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Publicada em 17 de Agosto de 2025 às 12:42

OPINIÃO: Primeiro longa em competição em Gramado, 'Nó' é narrativa sensível sobre a amizade entre mulheres

Estreia de Laís Melo na direção de longas-metragens, 'Nó' foi atração no Palácio dos Festivais no sábado (16)

Estreia de Laís Melo na direção de longas-metragens, 'Nó' foi atração no Palácio dos Festivais no sábado (16)

CLEITON THIELE/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
Primeiro longa em exibição na mostra competitiva nacional do 53º Festival de Cinema de Gramado, Nó trouxe no sábado (16) ao Palácio dos Festivais uma história de amizade e afeto entre mulheres. No filme, que marca a estreia da diretora Laís Melo no formato longa-metragem, é contada a história de Glória (Saravy), que recentemente se mudou para um apartamento com as três filhas após uma turbulenta separação do marido. Enquanto luta para conseguir uma promoção na fábrica de salgadinhos onde trabalha, Glória precisa transformar a nova casa em um lar, sustentando a família e impedindo que suas próprias dores e lutas se transformem em barreiras para a vida das filhas.
Primeiro longa em exibição na mostra competitiva nacional do 53º Festival de Cinema de Gramado, trouxe no sábado (16) ao Palácio dos Festivais uma história de amizade e afeto entre mulheres. No filme, que marca a estreia da diretora Laís Melo no formato longa-metragem, é contada a história de Glória (Saravy), que recentemente se mudou para um apartamento com as três filhas após uma turbulenta separação do marido. Enquanto luta para conseguir uma promoção na fábrica de salgadinhos onde trabalha, Glória precisa transformar a nova casa em um lar, sustentando a família e impedindo que suas próprias dores e lutas se transformem em barreiras para a vida das filhas.
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É um filme bastante sensível, e o cuidado com que a história é construída se faz claro desde as primeiras cenas. Em oposição às cenas duras, quase 'quadradas' dentro da fábrica, as tomadas no ambiente familiar são mais coloridas, com amplos espaços para o movimento e a corporeidade das personagens. Uma cena em especial - um plano estático, que mostra as quatro mulheres da família jantando e conversando sobre seus planos e possibilidades de futuro - é de uma beleza poética genuinamente comovente, usando pouquíssimos elementos para construir, de forma memorável, o amor e amizade entre aquelas mulheres.

O longa de Laís Melo também acerta ao evitar mostrar, de forma explícita, as violências sofridas pelas protagonistas. Magali, interpretada por Fernanda Silva, talvez seja o maior acerto nesse sentido: a mulher travesti surge, no caso, como uma mulher entre as outras, amiga próxima que atua como rocha nos momentos de maior fragilidade de Glória, em nenhum momento obrigada a fazer discursos a respeito de si mesma. É uma aposta no cinema, sempre tão extraordinário, também como consolidador do ordinário - uma escolha profundamente feliz, e que nos faz ficar desejando um filme à parte para Magali, tão interessante é a figura humana que surge na telona.

A quase completa ausência de personagens masculinos em cena traz, pelo menos, duas camadas narrativas: além de ser uma forma de melhor dizer (na medida em que concentra nosso olhar e sensibilidade sobre a experiência feminina em cena), também serve, ela mesma, para dizer alguma coisa. Embora personagem presente e relevante nos acontecimentos, o ex-marido de Glória só surge de forma parcial, dentro do carro que não abre o vidro para dialogar com a mãe de suas filhas; quando finalmente poderia ter voz (na audiência que discute a custódia das três meninas), o homem prefere se ausentar e nada dizer. No universo de , o masculino é uma nuvem cinzenta, não necessariamente hostil o tempo todo, mas que está sempre prometendo tempestade.

Infelizmente, não funciona em todos os seus aspectos. Um tanto lento de início, quase arrastado em alguns poucos momentos, o longa repentinamente passa a exibir acontecimentos em sucessão quase frenética, ao ponto de deixar algumas histórias incompletas. A percepção, quase ao fim do longa, do desgaste na relação entre Glória e Magali pega o espectador quase de surpresa: construída com tanto cuidado, a amizade parece se abalar quase longe do nosso olhar, com pouquíssimas cenas que ajudem a construir esse distanciamento. Da mesma forma, o elemento de realismo fantástico (manifesto em especial na bolota que se manifesta em diferentes partes do corpo de Glória, simbolizando suas dores e culpas) parece deslocado e sem função em uma trama tão realista, quase como uma pincelada que não chega a mudar significativamente o sabor do produto final, nem para o bem, nem para o mal. É uma pena que um filme tão cuidadoso e sensível encontre tanta dificuldade para amarrar sua trama, deixando uma sensação final um pouco acidentada que a obra, definitivamente, não merecia para si.

Seja como for, que não se exagere o peso dos eventuais tropeços.  é cinema de qualidade, obra interessante e promissora de uma diretora que merece ser acompanhada com muita atenção no futuro. Fica a curiosidade de como a maturidade vai atuar sobre a filmografia de Laís Melo - que, de qualquer modo, já demonstra uma interessante voz própria em sua primeira iniciativa nos longas.

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