Na sexta-feira e no sábado (18 e 19), a mineira Marina Sena transformou o Bar Opinião, em Porto Alegre, numa pequena ilha de calor em pleno inverno, como muita música e uma energia difícil de explicar em palavras. A artista trouxe a turnê Coisas Naturais ao Estado e fez questão de frisar a saudade que sentia do público gaúcho. “Eu tava ansiosa para este show, ficava reclamando ‘que show que não chega’. Demorou, mas chegou”, comentou com a plateia.
A turnê marca uma nova fase da artista. Mas quem acompanha a Marina desde o De Primeira, seu álbum de estreia, sabe: seus trabalhos têm uma parecida diferença, tudo que ela faz carrega o frescor de algo que se reinventa o tempo todo. Não surpreende que, nas duas noites, a casa estivesse lotada, vibrando de energia e totalmente entregue à artista.
Com alguns minutos de atraso, Marina surgiu no palco na sexta-feira, perto da 1h10min da manhã, e fez o público esquecer qualquer espera. Começou com Coisas Naturais, faixa que dá nome ao disco, e logo ficou claro que o show não se resume a um simples desfile pelo repertório. Marina se apossou do palco, ocupando cada metro quadrado, causando na plateia algo bem próximo da hipnose.
A cantora vestia um conjunto de pedrarias, brilhos e ilhós de metal, uma máscara que parecia um castiçal e que quase transformava seus olhos em duas velas. O pedestal do microfone combinava com sua roupa, carregado de adornos de pedras e brilho. Um conjunto que deixou o show com um ar místico, dando a Marina Sena ares de um ser folclórico. Uma sereia do Cerrado.
Quem estava perto via cada detalhe: o jeito de improvisar, os sorrisos, as trocas de olhares com os fãs e a cumplicidade com a banda. As danças misturaram passos de capoeira, rebolado, ginga e um jeito quase teatral de se mover.
O setlist costurou o novo álbum — Numa Ilha, Lua Cheia, Carnaval, Combo da Sorte, Doçura — com sucessos que já são hinos entre os fãs, como Por Supuesto e Voltei Pra Mim. Quando chegou essa última, cantada em voz e violão, as lanternas dos celulares se acenderam sem que ela precisasse pedir. O Opinião virou um céu improvisado, iluminado pela saudade e o alívio de voltar para si, cantado em coro.
Outro momento memorável se deu em Partiu Capoeira. Marina, no centro, virou a própria roda de dança. Não precisa coreografia ensaiada. Ela faz da dança uma extensão do que canta. Pés descalços, giros, sensualidade, braços soltos e a parceria genial com um dançarino que se virou em mil de tão bem que ocupava os espaços do palco.
Entre uma música e outra, ela autografou alguns itens que fãs estendiam do gargarejo, um intervalo que virou parte do espetáculo. A cada assinatura, um sorriso, um aceno, uma palavra e uma interação inesquecível. Marina pareceu fazer questão de lembrar que o palco é dela, mas também de quem está embaixo. Porque um show só se faz junto de quem aprecia.
No Opinião lotado, o clima era de quem sabe que está vendo uma artista que não se limita ao hype ou às estatísticas de plataformas de streaming. Marina segurou o show na voz firme, de timbre único, mas também no silêncio. Aquele respiro entre uma música e outra em que ela observa o público, sorri, troca olhares. É nessa hora que a figura de sereia do Cerrado faz sentido. Ela é fluida, livre, não cabe num molde pop engessado.
E os fãs sentiram o mesmo. Leonardo Souza é produtor de conteúdo e estava ansioso para ver a artista ao vivo. “Ela é uma deusa, realmente passa essa vibe de Coisas Naturais e tem uma voz linda. Lembra mesmo a MPB dos anos 1980, uma coisa meio Gal Costa”, afirmou. A música mais aguardada por ele era Numa Ilha, faixa single do novo disco. “Eu acho o instrumental de Numa Ilha muito lindo. Ter visto ao vivo foi especial, me deixou em transe.”
A designer Clara Brum se surpreendeu com o show, principalmente por conta da diversidade de momentos, como quando Marina cantou no estilo acústico, ou explorou a percussão e o instrumental da banda. “Me fez transcender. Ela é uma pessoa muito magnética e simpática. Estou em choque ainda”, afirmou. O ponto alto do show, para Clara, foi a entrada da artista no palco, ao som de Coisas Naturais. “Ela estava com aquela roupa e aquele acessório na cabeça, que trouxe uma vibe de coisas naturais, mesmo. E eu me conectei muito com a música desde o primeiro momento que ouvi. Ela bateu certo, bateu no coração”, desabafou.
No fim, ficou a sensação de que Coisas Naturais não é só o nome de um álbum. É o jeito de Marina existir no palco: lá em cima, ela é bicho, vento, água, calor. Tudo da forma mais natural possível. Um encontro que faz lembrar que música é troca, suor, olho no olho, tudo que é essencial e humano. E que, mesmo no meio do concreto, é possível abrir um mar em plena noite de inverno para a sereia poder nadar.