No mundo físico, Erico Verissimo viveu apenas 69 anos, 11 meses e 19 dias. Nasceu em 17 de dezembro de 1905, na cidade de Cruz Alta, e morreu na sua casa no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, no dia 28 de novembro de 1975. Não há, porém, nenhum exagero em dizer que ele continua muito presente entre nós. Antes de tudo, porque a sua obra não se perdeu pelo tempo, como acontece com muito escritor. Os seus livros estão espalhados pelas bibliotecas, memoriais, museus, universidades, cinemas e tevês do Brasil e em dezenas de países do mundo.
A carreira literária de Erico soma 36 obras entre contos, romances, memórias, novelas e narrativas infanto-juvenis e de viagens. Foi tradutor de grandes autores e traduzido para vários idiomas, como alemão, espanhol, finlandês, francês, holandês, húngaro, indonésio, inglês, italiano, japonês, norueguês, polonês, romeno, russo, sueco e tcheco.
Vendeu tantos livros que até hoje não há uma estatística oficial disponível publicamente. Começou a escrever coisas pequenas, com talento, ainda na adolescência. Mudou-se para Porto Alegre no final de 1930. Trabalhou na Revista do Globo, famosa durante muitas décadas no Rio Grande do Sul, onde chegou ao cargo de diretor. Em 1932, publicou o seu primeiro livro, uma coletânea de contos, chamada Os Fantoches.
A partir daí ninguém mais o segurou. No ano seguinte, foi lançado seu primeiro romance, Clarissa, que inauguraria uma trajetória de sucesso editorial e que é até hoje indicado por professores para seus jovens alunos. Clarissa conta a estória de uma adolescente alegre e otimista, filha de fazendeiros, que veio para Porto Alegre e morou em uma pensão pequeno-burguesa onde conhece a realidade do mundo e vive ilusões e desilusões.
A personagem apareceria, ainda, em mais três romances: Caminhos Cruzados, Música ao Longe e Um Lugar ao Sol, escritos a partir de 1936. Música ao longe ganhou o Prêmio Machado de Assis, o maior da literatura nacional. Nesta mesma época criou o programa infantil Os Três Porquinhos, na Rádio Farroupilha. Durou pouco. O programa sofreu ameaças de censura do Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial de Getúlio Vargas.
Em 1938, Erico lançou o livro que iniciou sua consagração, Olhai os Lírios do Campo, traduzido para vários idiomas. “Com este livro entrei definitivamente para o mundo da literatura”, disse anos depois em uma entrevista. Em 1941, ele escreveu Saga, considerado por ele próprio como o seu pior romance
Em 1941, Erico Verissimo morou por três meses nos EUA para proferir conferências a convite do governo Franklin Roosevelt. Ele escreveu um livro sobre essa viagem, intitulado Gato Preto em Campo de Neve (1941). Na volta, a partir de um incidente que observou na Rua da Praia, lançou O Resto é Silêncio, sobre a queda de uma mulher do alto de um prédio.
Em 1943. Erico se mudou com a família para os Estados Unidos novamente, a convite do Departamento de Estado, desta vez para uma estada de dois anos, durante os quais ministrou aulas de Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia em Berkeley. Na volta escreveu A Volta do Gato Preto (1947). Erico também aceitara o convite para trabalhar nos Estados Unidos porque estava descontente com o clima político no Brasil, que então vivia a euforia da ditadura Vargas.
Foi a partir de 1947 que Erico começou a escrever sua grande obra, a trilogia O Tempo e o Vento. O objetivo era reunir 200 anos da história gaúcha (1745 a 1945) em um único volume 800 páginas. Ao final escreveu 2.200 páginas. Divididos em três volumes. O primeiro, O Continente, foi publicado em 1949 e marca o momento mais importante da carreira de Verissimo. De O Continente saíram alguns personagens primordiais e bastante populares entre seus leitores, como Ana Terra e o Capitão Rodrigo Cambará. Logo a seguir vieram O Retrato e o O Arquipélago, escritas durante 15 anos, entre 1947 e 1962.
Erico publicou diversos livros ao longo de sua carreira. Era rigoroso na ocupação do seu tempo, na busca de histórias e estórias novas. Outras obras mais conhecidas incluem Música ao longe - livro que aborda a relação entre música e vida; Os Deuses Estão Mortos – questionamentos da fé e da religião; O Senhor Embaixador - Um romance que aborda a política e as relações internacionais e que lhe rendeu o Prêmio Jabuti em 1965.
Além de seus romances, Erico escreveu também contos. Os mais conhecidos são Os Velhos e A Volta do Guri, e obras infanto-juvenis como As aventuras de Tibicuera.
Nos anos 1970 começou a escrever sua autobiografia Solo de Clarineta. O primeiro volume de suas memórias foi publicado em 1973. Já o segundo volume não chegou a ser finalizado, tampouco o novo romance que se chamaria A hora do Sétimo Anjo. Não teve tempo, morreu em 28 de novembro de 1975, em Porto Alegre, vítima de infarto. A segunda parte da sua autobiografia Solo de Clarineta foi lançada em edição póstuma, em 1976, organizada pelo professor de literatura Flávio Loureiro Chaves.
Um memorial para o maior escritor gaúcho
O Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, localizado na Rua dos Andradas 1.223, Centro Histórico de Porto Alegre, é um local especial para curtir as obras do maior escritor gaúcho e um local de diversas manifestações artísticas. Inaugurado em 2002 no Edifício Força e Luz, o prédio é de arquitetura de inspiração francesa. Ali frequentemente há ações artísticas e formativas, como exposições, espetáculos cênicos e musicais, sessões de cinema, cursos, seminários, palestras, oficinas, lançamento de livros, de filmes e debates. No segundo andar, há o Museu da Eletricidade, inaugurado antes do Memorial, em 1977, com mais de 2 mil peças contando a história da energia elétrica no Brasil.
No sexto andar, está o Memorial Erico Verissimo, composto por conjunto de objetos e ações viabilizadas a partir da aquisição e institucionalização dos acervos de Mário de Almeida Lima e de Flávio Loureiro Chaves. São originais datilografados com inúmeras observações manuscritas, cadernos de anotações, desenhos, recortes de jornais, correspondência e fotos, grande parte do fotógrafo Leonid Streliaev.
Leonid também é editor de livros de arte brasileira, conhecido por sua habilidade em capturar momentos de emoção e beleza. Ele é autor de obras como O Rio Grande de Erico Verissimo e Tribunal de Justiça do RS – 150 Anos, além de tantos outros, e recebeu o título de Fotógrafo Brasileiro do Ano pela Associação dos Críticos de São Paulo. Recentemente, lançou o livro Nasce um Novo Rio Grande do Sul, que retrata a resiliência do povo gaúcho após as enchentes de maio de 2024.
O Memorial merece uma visita para os interessados em literatura. O ambiente é agradável e leva as pessoas a conhecer a vida e a obra de Erico, de vitrines, painéis, estruturas interativas e outros recursos visuais, sonoros e táteis. Nos painéis ali expostos, há informações preciosas. Um deles retrata as opiniões de Erico sobre ditaduras, em outro mostra que o livro O Continente, vendeu mais de 320 mil exemplares só na Alemanha nos anos 1950.
Prédio Força e Luz abriga o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo desde 2002
ANDRESSA MOREIRA/PAL?CIO PIRATINI/JC
Todos os acervos de Mario de Almeida Lima e Flávio Loureiro Chaves foram integralmente digitalizados, exceto livros, protegidos por direitos autorais. Eles estão disponíveis para consulta através do site do CCCEV.
Em 2020, a CEEE Equatorial, compradora da CEEE estatal, assumiu a missão de dar continuidade às atividades e ao acervo com o objetivo de preservar o legado do escritor. “Além de abrigar verdadeiros tesouros da memória nacional – como o Museu da Eletricidade do Rio Grande do Sul e do Memorial Erico Verissimo – seguimos oferecendo uma programação artística diversificada e de qualidade”, disse a assessoria do espaço.
A companheira de uma vida
Foi amor à primeira vista em plena adolescência de Mafalda. Em 1927, Erico conheceu sua futura esposa, Mafalda Halfen Volpe. Ela tinha só 15 anos quando ficaram noivos. E acompanhou com paixão a carreira do noivo e futuro marido.
Em uma manhã de outubro de 1930, Erico despediu-se de seu pai Sebastião, que se engajou na Revolução de 1930 e se mudou para Santa Catarina. Foi a última vez que se viram. Desempregado após a falência de sua farmácia, em dezembro de 1930, Erico mudou-se para Porto Alegre, disposto a viver de seus escritos. Mafalda, sua noiva, permaneceu em Cruz Alta, mas em 1931 resolveram se casar e passaram a morar em Porto Alegre.
Gaúcha de Pelotas, nascida em 18 de junho de 1913, ela sempre esteve ao lado de Erico até a morte do escritor, em 1975. Grande interlocutora de Clarice Lispector e amiga de dezenas de intelectuais que continuava recebendo em casa, teve dois filhos: Clarissa, nascida em 1935, e Luis Fernando Verissimo, em 1936. Clarissa é casada com um cientista/físico americano, teve três filhos e vive desde 1956 nos EUA, enquanto Luis Fernando tornou-se escritor tão famoso quanto o pai. Casou com a carioca Lúcia Helena Massa, em 1964, tão fiel escudeira quanto Mafalda foi de Erico. Luis Fernando teve três filhos e faleceu há poucos dias, em 30 de agosto, aos 88 anos.
Todos os dias, nos últimos anos de vida de Erico, Mafalda e ele passeavam de mãos dadas pelas manhãs no bairro Petrópolis. Eram reconhecidos e saudados pela vizinhança. As tardes, Erico dedicava aos livros. Logo após a morte de Erico, ela recolheu-se ao luto e encerrou-se em seu quarto por um ano, relembrou a escritora Lya Luft, falecida em 2021. “A vida dela era o Erico. A Mafalda era uma amiga paciente e doce, quase sempre estava alegre. O Luis Fernando tem esse humor embutido, como o pai. Já ela tinha um humor do cotidiano, tão inteligente, coisa rara nos dias de hoje”.
A filha Clarissa Jaffe disse, nas redes sociais, que o carisma de Mafalda era muito grande. Tanto que, mesmo depois da morte de Erico, ela vivia cheia de amigos. “Ela não era aquela figura anódina, aquela dona de casa, doméstica, que diz amém a tudo o que o marido importante diz ou faz. Era uma personalidade com opinião própria, culta, simpática e que sabia das coisas”.
Em 1982, Mafalda começou a organizar o acervo literário do marido, imensa quantidade de papéis e objetos de valor histórico e sentimental guardados no porão da casa. Com a ajuda da amiga Maria da Glória Bordini, foram catalogados mais de 10 mil itens. Parte do material está exposta ao público no Centro Cultural Erico Verissimo. Mafalda morreu aos 90 anos, em 2003, em Porto Alegre, vítima de complicações respiratórias. Hoje, é nome de praça no bairro onde viveu.
Erico Verissimo na Feira do Livro
A 71ª Feira do Livro, marcada para o período de 31 de outubro a 16 de novembro, terá vários eventos comemorativos para lembrar o legado de Erico Veríssimo (EV) e o seu valor.
EV visto de perto, dia 1º de novembro, no Auditório EV do Clube do Comércio, na Rua dos Andradas, 1.085, 2º andar: Apresentação de fotografias inéditas de Leonid Streliaev, que acompanhou de perto o autor e era considerado o “fotógrafo especial e preferido”. A exposição se completa com relatos de sua neta Fernanda Veríssimo, Leonid e Marô Barbieira. Haverá uma leitura de suas obras infantis.
Oficina Conversando sobre O Tempo e o Vento no dia 3 de novembro no Clube do Comércio: O evento pretende conversar sobre seu livro mais importante, reencontrando personagens como Ana Terra, Capitão Rodrigo, Bibiana, que aparecem em O Continente, primeira parte da trilogia, que ganham destaque em O Retrato e O Arquipélago como Dr. Rodrigo, Maria Valéria, Tio Bicho, Floriano Cambará.
Verissimo Vive, Erico em Antares no dia 4 de novembro, homenagem da Assembleia Legislativa, no Teatro Petrobras Carlos Urbim: Performance teatral com o Grupo Cerco inspirada no espetáculo Incidente em Antares. Baseada na segunda parte do romance homônimo, a cena se passa em 1963 na fictícia cidade de Antares. Com a cidade paralisada por uma greve geral, mortos não sepultados se levantam e denunciam a corrupção dos vivos.
AGES, homenagem os 120 anos de EV, no dia 5 de novembro no Clube do Comércio: Com Caio Riter, Juliana Pauletto e Márcia Ivana de Lima e Silva, a editora reúne escritores e estudiosos em uma mesa dedicada à obra literária de Erico. O encontro destaca a relevância e atualidade de um dos maiores nomes da literatura brasileira.
EV 50 anos depois, dia 8 de novembro, no Clube do Comércio: Com Carlos André Moreira, Jocelito Zalla, Manoel Madeira, Paula Ramos e mediação de Luis Augusto Fischer, o encontro debate os desafios humanos da obra do escritor, com posições políticas e estratégias literárias que sempre preservaram uma visão humanista.
Festa em Cruz Alta
Cruz Alta festeja neste ano 327 anos de fundação, mas é em torno dos 120 anos do nascimento do seu mais ilustre morador, Erico Verissimo – “Maior escritor nascido no município a residir no panteão dos grandes literatos do Brasil”, segundo a prefeita Paula Rubin Facco Librelotto – que a cidade de 60 mil habitantes, localizada a 336 quilômetros de Porto Alegre, ganha programação e movimentação. Para ela e a sua assessoria, Erico continua vivo no jeito de ser de Cruz Alta, nos seus casarios ou mesmo nas histórias passadas de pais para filhos.
Cruz Alta foi fundada em 1698 e emancipada em 18 de agosto de 1821. Mas o foco é todo no cidadão ilustre: uma grande programação vem sendo realizada no ano para homenagear o escritor. Ela começou no dia 23 de maio, com um evento especial que marcou o lançamento da agenda cultural, segundo o grupo de notícias Pilau. A agenda se estenderá até dezembro, com diversas atividades culturais e literárias.
A programação de lançamento dos 120 anos ocorreu em frente à Casa Museu, onde o escritor nasceu. As atividades se estenderão até dezembro, quando a orquestra da Ospa estará em Cruz Alta. Em paralelo, a Casa Museu Erico Verissimo, grande palco das ações culturais, está sendo revitalizada com recursos do Ministério da Cultura. O evento contou com a presença da neta de Erico, Fernanda Verissimo, filha de Luis Fernando e Lúcia Verissimo. O lançamento do programa teve apresentações artísticas com personagens icônicos da obra O Tempo e O Vento e a invernada adulta do CTG Querência da Serra, homenageando o escritor.
Mesmo com as obras, a Casa Museu Erico Verissimo não está fechada. O local recebe centenas de visitantes todos os meses. A 45ª Coxilha Nativista, que aconteceu em julho, também prestou inúmeras homenagens ao escritor, sendo Erico Verissimo o tema das canções.
A Administração Municipal tem feito um trabalho voltado à aproximação dos personagens e suas histórias junto às escolas, com palestras, debates, gibi A Turminha do Erico e outras tantas ações, que visam semear entre os mais jovens o interesse por uma obra tão rica.
A intenção também é deixar um legado para as próximas gerações, que poderão se encantar com os personagens de Aviãozinho Vermelho, Castelo Encantado e outras histórias e livros infantis de Erico.
Os caminhos de Erico
O historiador Rossano Viero Cavalari, de Cruz Alta, está escrevendo o livro O Menino e sua Aldeia sobre Erico Verissimo. Nas pesquisas que fez e nos mergulhos na vida do escritor, nasceu a ideia de mapear lugares da cidade nos quais Erico vivenciou experiências profissionais e de vida enquanto viveu por ali. Surgiu aí Os Caminhos de Erico em Cruz Alta.
Assessor cultural da Secretaria de Cultura e Turismo, 65 anos, amante da história regional, Rossano vive em Cruz Alta desde 1970, mas nasceu em Santiago (RS). Escreveu vários livros históricos, é também compositor nativista e filatelista. Coordenou por oito anos o Museu Erico Verissimo, onde há um acervo especial de muito valor para a cidade. Ele se graduou em História pela Universidade do Norte do Paraná (Unopar) e foi também secretário de Cultura de Cruz Alta (2005-2008).
Muitos dos lugares onde Erico passou parte da sua vida já foram substituídos por outras construções. Segundo Rossano, isso não impede de fazer valer o poder da imaginação para contar a história do escritor aos participantes do passeio. “Com a constante visitação orientada aos lugares históricos do centro da cidade, foi então organizado o roteiro com sete estações, desde a Casa Museu Erico Verissimo até a Praça da Matriz (também denominada oficialmente de Erico Verissimo)”, diz ele.
No início, os interessados agendavam a participação no passeio nas visitas ao museu. Diante da ótima aceitação popular, a prefeitura, através da Secretaria de Cultura e Turismo, potencializou a realização de Os Caminhos de Erico em novas ocasiões, com ênfase nas manhãs do período da Feira do Livro e Semana Literária Erico Verissimo, no mês de novembro, cujo passeio foi organizado em determinados dias para alunos das escolas de Cruz Alta e aberto à comunidade, sempre de forma gratuita.
Rossano faz o percurso de seis quarteirões em aproximadamente 50 minutos, portando uma pequena sineta na mão, conduzindo a todos e contando histórias dos citados lugares e das vivências de Erico. Atualmente o projeto do passeio está oficializado pela Secretaria de Cultura e Turismo e avança para a colocação de totens em frente aos lugares apresentados aos participantes. Entre essas “estações” estão a antiga escola onde o escritor estudou, a farmácia onde foi sócio, a casa da namorada Mafalda, até a praça que serviu de inspiração para compor o quadro ficcional da Santa Fé em O Tempo e o Vento, entre tantas outras coisas, pessoas e lugares.
No mês de novembro, especialmente na Feira do Livro, que acontecerá este ano no período de 4 a 9, será realizada uma intensa atividade de Os Caminhos de Erico, em especial pelas comemorações dos 120 anos do nascimento do escritor. Os interessados podem entrar em contato com o e-mail cultura@cruzalta.rs.gov.br para informações.
Um cão brabo
As noites das sextas-feiras eram tumultuadas nas redações dos jornais e revista. Era hora de fechar edições dos finais de semana ou a revista semanal. Hoje, com a tecnologia evoluindo rapidamente, a loucura das sextas desapareceu ou ficou mais suave. A jornalista Adélia Porto da Silva diz que a rotina na sucursal da revista Veja, em Porto Alegre, era supertranquila. Mas apertava na sexta-feira, dia de fechamento das principais editorias.
“No dia 28 de novembro de 1975, uma sexta-feira, eu já tinha chegado em casa e me liga o repórter Pedro Maciel: “Volta”. Erico Veríssimo falecera naquele fim de dia, por volta das 21h, alguns minutos depois de falar ao telefone com o escritor Jorge Andrade, autor da novela O Grito da Rede Globo. Sentou-se para ver a novela das dez e morreu rapidamente."
Veja aqui o depoimento de Adélia sobre como foi a cobertura desta longa noite.
“Àquela altura, a matéria de capa da semana seguinte estava pronta, indo para a oficina, para a impressão da edição que, na manhã de sábado, já estaria a caminho das bancas. Corajosa, a redação em São Paulo decidiu mudar a capa, derrubar a matéria pronta e trocar pela cobertura do falecimento de um dos principais escritores do país.
Tivemos aquele resto de noite e a madrugada para preparar as notícias, entrevistar muitas pessoas, acompanhar o velório na Assembleia Legislativa. Na pequena sucursal da Veja, montou-se um esquema de emergência. Janda, mulher do chefe, Luiz Cláudio (Cunha), veio ajudar e instalou uma seção de reposição de energia dos trabalhadores: garrafa térmica de café, bolachinhas, etc.
Uma das minhas tarefas foi buscar as provas de último livro do Erico – o segundo volume de Solo de Clarineta- que estava em produção, na Livraria do Globo. A revista queria publicar trechos juntamente com a reportagem. Era madrugada. Precisávamos falar com a editora Maria da Gloria Bordini, responsável pela edição do livro. Ela morava na Zona Norte.
Tínhamos o endereço, mas não o telefone. Para que eu não fosse sozinha no meu carro, a Janda foi junto. Era uma casa grande, cercada de grades pontudas, portão fechado. Estava amanhecendo. Fiquei rodeando o portão, sem saber o que fazer. Voltei ao carro e falei à Janda: “Tá tudo fechado. Só se eu pular a cerca”. Ela nem me olhou e disse: “Pula”.
Voltei lá, me enchi de coragem, galguei a cerca, desviando das pontas de ferro, saltei do outro lado. Maria da Gloria abriu a porta, de chambre, com cara de quem mal tinha dormido. “O cachorro não te atacou”? Segundo ela, era um cão furioso, não livrava ninguém. Tive sorte.
Terminando a história: seguimos para a livraria, no outro lado da cidade, no Menino Deus. Mal amanhecia. Maria da Gloria entrou no prédio, voltou com as provas, seguimos para a sucursal. Nossa matéria na revista saiu acompanhada de textos inéditos do Erico.”
Um contador de histórias sem igual
O escritor Rafael Guimaraens, com mais de 30 livros publicados, grande parte sobre histórias e estórias de Porto Alegre, além de obras infantis, é um dos autores mais prestigiados da atualidade no Rio Grande do Sul e Brasil. Premiado, diretor da Editora Libretos, jornalista, e autor do best seller A Enchente de 41, considera Erico Verissimo um exemplo para todas as gerações de escritores do Brasil, “um contador de histórias sem igual”. Veja aqui o que ele escreve sobre Erico.
“Dizer que Erico Verissimo influenciou várias gerações de escritores é um chavão, mas um chavão necessário para assinalar sua grandeza e importância para a nossa literatura. Tivemos grandes poetas e romancistas antes e depois de Erico mas o seu lugar é único e não só para escritores. Erico também formou uma legião de pessoas que adquiriram o gosto pela leitura pela engenhosidade de sua narrativa e pela riqueza de seus personagens. Um contador de histórias sem igual, autor de uma obra profundamente humanista na abordagem dos temas e generosa para com seus leitores que não cansam de ler e reler seus livros.
Se eu fosse obrigado a escolher um entre tantas obras primas, escolheria ‘Incidente em Antares’, uma divertida alegoria sobre as pitorescas rivalidades políticas que marcam a história do Rio Grande do Sul, com pitadas de realismo fantástico. Viva Erico!”
* Eugenio Bortolon, 73 anos, jornalista ainda atuante. Ex-Correio do Povo, Zero Hora, Correio Braziliense, Rádio Gaúcha, Rádio Guaíba, freelancer no O Globo, Estado de Minas, Jornal de Brasília, Placar, Manchete Esportiva, Grupo Bloch, Atualmente é colaborador do site Brasil de Fato e da Rede Estação Democracia (RED).