acontecer, precisa passar por alguma iniciativa específica de logística reversa, porque a reciclabilidade é difícil por via comum", esclarece Natália.
Natália também destaca que o fato da empresa ser privada e cobrar um valor mensal de seus clientes é fundamental para a manutenção do negócio, mas também para a garantia da sustentabilidade. "Se vem um resíduo que não tem um valor agregado bom para vender, que às vezes nem compensaria, fazemos a reciclagem mesmo assim, porque temos a mensalidade dos clientes para subsidiar este prejuízo." Além disso, Natália explica que este valor é importante para cobrir as despesas que envolvem a compostagem e o descarte no aterro sanitário.
Natália compreende que o cenário atual é preocupante, mas entende que as novas gerações vão ter uma relação diferente com os resíduos. "Somente 5% dos resíduos de Porto Alegre chegam numa cooperativa de triagem e têm a oportunidade de ser reciclados. Os outros 95% vão reto para o aterro sanitário. Isso acontece porque as pessoas não sabem usar a coleta seletiva, descartam tudo em qualquer contêiner", reflete, acrescentando que cerca de 70% das cápsulas recicladas na Arco vêm das cooperativas, o que significa que as pessoas descartaram em casa.
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A cofundadora da Arco acredita que a mudança passa pela conscientização. "As pessoas precisam se importar com isso para poder ir atrás da informação. No fim das contas, são seres humanos que estão na esteira lidando com o lixo que tu mesmo tens nojo e quis descartar rápido na tua casa. Toda essa triagem é manual. Quando as pessoas de fato enxergam como o trabalho é feito, isso sensibiliza, então é preciso conhecer para se conscientizar", propõe Natália. Informações de contato, pontos de coleta e parcerias podem ser encontradas através do link linktr.ee/arco.eco.
Como descartar os resíduos no seu negócio:
1. Separe os materiais devidamente: É essencial ter lixeiras específicas para papel, metal, vidro, orgânicos e rejeitos, como borrachas, madeiras. Se seu negócio recebe clientes, é fundamental sinalizar claramente a função de cada lixeira.
2. Destinação correta: Após recolher os resíduos, selecione os locais de destinação. Dê preferência
a empresas e cooperativas de reciclagem ou ecopontos municipais.
a empresas e cooperativas de reciclagem ou ecopontos municipais.
3. Utilize produtos recicláveis: Comprar produtos de fornecedores preocupados com questões ambientais é uma ótima maneira de garantir que seus resíduos poderão ser reutilizados e revendidos por cooperativas de reciclagem.
Ação do Boticário usa embalagens vazias como pagamento de produtos
O tema sustentabilidade ganhou força no mundo do empreendedorismo apenas nas últimas décadas, e no mundo da beleza não foi diferente. Em 2006, o debate ainda dava passos importantes para a evolução, e foi neste período que o Grupo Boticário passou a apostar na logística reversa como forma de ampliar seu compromisso ambiental. Hoje, o Boti Recicla, que coleta embalagens de qualquer marca de cosméticos, soma mais de 4 mil pontos de coleta e beneficia diretamente mais de 500 catadores em todo o território nacional.
"É o maior programa de logística reversa do setor de beleza no Brasil em pontos de coleta, e nos orgulhamos muito disso", afirma Luis Meyer, Diretor de ESG do Grupo Boticário. De acordo com ele, os resultados do programa são acompanhados por auditorias especializadas e demonstram crescimento constante: em 2024, o volume de embalagens recicladas aumentou 85% em relação a 2023.
Além dos números, o programa avança em engajamento. "Acreditamos que a responsabilidade com o meio ambiente e a sociedade deve ser compartilhada e que esta é uma agenda pré-competitiva que exige um olhar amplo de impacto", pontua Luis. O objetivo, explica, é envolver todos os elos - produtores, consumidores e recicladores - na construção de soluções sustentáveis.
Um dos maiores exemplos desse engajamento foi a ação realizada na Boti Recicla Store, em São Paulo. Lá, embalagens vazias viraram moeda de troca: o público podia trocar resíduos por créditos e produtos. "Essa iniciativa é uma forma diferente de conversar com as pessoas sobre reciclagem, sai do discurso tradicional e convida para a ação, para a experiência", desenvolve Luis.
Em apenas três dias, mais de 680 pessoas participaram da ação, que resultou na coleta de uma tonelada de resíduos e na prevenção da emissão de mais de uma tonelada de CO2.
No espaço, a troca de embalagem por créditos foi feita por meio de uma balança high-tech desenvolvida exclusivamente para a ação. A tecnologia era foi capaz de reconhecer o peso das embalagens que cada pessoa colocava nela e calculava quanto de CO2 foi evitado para o planeta na participação.
Mas, mesmo com todos os avanços, os desafios ainda são grandes. A desigualdade no acesso à coleta seletiva e à educação ambiental exige esforços contínuos para sensibilizar o consumidor e fortalecer a rede de cooperativas, que são "protagonistas da transformação", como define Luis. "Acreditamos que ampliar a logística reversa no Brasil passa, obrigatoriamente, por reconhecer e fortalecer essas redes locais. Porque a sustentabilidade só acontece de verdade quando todo o ecossistema trabalha junto", ressalta.
As parcerias estratégicas com empresas como o Google também ajudam a potencializar as iniciativas. Com o mapeamento dos pontos de coleta nas ferramentas de busca, mais consumidores conseguem participar do processo. Além disso, a empresa vem investindo em novas formas de reaproveitamento de resíduos, como a criação de chapas sustentáveis feitas a partir de embalagens pós-consumo.
Conforme Luis, essas ações refletem um olhar sistêmico, que vai além da reciclagem e busca criar uma cultura interna de economia circular e uma comunicação mais eficaz com o consumidor. "A sustentabilidade é prática diária. Usamos a força da marca, da comunicação e dos nossos canais para transformar esses temas em algo prático, simples e possível", declara.
Startup atua como elo para empresas cumprirem metas sustentáveis
Dar conta de um sistema de logística reversa de forma independente não é uma realidade para a maioria dos empreendedores. Por outro lado, a responsabilidade socioambiental caminha lado a lado com o processo de desenvolvimento de um negócio. Foi a partir dessa perspectiva que nasceu a Pegada Neutra.
Localizada em Novo Hamburgo, a startup trabalha oferecendo soluções para outras empresas que buscam colocar em prática seu compromisso com a sociedade que a cerca e com o meio ambiente.
Atualmente, o foco da Pegada Neutra é a logística reversa de embalagens pós consumo. A iniciativa funciona atendendo negócios que desenvolvem produtos para o mercado e desejam “neutralizar” o impacto gerado no processo de descarte de suas embalagens.
“Todos os produtos que a gente vê nas prateleiras dos supermercados, depois que chegam na casa do consumidor, são usados e descartados, de forma correta ou não. As empresas precisam também se responsabilizar pelo pós consumo, e é onde nós entramos”, explica Jaíza Frias, analista ambiental da Pegada Neutra.
Ela conta que há quatro categorias de resíduos presentes nas embalagens: papel, plástico, metal e vidro. E, para que cada um deles seja corretamente destinado, a Pegada Neutra mantém parecerias com cooperativas de reciclagem de todo o Brasil.
“Nosso trabalho é permitir que essas empresas possam investir na reciclagem. Fazemos isso através dos créditos de reciclagens. Se uma empresa gera plástico, ela precisa comprar créditos de plástico, por exemplo. Os créditos são gerados pela venda dos materiais para a reciclagem, então nós compramos esses créditos das cooperativas”, descreve.
O movimento citado por Jaíza faz parte de uma das soluções oferecidas pela empresa. Cada vez que uma cooperativa ou agente ambiental auditado comprova que foi realizada a logística reversa de uma tonelada de material reciclável um crédito de reciclagem é criado. Uma parte significativa do lixo que termina nos aterros e nos oceanos é composta por embalagens, muitas das quais poderiam ser recicladas.
Para mitigar impacto, a empresa oferece esta compensação ambiental através dos créditos de reciclagem. A iniciativa faz o levantamento da massa equivalente a ser compensada por tipo de material, solicita e adquire os créditos correspondentes.
“Então, as empresas cumprirão com a legislação ambiental e estarão comprovando também essa responsabilidade socioambiental. Inserindo recurso na cadeia da reciclagem”, diz. “Hoje, no Brasil, geramos cerca de 80 milhões de toneladas de lixo de resíduos por ano, com um aumento de 8% de reciclagem. O que ainda é pouco perto do potencial que temos. Para conseguirmos aumentar a reciclagem, que fecha o ciclo da economia circular, reintroduzindo os materiais na cadeia produtiva, precisamos de investimento”, complementa.
Nesse sentido, Jaíza desenvolve que a logística reversa de embalagens chega como uma forma das em empresas inserirem esses recursos financeiros dentro da cadeia da reciclagem, fazendo com que, principalmente, as cooperativas de catadores consigam melhor se estruturar. “Este é o nosso objetivo, que consigamos aumentar as taxas de produção de reciclagem no país”, pontua.
A analista ainda descreve que a Pegada Neutra comunica seu ideal final a partir do próprio selo, que informa se uma embalagem possui “pegada neutra”. “Sempre que tiver alguma embalagem no supermercado com o selinho ‘embalagem com pegada neutra’ quer dizer que a empresa está tendo essa responsabilidade socioambiental e está fazendo a logística reversa”, explica.
O foco nas embalagens chegou, sobretudo, pela Resolução Consema 500/2023, publicada no Rio Grande do Sul, que estabelece diretrizes para a logística reversa de embalagens, exigindo que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes estruturarem sistemas de retorno de embalagens após o uso pelo consumidor.
"Acreditamos nesse potencial e que podemos abraçar as demandas das empresas que ainda não estavam atentos a isso. Até porque, em 30 de junho deste ano, acontece a primeira entrega de relatório aqui no Rio Grande do Sul para a FEPAM [Fundação Estadual de Proteção Ambiental]”, diz.
Sobre a perspectiva dos consumidores, Jaíza afirma perceber aumento na valorização das empresas que adotam práticas conscientes. “Já saíram pesquisas mostrando que os consumidores estão olhando mais para isso, estão escolhendo mais as empresas que se mostram sustentáveis, que estão fazendo ações e iniciativas de sustentabilidade.”
Jaíza ainda diz que a empresa incentiva os consumidores na observação de embalagens. “Mais do que isso, pesquisar sobre os selos encontrados. Infelizmente, hoje também precisamos falar sobre o greenwashing [prática enganosa onde empresas promovem seus produtos ou serviços como ambientalmente responsáveis de forma exagerada ou falsa, sem que haja práticas sustentáveis reais por trás dessas alegações]”, conclui.
E para aqueles que estão iniciando no mundo do empreendedorismo, ela apoia uma largada já sustentável nos negócios. “Começar conectado com alguma cooperativa de reciclagem é muito legal, já poder comunicar aos clientes que está fazendo um trabalho nesse sentido. Não tem um mínimo para fazer a logística reversa. Se você gera menos, como poucas toneladas de materiais, você vai pagar menos. O gasto é proporcional a tua geração de resíduos”, diz.

