Porto Alegre, dom, 06/04/25

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 13 de Novembro de 2024 às 18:44

Vingança e miséria humana em nova encenação de A Falecida, de Nelson Rodrigues

Camila Morgado protagoniza montagem dirigida por Sergio Módena, para o clássico 'A falecida', do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues

Camila Morgado protagoniza montagem dirigida por Sergio Módena, para o clássico 'A falecida', do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues

Victor Hugo Cecatto_Divulgação/JC
Compartilhe:
Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
Protagonizada pela atriz Camila Morgado, a montagem teatral A falecida, dirigida por Sergio Módena, fará duas apresentações no Teatro da PUC (av. Ipiranga, 6681 Prédio 40), nesta quinta-feira (14). As sessões ocorrem às 18h30min e às 21h, e os ingressos estão à venda pelo site Minha Entrada, pelo custoR$ 80,00 (meia-entrada) R$ 160,00 (inteira).
Protagonizada pela atriz Camila Morgado, a montagem teatral A falecida, dirigida por Sergio Módena, fará duas apresentações no Teatro da PUC (av. Ipiranga, 6681 Prédio 40), nesta quinta-feira (14). As 
sessões ocorrem às 18h30min e às 21h, e os ingressos estão à venda pelo site Minha Entrada, pelo custo
R$ 80,00 (meia-entrada) R$ 160,00 (inteira).
Resgatando um dos textos clássicos de Nelson Rodrigues, o espetáculo narra o plano de Zulmira, uma mulher com tuberculose que sonha em ter um enterro cheio de luxo e pompa, mostrando à sociedade que sua família está "bem de vida". Dessa forma, ela acredita que causaria inveja em sua prima e vizinha Glorinha, com quem não fala mais e tem uma relação inexplicável de competição. No elenco, ainda estão Thelmo Fernandes, Stella Freitas, Gustavo Wabner, Alcemar Vieira, Thiago Marinho e Alan Ribeiro
"Trata-se de uma peça de vingança, com uma denúncia social muito explícita", destaca o diretor. "Escolhemos essa obra – classificada pelo saudoso crítico teatral Sábato Magaldi como uma das Tragédias Cariocas de Nelson Rodrigues – porque, ainda que escrita em 1953, ela é muito atual, retratando como as pessoas fantasiam soluções para driblar suas frustrações." Criando uma encenação atemporal para o espetáculo, que se passa no subúrbio do Rio de Janeiro, Módena optou por trabalhar com uma linguagem "realista, mas poética". 
"Nelson vai além da crônica carioca. Ele radiografa a miséria da alma humana, presente nos mais diversos lugares e épocas", reforça o diretor sobre a idealização do projeto. Esta é a primeira vez que ele dirige uma peça de Rodrigues, que, além de jornalista, cronista e romancista, foi (e ainda é) um dos principais dramaturgos brasileiros. "A gente vê uma série de pessoas que não são beneficiadas pelas evoluções do mundo", observa Módena. "No caso de Zulmira, a personagem acredita que só vai se realizar com a morte; é desta forma que ela vai se vingar de uma vida rasa de conquistas." 
Para o diretor, outro ponto de atualidade do texto é a falsa moralidade e hipocrisia, presente em boa parte da sociedade brasileira. "Nos dias de hoje, o fanatismo religioso abordado por Nelson Rodrigues tornou-se ainda mais significativo em nosso país. A personagem Zulmira traiu o marido e, por esse motivo, ela é consumida pela culpa. Seu desejo por um velório luxuoso é, novamente, sua maneira de se vingar de um mundo que não lhe oferece possibilidade de transformação."
Aí vem a ironia na trama: dias antes de morrer, a mulher pede ao esposo, Tuninho – um homem que está desempregado e gasta todo o dinheiro em apostas –, que procure um rico empresário, de nome Pimentel, pedindo que pague a ela um enterro de 35 mil cruzeiros (o que beira o absurdo, uma vez que, na época, os funerais custavam menos de mil cruzeiros). Assim que a esposa morre – ainda sem saber como ela conhecia o sujeito – Tuninho vai até a mansão do milionário e descobre que os dois eram amantes. Com essa informação, o marido traído ameaça contar o caso em um jornal e consegue arrancar do rival uma pequena fortuna. Na sequência, dá à Zulmira um enterro "de cachorro" e aposta todo o resto do dinheiro em um jogo de futebol.
"É uma tragicomédia. A protagonista tem um casamento desgastado, com um cara fracassado, e está frustrada e doente, sonhando em ter um enterro grandioso – e aí aparece a genialidade do Nelson, com as coisas ocorrendo de outra forma", avalia Módena. Ele destaca que a história apresenta, ainda, cenas de flashback, que se misturam à narrativa presente, em uma troca de ambientes que, por vezes, tenciona e, por outras, causa um inusitado alívio cômico. "Camila é uma atriz rodriguiana, perfeita; e todo o elenco está imbatível no nível de interpretação – e isso potencializa a peça", emenda.
Segundo o diretor, o espetáculo tem uma estética mais voltada para signos, revelados no cenário assinado por André Cortez: no palco, um grande mausoléu (que representa a ostentação social em meio aos mortos) é o espaço por onde os diversos planos de ação irão ocorrer. Os figurinos de Marcelo Olinto, por sua vez, não buscam a reprodução histórica da década de 1950. "Ao contrário, parecem apenas evocar um tempo passado, atravessando diversas épocas", pontua Módena. Já a trilha sonora, composta por Marcelo H, explora o conflito entre o sagrado e o profano.
A montagem, que estreou em 2023, recebeu cinco indicações ao Prêmio Fita, sendo contemplada nas categorias de Melhor Atriz Coadjuvante (Stela Freitas) e Melhor Espetáculo – Juri Popular.  Marcando sua primeira direção de uma peça de Nelson Rodrigues, Módena comenta sobre o desafio de "dar conta do autor". "Quando se entra no processo de entender a dramaturgia dele, se vai descobrindo muitas camadas. Buscar reproduzir seu trabalho pela metade ou na superficialidade seria uma armadilha: eu e o elenco buscamos trazer esses personagens com todas as camadas que eles têm, manejando e dando uma unidade. Este não é um espetáculo hermético, ele comunica, e isso é um trunfo", avalia.

Notícias relacionadas

Comentários

0 comentários