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Cooperativas

- Publicada em 05 de Dezembro de 2023 às 19:49

Contabilidade impulsiona futuro do cooperativismo

A área contábil pode fazer a diferença ao garantir o crescimento e a expansão de uma cooperativa, ou, ao contrário, caso não tenha pleno domínio, gerar sérios prejuízos junto ao Fisco

A área contábil pode fazer a diferença ao garantir o crescimento e a expansão de uma cooperativa, ou, ao contrário, caso não tenha pleno domínio, gerar sérios prejuízos junto ao Fisco


/AUGUSTO TOMASI/Divulgação/JC
Caren Mello, especial para o JC
Caren Mello, especial para o JC
O sistema cooperativista cresce de forma exponencial em todo o mundo. No Brasil e no Estado, não é diferente. Em solo nacional, temos 4.693 cooperativas constituídas, com quase 20,5 mil associados, e gerando emprego para cerca de 525 mil pessoas. Esse mercado, para se manter forte, deve ter um setor contábil aliado às suas peculiaridades. Prestar serviço contábil a cooperativas requer estudo e permanente atualização. A área contábil é que fará a diferença ao garantir o crescimento e expansão de uma cooperativa, ou, ao contrário, caso não tenha domínio, gerar sérios prejuízos junto ao Fisco.
Para entender o potencial do setor e mirar no futuro, é preciso olhar para o passado e entender o contexto de crescimento. O Brasil tem mais de 50 anos de cooperativismo, se considerada a primeira legislação específica, mas data de 1902 o nascimento da primeira organização no Rio Grande do Sul, a Cooperativa de Crédito Rural de Nova Petrópolis. Somente em 1971, é publicada a Lei nº 5.764, em vigor até hoje, que define a Política Nacional de Cooperativismo.
Do início daquele século até os dias de hoje, ele só se expandiu. De acordo com levantamento de 2022 do Anuário do Cooperativismo Brasileiro, o setor tem R$ 996,6 bilhões em ativos (um aumento de 27% em relação ao ano anterior), com ingressos na ordem de R$ 656 bilhões. Produzido pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a publicação também aponta o desenvolvimento para a sociedade. Em 2022, as cooperativas injetaram mais de R$ 19 bilhões em tributos nos cofres públicos. Isso sem contar os mais de R$ 25 bilhões referentes ao pagamento de salários e outros benefícios destinados a colaboradores.
No Estado, segundo números da Ocergs/Sescoop, no ano passado, as cooperativas gaúchas tiveram um crescimento de 20,2% em seus ativos, chegando a R$ 149,6 bilhões, e no patrimônio líquido, 16,1%, alcançando os 28,1 bilhões. Se for considerado o cenário global, o movimento financeiro das 300 maiores cooperativas do mundo atingiu em 2020, em plena pandemia, mais de US$ 2,1 trilhões. Os dados são do WorldCooperative Monitor 2022. A expansão é tão marcante, que o superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras do Rio de Janeiro (OCB/RJ), Abdul Nasser, comentou: "Se fosse um país, o sistema cooperativo teria um dos dez maiores PIBs do mundo em 2020."
Pensar o cooperativismo do futuro e não perder essa onda de crescimento, a contabilidade tem um papel fundamental, de acordo com o diretor-presidente da consultoria Dickel - Consultores Associados, Dorly Dickel. "Temos um enorme caminho pela frente, com uma imensa capacidade de crescimento. O papel do contador é entender esse contexto. Ele precisa gerar informações fidedignas para ajudar a administração a interpretar os dados e ser um provocador de melhorias dentro da cooperativa. Sem informação não se administra", explica Dickel.
Para um cooperativismo saudável, ele é enfático ao citar a importância do domínio das características do setor quanto às normas de contabilidade. A transparência e a qualidade da informação são as principais ferramentas que o profissional utilizará para auxiliar os dirigente a interpretar. "A contabilidade é o coração da empresa, tudo passa por lá", define.
 

'A falta de clareza sobre o ato cooperativo é a maior dificuldade'

Dickel se ressente de não haver uma formação universitária voltada ao cooperativismo

Dickel se ressente de não haver uma formação universitária voltada ao cooperativismo


/Lisa Roos/Divulgação/JC
Estar em sintonia com o crescimento do sistema cooperativista requer atenção e dedicação do contador. Se a contabilidade é uma das áreas que mais passa por atualizações na legislação, ela ainda tem uma especificidade maior ao ser inserida no universo das cooperativas.
Como comparou o diretor-presidente da consultoria Dickel - Consultores Associados, Dorly Dickel, a contabilidade é o coração da empresa, em função da geração de informações que ajudam a administração a interpretar os dados. No entanto, nada se realizará, caso o contador não tenha domínio do cenário onde está atuando.
A contabilidade no Brasil segue as Normas Internacionais de Contabilidade, também conhecidas como IFRS (International Financial Reporting Standards), mantendo-se atenta às alterações e necessidade de adaptação. No País, a lei vigente é a Lei nº 5.764, publicada em 1971. Já a contabilidade cooperativista guia-se, também, pela Interpretação Técnica Geral (ITG) 2004, que regula os procedimentos específicos para o setor.
Contador e administrador, com especialização em cooperativismo, Dickel se ressente de não haver uma formação universitária, tamanha são as peculiaridades a apreender para o exercício pleno do profissional. As universidade, cita, oferecem conteúdo de contabilidade pública, de seguros, industrial ou comercial, mas não de cooperativismo, o que obriga o profissional a buscar a especialização.
A principal dificuldade de um contador ao ingressar em uma cooperativa é segregar o ato cooperativo do ato não cooperativo. "Esse é o grande dilema", avalia Dickel, ao ressaltar que as normas são esparsas, o que exige interpretação para a distinção que irá nortear todo trabalho.
As diferenças também passam pela nomenclatura. Receita passa a ser ingresso e despesas, dispêndio. "Mas como apurar de forma segregada? Imagina uma cooperativa que trabalha com frigorífico ou com laticínio, e recebe leite de associados e de não associados. Vai produzir leite, manteiga, iogurte, queijo... tem que separar tudo até a hora da venda", diz, ao ressaltar que, para cada processo, há um imposto diferente.
Essa diferenciação passará pela reforma tributária. A PEC colocou ato cooperativo no regime especial optativo. Caso a cooperativa achar que não seja vantajoso, poderá se submeter ao regime geral. Ainda assim, ficará um vácuo na regulamentação, pois fica faltando uma lei complementar. "O texto da PEC criou uma expectativa e uma angústia", reclama o contador. O tratamento adequado do ato cooperativo foi colocado em 1988, na Constituição Federal, que indicava a necessidade de uma lei complementar definindo o adequado tratamento do ato cooperativo. "De 88 até agora, são mais de 35 anos e não saiu a lei complementar. E não saiu por falta de sintonia, de consenso."
Daí a importância de uma educação continuada e de conhecimento para dar início a um Plano de Contas adequado. Nele, existe a possibilidade de fazer essa segregação. As cooperativas de crédito, por exemplo, se submetem ao Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif), que apresenta os critérios e procedimentos contábeis a serem observados. Já as Unimeds seguem o plano contábil da Agência Nacional de Saúde (ANS), e as de eletrificação, a Aneel, todas com previsão da segregação. Ou seja, as cooperativas com órgãos reguladores possuem um norte mais seguro, as demais dependem de manuais e publicados.
Em recente seminário promovido pela Dickel, com profissionais de oito estados do País, uma pesquisa interna demonstrou o grande anseio dos contadores: falta de regulamentação do ato cooperativo. "A indefinição, a falta de clareza sobre o ato cooperativo é a maior dificuldade", aponta.
Para o contador, há um imenso espaço a ser ocupado pelos contadores, tanto na auditoria, como na consultoria tributária. "Com o crescimento desse setor, está vindo um ciclo de valorização profissional, mas a mão de obra qualificada vai faltar", avisa.

Plano de Contas bem feito define a boa contabilidade

Margit Kasper, contabilidade

Margit Kasper, contabilidade


/MARGIT KASPER/ARQUIVO PESSOAL/JC
Margit Kasper é contadora e administradora de empresas, com especialização em Gestão de Empresas e Serviços. Ela faz parte da Comissão de Estudos do Setor Cooperativo do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), onde são discutidas as formas de bem prestar o serviço contábil no setor.
JC Contabilidade - Quais as diferenças de um plano de contas de uma cooperativa?
Margit Kasper - A diferença começa pela separação do que é ato cooperado e não cooperado. Tem que ser segregado. É preciso ter cuidado. No ato cooperado não incide Imposto de Renda e contribuição social. Se a cooperativa for fiscalizada pela Receita, tem que estar bem claro porque ela pode querer tributar o ato cooperado. A contabilidade na cooperativa vai começar por um Plano de Contas bem feito.
Contab - O que importante que o contador saiba sobre as rotinas?
Margit - O contador deve participar das assembleias gerais, deve explicar ao cooperador os benefícios que ele tem, e que são muitos. Um cooperado do ramo do agro, por exemplo, se estiver sozinho, não vai conseguir bom preço, compra de insumos, assistência técnica.
Contab - Quais as maiores dúvidas do contador que atua em cooperativa?
Margit - Nesse grupo de estudos, fazemos eventos com temas específicos. São trazidas tantas dúvidas. Um exemplo são os Fundos. As cooperativas porque as cooperativas são obrigadas a construírem Fundos. Tem o Fates (Fundo de Assistência Técnica Educacional), que, muitas vezes, não são usados para o cooperado. Tem outros que a assembleia pode criar.
Contab - Quais outras diferenças? No capital social, por exemplo?
Margit - O capital social de uma cooperativa é de cotas. Cada cooperativa estabelece quantas e quanto vale cada cota. Em relação ao pró-labore, no agro, por exemplo, os dirigentes retiram. A assembleia também define o valor-hora, que recolhe INSS. Já o cooperado recebe, pela produção, um valor definido em assembleia. No balanço de final de ano, se deu resultado positivo, ele têm direito também à sobra. Essa é a principal diferença: na empresa, ele recebe pelo capital social, na cooperativa, o que remunera é a entrega ou quantas horas trabalharam.
Contab - Como acontece a integralização?
Margit - Na cooperativa, muitas vezes o capital vai integralizando na medida da entrega. Quem define é assembleia.
Contab - A assembleia das cooperativas tem um peso maior?
Margit - Ela tem muito peso. Pode criar novos fundos ou alterar o percentual. A legislação estabelece que os 5% do Fates e 10% do fundo obrigatório. A assembleia pode decidir que o fundo obrigatório, que é aquele percentual das sobras que ficam retidas, ele seja, por exemplo, de 50%. Nos Sicreds, o percentual tem que ser muito maior porque tem que ficar boa parte do lucro retido.
Contab - Qual a primeira informação que o contador que queira ingressar na área deve ter?
Margit - É importante fazer cursos, entrar em contato com o Conselho, com a Ocergs. Contabilidade de uma cooperativa não é a mesma coisa que uma outra empresa. A cooperativa tem as suas particularidades que tem que ser cuidada. Pode dar um problema grave com o físico, se não for seguida algumas coisas que tá na legislação e também tu pode prejudicar o próprio cooperado.