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Publicada em 28 de Outubro de 2025 às 17:33

Salário-mínimo atual cobre apenas 21% do necessário para manter uma família em Porto Alegre

Valor ideal seria de R$ 7.075,83; mínimo vigente é de R$ 1.518,00

Valor ideal seria de R$ 7.075,83; mínimo vigente é de R$ 1.518,00

Marcello Casal JrAgência Brasil
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar
Em setembro de 2025, o trabalhador que recebeu um salário-mínimo precisaria de mais de quatro pisos nacionais para sustentar com tranquilidade uma família de quatro pessoas no Brasil. O cálculo é do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que estima o valor ideal em R$ 7.075,83, frente ao mínimo vigente, de R$ 1.518,00. A defasagem é histórica e se mantém mesmo após a retomada da política de valorização do salário-mínimo.
Em setembro de 2025, o trabalhador que recebeu um salário-mínimo precisaria de mais de quatro pisos nacionais para sustentar com tranquilidade uma família de quatro pessoas no Brasil. O cálculo é do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que estima o valor ideal em R$ 7.075,83, frente ao mínimo vigente, de R$ 1.518,00. A defasagem é histórica e se mantém mesmo após a retomada da política de valorização do salário-mínimo.
O levantamento toma como base o custo da Cesta Básica de Alimentos nas 27 capitais brasileiras. Em Porto Alegre, o conjunto de itens essenciais custava R$ 811,44 no período - a segunda cesta mais cara do País, atrás apenas de São Paulo. O valor representava uma alta acumulada de 3,54% em 2025 e de 7,31% nos últimos 12 meses. Para adquirir apenas os alimentos básicos, o trabalhador da capital gaúcha precisou comprometer 57,8% da renda líquida e 117 horas de trabalho mensais.
Segundo a economista Daniela Sandi, do Dieese-RS, o distanciamento entre o salário nominal e o considerado suficiente para vencer o mês reflete não apenas uma defasagem conjuntural, mas um padrão estrutural de desigualdade. “Discutir o salário-mínimo é discutir o tipo de sociedade que queremos construir. Ele expressa o grau de civilização de um País e o compromisso com a redução da pobreza”, afirma.
Desde sua criação, em 1940, o mínimo atravessou períodos de valorização e arrocho. Daniela lembra que o poder aquisitivo mais alto foi registrado na segunda metade da década de 1950, enquanto as maiores perdas ocorreram nos anos 1990, quando o valor real chegou a representar apenas 30% do poder de compra original. A economista divide essa trajetória em oito fases, que vão da implantação inicial e dos reajustes regulares entre 1952 e 1959, passando pelo longo período de corrosão durante a ditadura militar - quando o piso caiu à metade do valor original - até a recuperação gradual a partir de 1995 e o início da política de valorização ocorrida em 2006.
Sobre o cenário atual, o professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Mauricio Weiss, avalia que a defasagem observada é, em parte, consequência das limitações estruturais da economia brasileira. “O cálculo do Dieese leva em conta uma meta ideal de renda, associada a uma vida de classe média, mas o PIB per capita mensal no Brasil é de cerca de R$ 5 mil. Então, mesmo que a renda fosse distribuída igualmente, ainda faltariam R$ 2 mil para chegar a esse valor”, contextualiza.
Weiss lembra que o salário-mínimo cumpre papel fundamental para garantir consumo básico às famílias de baixa renda, especialmente em um contexto de preços elevados. “Essas famílias têm todo o consumo reprimido. Alimentação, habitação e energia são despesas de primeira necessidade, por isso têm peso maior no orçamento. Medidas como a isenção de energia para famílias do CadÚnico e a desoneração da cesta básica são essenciais para aliviar essa pressão”, afirma.

Linha do tempo - As fases do salário-mínimo (1940–2025)

1940 – Criação do salário mínimo, inicialmente com valores distintos por região;
1952–1959 – Fase de valorização e reajustes regulares; ápice do poder de compra;
1964–1984 – Arrocho e corrosão durante a ditadura militar, perda de 50% do valor real;
1995–2002 – Início da recuperação gradual;
2003–2016 – Política de valorização: ganhos reais de 77% no período;
2019–2022 – Fim da valorização; apenas reposição inflacionária;
2023–2025 – Retomada da política com base no PIB e INPC; ganho real de 2,61% em 2025.

Valorização salarial ajuda a recompor perdas, mas é insuficiente

Entre 2019 e 2022, o fim da política de valorização do salário-mínimo coincidiu com o aumento do preço dos alimentos, do gás e da energia. “Isso reduziu drasticamente o poder de compra da população de menor renda”, avalia Daniela. Com a retomada da política em 2023 - um dos pilares do terceiro mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, houve melhora, mas a recuperação é lenta.
A Lei 14.663/2023 restabeleceu a política de valorização do salário-mínimo, que considera a inflação medida pelo INPC e o crescimento do PIB de dois anos anteriores. O reajuste de 2025, de 7,5%, representou um ganho real de 2,6%, com impacto estimado de R$ 81,5 bilhões na economia e R$ 43,9 bilhões de retorno em arrecadação sobre o consumo.
Weiss pondera que, embora positiva, a fórmula atual tem limites. “Ela ajuda a recompor parte das perdas, mas não é suficiente. Crescer acima disso pressionaria muito a Previdência e os custos do País, o que poderia gerar desequilíbrios fiscais”, avalia.
O professor também destaca o papel dos juros altos na limitação do poder de compra das famílias. “Os juros elevados são péssimos para o País. Além de encarecer o crédito e aumentar o custo da dívida, dificultam a ampliação de programas sociais que poderiam auxiliar a população de baixa renda. Isso se soma ao endividamento e reduz a capacidade de consumo”, observa.
No Rio Grande do Sul, o Piso Regional busca adequar a remuneração às condições produtivas locais. Daniela Sandi destaca que o instrumento é importante, mas também insuficiente. “Ele ajuda a garantir uma renda mínima um pouco mais compatível com o custo de vida, mas está longe de assegurar dignidade plena. Porto Alegre continua entre as capitais mais caras do País.”

O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2026, enviado ao Congresso, prevê salário-mínimo de R$ 1.631, um aumento de 7,44% sobre o valor atual. Caso confirmado, o reajuste mantém a política de valorização, mas ainda distante do patamar ideal estimado pelo Dieese.

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