A tradicional Feira do Livro de Porto Alegre tem sua 70ª edição aberta a partir desta sexta-feira (1°), e dura até o dia 20, Dia da Consciência Negra, com curadoria dedicada ao tema. O evento, além de ser o ponto alto do setor livreiro, também representa a retomada econômica do segmento após as enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul em maio deste ano.
A Feira ocorre no mesmo local há setenta anos, a Praça da Alfândega, que também esteve submersa durante o período das cheias. O presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur, fala ao Jornal do Comércio sobre a importância da completude das sete décadas do evento para o segmento, e os reveses durante seu planejamento, ocasionados pelo desastre climático.
Jornal do Comércio - Terá alguma programação diferente para o ano em que a Feira completa 70 anos?
Maximiliano Ledur - Sim. Setenta anos não representam só uma feira ou um ano a mais. É toda uma história dentro do evento. Planejamos, além de um documentário sobre os 70 anos da Feira, um livro no formato de almanaque. Esse ano temos como novidade a curadoria da Lilian Rocha sobre a Literatura Negra. Isso também foi muito importante. Ela ter aceito o convite é um grande diferencial deste ano. Mas, fora às atividades que temos em todo ano, será mantido o mesmo modelo de feira. Por ser uma feira na rua e em praça pública, tem essa característica democrática, e isso não mudou. Trazemos, lógico, o debate para a Feira sempre, acerca da diversidade.
JC - Houve algum receio de que o evento não ocorresse, pela primeira vez em 70 anos, na Praça da Alfândega, considerando as enchentes de maio?
Ledur - Exatamente. Ficamos com esse medo. E constantemente vinham perguntas, até durante as enchentes, acerca do evento, porque planejamos com mais de um ano de antecedência. Eu já tenho eventos programados para a Feira do ano que vem. Trabalhamos um ano antes com essa expectativa de um grande evento, e então ocorreu essa tragédia no Rio Grande do Sul, que realmente não esperávamos. Ninguém esperava. E ficou essa grande dúvida. O que tínhamos certeza é que a Feira iria acontecer. Se não ocorresse nessa praça, iríamos ter que achar outra praça ou outra alternativa. Mas conseguimos retomar a praça de volta das águas, e vamos ter a Feira no lugar que ela deve ser.
JC - O quanto as enchentes impactaram no planejamento da Feira?
Ledur - Impactaram bastante. Tivemos de rever o cronograma porque muitas coisas conseguimos definir agora, a pouco tempo. O orçamento foi prejudicado. A decisão e a notícia de ter um aeroporto também foi dada faz pouco tempo. É lógico, fomos agraciados em termos o aeroporto, porque realmente isso faz muita diferença para o público que visita a Feira, inclusive para os autores que a gente traz de fora do Estado.
JC - Mencionaste que algumas coisas foram definidas agora e que impactaram o orçamento. Quais coisas e qual foi o impacto?
Ledur - A compra das passagens está sendo feita agora. Uma coisa é você comprar seis meses antes, outra coisa é você comprar um mês antes, ou quinze dias antes. Então, muitas passagens tivemos que comprar após a liberação das vendas pelas companhias aéreas. Isso foi o que mais impactou. Na decisão de trazer gente de fora também. Mas eu vejo dessa forma: tentamos tirar o melhor de tudo isso. Tiveram autores que falaram que viriam de qualquer jeito, mesmo antes de saber se iria ter avião ou não. Então, nesse sentido, a gente teve boas parcerias de autores também.
JC - Chegaram a considerar que a Feira aconteceria somente com autores locais?
Ledur - Hoje, a maioria dos autores que visitam a Feira são gaúchos. Então, lógico, a gente pensou também em fazer uma feira só com autores que estão aqui no Rio Grande do Sul, que poderiam vir de alguma outra maneira, com certeza.
JC - E qual a expectativa para a feira, em projeção de público e volume de vendas?
Ledur - Estamos com expectativas muito positivas, de batermos recorde de público e de vendas. Não temos, hoje, uma contabilidade de público realizada pela Brigada Militar, então estimamos pelo menos um milhão e meio de pessoas circulando no período. Também porque esse ano serão 20 dias de evento, e normalmente são 17 ou 16. A gente estendeu até o dia 20 de novembro, que é o novo feriado que temos esse ano no Brasil, da consciência negra. E a principal notícia que temos recebido é da previsão do tempo: perspectivas de pouquíssima ou nenhuma chuva nesses período. Isso nos garante um público maior, pelo menos em comparação ao ano passado, que choveu antes e depois da Feira, e ainda teve a primeira tragédia em novembro. Então essa perspectiva de não ter chuva nos leva a crer que teremos um grande público, porque a programação também está sendo trabalhada para isso. São 70 anos de Feira, e esse fato chama mais atenção também. Já temos recorde de número de sessões de autógrafo, são mais de 700, e isso leva gente. Essas sessões são o encontro do autor com seu leitor, que, para mim, é o ápice da Feira. E com esse número de sessões, com mais de 2 mil autores vindo para o evento, é garantia de sucesso. Muita gente quer ver principalmente como tá a Feira, como tá o Centro. A gente está em um lugar que estava passando barco durante a tragédia.
JC - Muitos expositores foram afetados também. Qual importância da Feira, na sua opinião, para esses expositores afetados?
Ledur - É fundamental para retomada do mercado, para todos, mas principalmente para esses afetados diretamente. Temos empresas que vão começar a operar na Feira, e estão mandando imprimir os livros. Temos editoras e livrarias que passaram por isso e estão vendo seu estoque com novas consignações e novas compras de livros. Então, é fundamental. A Feira antes era dita como o 13° salário de todo o setor. Hoje, vai ser a salvação, ou o símbolo da retomada do setor livreiro gaúcho. O pessoal vende muito lá. O grande quesito também não é a questão das vendas, e sim de criarmos o hábito de leitura em todas as pessoas que visitam a Feira. Para mim, esse é o grande legado da Feira, para termos leitores por mais tempo e, consequentemente, o mercado sobreviver por mais tempo e se desenvolver com melhor qualidade.
JC - Quanto a esses livreiros, a Câmara do Livro, por sua vez, teve alguma ação focada neles?
Ledur - Diretamente não. Para alguns sim. Tivemos livreiros que não tinham nem como voltar a entrar nos estabelecimentos. Uma editora, por exemplo, não tinha recurso nem para tirar o lixo, porque virou um lodo dentro do depósito. Foram 10 mil livros atingidos. Então a câmara, através de seus recursos e campanha para arrecadação, foi lá, limpou o estabelecimento e ajudou a retirar isso da melhor forma. Foram dois casos dos 20 atingidos diretamente pelas enchentes. Então são certas ações. Junto aos órgãos estaduais, municipais e federais, também temos pleiteado linhas de crédito e outras ações para recuperação desse mercado. Tivemos alguns êxitos, a própria Lei Rouanet RS, que veio para todo o setor, mas foi pleiteada por vários segmentos da cultura do Estado. Os que pediram apoio, que foram apenas dois, tiveram custeio para limpeza do local. Algumas mensalidades foram isentadas, e foi isso. Tivemos que resgatar alguns que estavam em uma Feira de Livro no interior do Estado, porque passaram vários dias em que tiveram de ficar isolados. A câmara pagou o hotel para, se eu não me engano, nove ou onze associados, e pagamos a diária para eles ficarem mais tranquilos.