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Publicada em 07 de Maio de 2025 às 17:44

'Brasil tem condições de sair em posição confortável em relação à política norte-americana', diz Zeina Latif

Economista afirma que País é 'naturalmente' mais blindado às políticas de Trump

Economista afirma que País é 'naturalmente' mais blindado às políticas de Trump

FABUANOI PANIZZI/DIVULGAÇÃO/JC
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Caren Mello
Caren Mello
Escolhida em 2006 pela Revista Forbes como uma das mulheres mais influentes do Brasil na categoria Economia, a economista Zeina Latif esteve em Porto Alegre, a convite da Unimed, para discutir o mercado da saúde na programação do 29º Simpósio das Unimeds do Estado do Rio Grande do Sul. Zenia, que teve passagens pelo Royal Bank of Scotland (RBS), ING no Brasil, Banco Real e HSBC, acredita que o Brasil não deverá sofrer com a política de tarifas do governo norte-americano de Donald Trump. Em entrevista ao Jornal do Comércio, disse acreditar que, ao contrário, alguns setores podem, inclusive, ser beneficiados, como o agronegócio e a indústria. “O Brasil tem uma economia fechada, está naturalmente mais blindado às políticas norte-americanas”, avaliou a economista.
Escolhida em 2006 pela Revista Forbes como uma das mulheres mais influentes do Brasil na categoria Economia, a economista Zeina Latif esteve em Porto Alegre, a convite da Unimed, para discutir o mercado da saúde na programação do 29º Simpósio das Unimeds do Estado do Rio Grande do Sul. Zenia, que teve passagens pelo Royal Bank of Scotland (RBS), ING no Brasil, Banco Real e HSBC, acredita que o Brasil não deverá sofrer com a política de tarifas do governo norte-americano de Donald Trump. Em entrevista ao Jornal do Comércio, disse acreditar que, ao contrário, alguns setores podem, inclusive, ser beneficiados, como o agronegócio e a indústria. “O Brasil tem uma economia fechada, está naturalmente mais blindado às políticas norte-americanas”, avaliou a economista.
Jornal do Comércio - Haverá queda de juros no final do ano, como indicado pelo governo federal?
Zeina Latif - Para alguns economistas, o Banco Central deveria continuar subindo os juros e, depois, tentar cortar. Não é a minha visão. O ideal seria ter menos oscilação da política monetária. Eventualmente, no final do ano, o Banco Central consegue fazer algum relaxamento. Mas estamos falando de um grau de aperto monetário bem significativo. Considerando o histórico de meta de inflação, eu diria que o país está vivendo em um dos níveis mais elevados de aperto monetário.
JC – Certa vez a sra. se referiu à alta taxa de juros como um regulador.
Zeina - O papel da taxa de juros é a inflação. A preocupação do Banco Central é que a inflação está acima da meta e as expectativas inflacionárias para piorar também. Significa que o esforço tende a ser maior. Buscar a inflação de novo é a meta de 3%, sendo que estamos falando de uma inflação de quase 6%. O papel da política monetária é esse. Claro que o mercado vai se ajustando, vai fazendo as suas apostas. O mercado financeiro é bem heterogêneo. Por exemplo, para o mercado de capitais, esses juros elevados machucam muito. Fica muito mais difícil ter valorização da bolsa, IPOs, captação no mercado de capitais. O segmento de crédito bancário também sofre.
JC – A confiança entre governo e mercado fica mais abalada?
Zeina – O quadro que temos é o banqueiro central, que já entrou com um déficit de credibilidade por ter sido indicado pelo Lula, que politizou a política monetária. Atrapalhou o trabalho do (Gabriel) Galípolo e do Banco Central. Os analistas fazem um cálculo: se o presidente, que criticava o Banco Central, indica o Galípolo, é porque devem ter visões parecidas. Certo é que a meta de 3% ainda não saiu do vácuo.

JC - Em relação aos EUA, ainda está difícil prever o impacto do tarifaço no Brasil?
Zenia - Falar que o quadro é incerto é uma obviedade porque vemos um presidente muito ativista. Ele tomou posse outro dia, parece que já se passaram anos. O problema não é que ele está fazendo uma coisa intensa na direção correta. São erros graves de política econômica. Não é uma mudança brusca, mas que vai se sustentar e dar condições políticas para avançar. Na Argentina, o governo (Javier) Milei falou que iria fazer um ajuste, está fazendo e tem coisas na direção correta, uma hora vai ter o fruto político e econômico. A materialização é uma perda de riqueza nos EUA, que, aliás, já está acontecendo. O que que dá, pelo menos, de forma mais pragmática focada aqui em um cenário de médio prazo. O Brasil está naturalmente mais blindado. Não fica indiferente, mas fica blindado por sermos uma economia fechada. Nossa economia depende menos do comércio. Os EUA são um parceiro importante, mas para alguns produtos. Os impactos serão mais setoriais e alguns com efeito ambíguo.

JC – O agronegócio é um exemplo de setor que pode ser beneficiado?
Zenia – O agro, em princípio, é ganhador. Se EUA e China, daqui a um tempo, se acertarem e houver um compromisso da China, por exemplo, em comprar produtos de novo do agro dos EUA, fica ambíguo. Hoje o sinal está sendo positivo no sentido de aumentar embarques. Por quanto tempo? Não sabemos. Há uma discussão em relação à Indústria, sobre o que podemos ter de entrada de produtos, principalmente da China. Os EUA são o principal mercado da China, que tenta desviar a sua produção para outros países. Por outro lado, tem setores que estão ganhando um pouco de competitividade, como, por exemplo, o setor de calçados. Não dá para dizer que o Brasil é um perdedor nessa história. Há condições de sairmos numa posição confortável em relação outros países.

JC – O País irá cumprir a meta fiscal, como no ano passado?
Zeina – No ano passado, cumpriu, mas de um jeito um pouco torto. “Ir bem” em um ano, mas por subterfúgios, manobras, não significa melhorar estruturalmente. Claro que, cumprir de jeito menos convencional, é melhor do que não cumprir. No ano passado, o governo se beneficiou do que aconteceu em 2023, quando ganhou autorização para gastar mais na PEC da transição e antecipou algumas despesas. Não foi de grande qualidade o que aconteceu. Estruturalmente, o país está deficitário. Até o final do mandato, a necessidade de contingenciamentos e de fontes de receitas vai aumentando porque a meta é mais ambiciosa, sem políticas de aumento de arrecadação. Pelo contrário, tem o risco da proposta do Imposto de Renda não ser plenamente compensada. Chegará ao final desse mandato em uma situação bastante precária do ponto de vista de espaço para gastos discricionários. O próximo presidente já entrará com a faca no pescoço. Terá que, já no primeiro ano, começar com uma reforma, de preferência das políticas assistenciais e da Previdência.

JC -E os recursos para o Rio Grande do Sul podem ter impactado?
Zeina - Tanto do Rio Grande do Sul como do Centro-Oeste, que teve estiagem. Ficaram fora da conta, da regra do teto. Se considerarmos que eventos climáticos vão ser cada vez mais frequentes, precisamos criar espaço fiscal para situações como essas, minimamente. Essa é uma discussão muito forte nos países da Europa. Tem que preparar os países para medidas de socorro e associadas à transição verde. Não dá para ficar toda hora utilizando a ideia da excepcionalidade. Tem que criar algum colchão. O Brasil não está fazendo esse debate, mas vai ter que ser feito. Não dá para cada evento a gente aumentar gastos públicos sem ter nenhum esforço fiscal. Esse esforço fiscal tem que ser dos entes também, senão fica muito pesado para a sociedade.

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