Estar à frente de uma entidade empresarial em um momento de tantas dificuldades para o setor não é uma tarefa fácil. Suzana Vellinho Englert, no entanto, enfrenta os desafios com otimismo para o biênio 2024-2026 na presidência da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA). No ano passado, uniu e liderou forças para reerguer empreendimentos afetados pela enchente no Rio Grande do Sul. Agora, defende a diminuição das taxas de juros para o desempenho dos negócios. Nesta entrevista, ela fala da força dos gaúchos em tempos de crise e da falta de apoio do governo federal.
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Jornal do Comércio - O setor vinha em um momento de expansão até o ano passado, quando houve as enchentes. Essa desestabilização foi superada?
Suzana Vellinho Englert - Não, o setor não voltou ao normal ainda. O que que aconteceu foi que, no ano passado, com as inundações e enchentes, ficamos com um estoque muito preparado para o consumo. E esse estoque não foi ainda esgotado e enviado, principalmente por razões deste ano, que são especiais, o aumento dos juros.
JC - Como o setor foi afetado com a alta da Selic?
Suzana - Estamos com juros de 15%. Essa subida criou uma grande insegurança. O desemprego está estabilizado no País, mas a insegurança, na minha visão, aumentou. Hoje temos uma inadimplência maior, temos uma recessão de crédito em função das taxas de juros. Acredito que, por essas razões, o setor não voltou ao normal. Não fossem os juros, teríamos voltado, teríamos um mercado mais ativo. O agronegócio teve bom desempenho no País, e principalmente, no Rio Grande do Sul. Isso estimulou bastante o consumo, mas na condição do consumo à vista. Todo consumo a prazo, a crédito, está bastante temeroso. Não só o consumidor está temeroso, as empresas também.
JC - No ano passado, o JC publicou a pesquisa de comportamento do consumidor, registrando uma queda de 36% no consumo de produtos e serviços em função das enchentes. Esse índice pode se repetir?
Suzana - Pode, e, inclusive, aumentar em função do receio do consumidor.
JC - Qual a parcela de participação do poder público nesse cenário?
Suzana - A Associação Comercial de Porto Alegre, no ano passado, foi uma das integrantes das idas à Brasília, buscando junto ao Senado e à Câmara de Deputados a liberação das verbas para Porto Alegre e Rio Grande do Sul. Essas verbas não vieram até hoje. As verbas que o governo federal diz que vieram eram verbas apropriadas a outras rubricas, não à rubrica específica de recuperação das enchentes. Por isso, infelizmente, temos muitos empreendedores que não conseguiram se reerguer, tanto fisicamente nos estabelecimentos quanto pelos estoques. Não tivemos nada de apoio, não tivemos juros subvencionados ou suavizados. Os juros das dívidas não aconteceram e o governo federal, sim, está muito comprometido com a realidade gaúcha. Veja: o agro é um grande propulsor do consumo, e nós estamos há três safras com problema. Até agora a securitização ainda não aconteceu. Então, sim, o governo federal, está comprometido com a recuperação, ou melhor, com a falta de recuperação do nosso Estado.
JC - Quais as maiores necessidades do setor?
Suzana - Nossa necessidade maior é o perdão das dívidas. Se falarmos de agro, é a securitização; se falarmos sobre empreendedores, é a liberação de recursos para quem foi atingido. Estamos falando de, basicamente, crédito e perdão de dívidas. A falta de recurso para nós nos restabelecermos é a grande dificuldade. Nós fomos a Brasília, batemos nas portas dos deputados, fomos à audiência com o presidente da Câmara de Deputados, com o Senado. Não conseguimos nada. Não conseguimos liberação das dívidas, não conseguimos recursos. O Estado do Rio Grande do Sul é um grande proponente de recursos ao governo federal ao longo dos anos, em função, basicamente, do agronegócio. Não queremos favor, queremos o impulso daquilo que é nosso. Queremos reerguer nossa economia, mas precisamos que nos devolvam um pouco de tudo que arrecadamos e enviamos para o governo federal, para os cofres federais. Precisamos desses recursos, mas não tivemos. Então, o governo federal tem grande parcela de responsabilidade.
JC - Esse cenário pode se reverter? A senhora é otimista?
Suzana - Sim, sou otimista. O que precisamos, enquanto gaúchos, é sermos olhados pelo governo federal. O governo federal não está olhando para nós, nem para o comércio, nem para o varejo, nem para o agronegócio. Estamos em um momento de grande inovação, temos a Inteligência Artificial, que pode nos ajudar com relação aos nossos processos e controles do nosso negócio, que pode nos ajudar muito. O gaúcho não vira as costas para isso, é atento a essas coisas. Temos sim, temos uma grande condição de empreender. O que precisamos é de apoio nesse sentido.
JC - Porto Alegre é um ambiente de negócio favorável?
Suzana - Sim, temos um público muito ativo, temos grandes empreendedores. Temos esse público de startups e o Instituto Caldeira, por exemplo. Olha a quantidade de empreendedores que estão inovando lá. Sim, temos um público muito ativo. Temos um público gaúcho que é tenaz, que é corajoso, que é empreendedor. Mas, quando vem uma avalanche como essa que aconteceu o ano passado e não temos sobras de capital de giro, fica complicado.
JC - A desburocratização para as empresas se mantém?
Suzana - Essa questão é bastante importante para o empreendedor. Acredito que muitos problemas que haviam se davam em função da falta de diálogo. Nós queremos aproximação para um diálogo mais próximo, muito mais efetivo. Acreditamos que, assim, podemos nos mover, mover as montanhas que existem e que nos impedem de empreender. Temos uma administração municipal em Porto Alegre muito atuante e se empenhando para que os negócios aconteçam aqui, tanto na área de Turismo, com a nova secretária Fernanda Barth, quanto com relação ao prefeito e aos demais secretários. Se procurarmos um pouquinho mais sobre todo o processo de desburocratização que já vem sendo feito desde a gestão passada, temos a administração municipal como facilitadora de negócios.
JC - Falando sobre a Associação, quais as ações desenvolvidas neste ano?
Suzana - Nós temos feito eventos sempre comprometidos com os temas da realidade, como Inteligência Artificial e ESG, por exemplo. Nós nos entendemos enquanto entidade que presta serviços de qualificação e capacitação aos associados e na comunidade como um todo. A Associação Comercial tem a preocupação de ser uma qualificadora, uma capacidade para que o empreendedor possa buscar sucesso nos seus negócios. Nos unimos a outras entidades de Porto Alegre, que chamo coirmãs: Sindilojas, CDL Poa, Sindha, para que possamos fazer um trabalho muito mais assertivo com relação a Porto Alegre. Nos unimos desde o ano passado e desenhamos as premissas com relação ao nosso desenvolvimento. Fomos à Câmara de Vereadores, fizemos um trabalho de apresentação dessas premissas, buscando conciliação com os vereadores de todos os partidos. E fizemos um grande trabalho com o Executivo municipal. No ano passado, a Associação Comercial foi em busca de recurso do governo federal, e está muito próxima do governo municipal. Queremos estar juntos para resolver, para empreender, para opinar, para sugerir. Hoje, não vejo distância entre e os empreendedores e a administração. A Associação Comercial está procurando tanto buscar qualificação, capacitação, quanto a busca de empreendimentos na nossa cidade.