Era noite de 28 de junho de 1969 quando o bar Stonewall Inn, em Nova York, virou palco de um episódio que mudaria para sempre a história da comunidade LGBTQIA. Na época, não era raro que a polícia invadisse bares frequentados por pessoas LGBTQIA, sob o pretexto de aplicar leis que censuravam sua existência.
Mas, naquela noite, algo diferente aconteceu: os frequentadores, cansados de violência, reagiram. O confronto tomou as ruas e se transformou em dias de resistência. Assim nasceu a Revolta de Stonewall, marco que acendeu a fagulha do movimento moderno de libertação LGBTQIA no mundo inteiro.
Cerca de 22 anos depois e a aproximadamente 8 mil quilômetros de Nova York, um grupo de moradores da Casa do Estudante Universitário (Ceu) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, resolveu fundar a primeira Organização LGBT do Estado. O Nuances, Grupo Pela Livre Expressão Sexual, tem sua data de fundação em 1991 e foi o responsável por criar um dos eventos mais tradicionais de Porto Alegre: a Parada Livre.
Célio Golin, um dos fundadores do Nuances e organizador da primeira Parada da Capital, conta que antes da criação da passeata, já havia debates sobre Stonewall e situações brasileiras parecidas, como o Ferro's Bar — conhecido como o Levante do Ferro's Bar, foi uma manifestação lésbica ocorrida em São Paulo, no dia 19 de agosto de 1983, parte da luta contra a discriminação e preconceito, que deu origem ao Dia do Orgulho Lésbico, dia 28 de agosto.
A primeira edição foi emblemática, pois aconteceu nos arredores da Redenção, onde é a Parada até hoje. "Em 1997 resolvemos ir para a rua. Tínhamos uma sede na Rua Vieira de Castro, perto do Colégio Militar e do Brick da Redenção. E então, fizemos uma passeata. Tinham umas 100 pessoas, com bandeiras, faixas, apito, gritando 'Não, não! Homofobia, não!'. Essa foi a primeira manifestação, caminhamos toda a rua José Bonifácio, da João Pessoa a Oswaldo, fomos e voltamos", relembra o integrante do Nuances.
Prestes a completar 30 anos de história, hoje a Parada Livre é um dos mais tradicionais atos de visibilidade LGBTQIA do Rio Grande do Sul, tendo a mesma idade que a de São Paulo — conhecida por ser a maior do Brasil. A organização é coletiva, reunindo mais de 15 entidades e movimentos sociais, entre eles Mães pela Diversidade, Ong Somos, Igualdade, Juntos, Nupsex e G8 da Ufrgs.
O financiamento para a realização do evento normalmente vem através do apoio de sindicatos, bares, casas LGBTQIA e de setores progressistas da sociedade. Desde as primeiras edições, a Parada recebe suporte da Prefeitura de Porto Alegre, que disponibiliza infraestrutura como palco, ambulâncias e banheiros químicos. Além da Prefeitura, a Parada conta com algum apoio do Governo do Estado e, em ocasiões específicas, com editais do Governo Federal, especialmente através dos Ministérios da Cultura, da Saúde e dos Direitos Humanos.
As pautas de enfrentamento à LGBTfobia, dos direitos humanos e da cidadania estão no centro do evento. Para Golin, a Parada tem um papel pedagógico na sociedade, pela capacidade de enfrentar estigmas e desafiar o conservadorismo ao ocupar o espaço público com corpos, afetos, expressões e existências diversas. "Ela reforça a autoestima das pessoas, dá poder para elas. Depois da Parada, muita gente se sente mais fortalecida para viver o dia a dia. Ela tem esse papel coletivo, educativo e transformador", afirma.
Nega Lu, um dos símbolos da diversidade em Porto Alegre, era presença confirmada nas passeatas da Parada Livre
Mathias Cramer/Divulgação/JC
Mais mulheres dizem "sim": casamentos homoafetivos femininos crescem no Brasil
O número de casamentos entre mulheres no Brasil alcançou, em 2023, o maior patamar da série histórica iniciada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013.
Foram registrados 7 mil casamentos civis entre mulheres, o que representa um aumento de 5,9% em relação a 2022. O dado consolida não apenas um novo recorde, como também reflete uma tendência contínua de crescimento das uniões homoafetivas femininas no País.
Em 2023 foram 11,2 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo, 1,6% a mais comparado ao ano anterior. O cenário, no entanto, não se repetiu entre os homens. Os registros de casamentos homoafetivos masculinos tiveram queda de 4,9%, totalizando 4.175 no ano passado.
Andresa Fialho é formada em marketing e celebrante de casamentos, ela conta que apesar de mais casais heterossexuais buscarem a celebração dela, houve um aumento da procura de casais homossexuais para cerimônias.
"Eu acho que houve um aumento desde que foi legalizado, embora a minha cerimônia não tenha efeito civil, mas eles se sentem um pouco mais seguros de celebrar o amor que sentem um pelo outro, de mostrar que esse amor merece ser celebrado", afirma.
Sobre a diferença de casar um casal hétero e homo, Andresa conta que o casal homossexual costuma ter um motivo a mais para celebrar o amor e mostrar a união para a sociedade.
"A diferença que vejo entre casal homoafetivo e hétero está na alegria e na liberdade de poder celebrar o amor que eles vivem. O casal homoafetivo carrega esse peso do preconceito, da discriminação, de não poderem agir normalmente em público muitas vezes. Eu acho que a diferença maior é justamente na maneira como eles celebram essa liberdade", afirma.
Desde 2013, com a Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os cartórios estão impedidos de recusar a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A medida foi uma consequência direta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2011, reconheceu a união estável homoafetiva com os mesmos direitos da união heterossexual.
E esse aumento consistente dos casamentos entre mulheres é um reflexo de um movimento que combina busca por proteção jurídica, afirmação de direitos e também uma resposta às ameaças constantes de retrocessos para a população LGBTQIA no Brasil. Formalizar a união representa não apenas o reconhecimento social da relação, mas também segurança patrimonial e sucessória.