"Meu amor se você for embora/ Sabe lá o que será de mim". Bastam esses dois versos, acompanhados da inconfundível melodia criada pela carioca Marina Lima, para o público começar a dançar a balada de À Francesa, um de seus maiores sucessos. A cantora ícone dos anos 1980 volta a Porto Alegre neste sábado, às 21h, para apresentar a nova turnê Rota 69, no Bar Opinião, em um show com ingressos esgotados, que promete olhar o passado pelo retrovisor, mas sem tirar o pé do acelerador.
Com 45 anos de carreira e 23 discos lançados, Marina conta que esse novo trabalho é um passeio completo pela própria trajetória. "O Rota 69 é uma espécie de esqueleto da minha carreira", afirma. No repertório, desde as músicas que a plateia gosta de cantar junto, até alguns rocks e homenagens a outros artistas.
Além disso, segundo a cantora, um dos momentos mais emocionantes da apresentação é o tributo ao seu irmão e parceiro musical, Antônio Cicero, que faleceu no ano passado. "Após a partida de Cicero, fizemos um vídeo de homenagem a ele. Eu me junto à plateia para assistir, e toda vez eu me encho de emoção e saudade", desabafa.
Para ela, sua carreira se mistura com a obra de seu irmão, Cicero — como o chama, carinhosamente. "É um show sobre a minha rota até agora, mas faz parte dessa rota alguém imenso que permeou toda minha vida, que é Cicero. Eu e Cicero criamos uma obra juntos".
Com músicas que embalaram uma geração inteira na década de 1980, como Fullgás, Charme do Mundo e Nada Por Mim, a cantora se vê espantada com a conexão da nova geração. Reflexo dos temas que aborda em sua obra, como sexualidade, amor, desejo, intimidade e autoconhecimento. "Eu gosto de falar de assuntos que vão ficar para sempre. Os costumes mudam, mas as questões, não", diz.
Um de seus maiores hits em parceria com Antonio Cicero, Fullgás, faz uma brincadeira interessante entre o português e o inglês. A canção, que de fugaz não tem nada, fala sobre a liberdade de um país recém-redemocratizado e as questões que a juventude "cheia de gás" ou "full gas" da época, vinha passando. Ao final, Marina entoa a inigualável frase: "você me abre seus braços e a gente faz um país". "Fico orgulhosa de ver que a música Fullgás atravessa gerações e continua presente nas pistas de danças por aí, que ainda soa atual", conta.
Falando em atravessar gerações, Marina incluiu a música Lunch, da cantora norte-americana Billie Eilish, na setlist do show. "Eu vi nessa música uma similaridade com a canção que gravei de Erasmo Carlos, Mesmo Que Seja Eu. Então resolvi fazer um mashup com as duas obras. É um momento que me divirto muito no show", explica.
Lançada em 1984, a gravação de Mesmo Que Seja Eu por uma mulher foi um marco para a comunidade LGBTQ+. E Marina, assumidamente bissexual, se adona das estrofes provocativas e debochadas da canção que diz: "você precisa é de um homem pra chamar de seu, mesmo que este homem seja eu".
"Eu nunca escondi minha bissexualidade e sempre me expus para ajudar outras pessoas a entenderem que cada um pode ser o que quiser, da forma que achar melhor. Fico muito feliz que hoje em dia qualquer pessoa é livre para ser", afirma Marina, confortável na posição de ícone da comunidade LGBTQ+.
Para ela, o desafio maior sempre esteve ligado ao seu gênero. Depois que encarou ser mulher na década de 1980 e enfrentou o peso da desigualdade, esconder a sexualidade nunca foi uma opção. "O maior preço que paguei foi o de ser mulher", desabafa.
Cantora se apresenta no Bar Opinião este sábado (26)
Camila Alcântara/Divulgação/JC
Ativa nas redes sociais, é ali que ela se comunica diretamente com o próprio público e acaba conquistando admiradores das novas gerações. Quando questionada sobre nomes da música contemporânea que gostaria de colaborar, ela menciona nomes como Seu Jorge, Alice Caymmi, Letrux, Ana Frango Elétrico e outros. "Tô sempre ouvindo o novo e me interessando pelo agora. Tem muita gente nova e talentosa na música brasileira."
Quanto ao nome sugestivo da turnê, ela conta que, na infância, morou nos Estados Unidos, onde existe a famosa estrada Rota 66 — cenário de tantas produções hollywoodianas. "E Candé Salles (diretor do show) me disse para invertemos o 6. Aí ficou 69, que é a minha idade. É uma brincadeira com a minha idade", frisa, bem humorada.
Marina não tem um trabalho favorito, diz se orgulhar da sua obra como um todo. Hoje, morando em São Paulo, ela vive uma rotina disciplinada. Acorda cedo, faz exercícios, estuda violão, aquece a voz e cuida de seu canto preferido no mundo: a própria casa. A qual ela mesma chama de templo, onde reza, observa maritacas na janela e assiste a Terra da Garoa se acender à noite.
A prima da saudosa Preta Gil deseja que o público porto-alegrense se conecte à apresentação, promete um espetáculo sofisticado e deixa um recado: "A música tem a capacidade de eternizar momentos e pessoas. Espero que todos se divirtam, cantem e relembrem algo ou alguém importante em suas vidas", diz.
Com uma vida marcada pela liberdade e uma carreira recheada de sucessos, Marina Lima pisa fundo na Rota 69 e prova que de fugaz não tem nada. "Ainda me sinto potente para próxima parada, com o pé no acelerador", finaliza.